Estudo sobre Gálatas 2:1-2
Estudo sobre Gálatas 2:1-2
Com o termo depois Paulo retoma mais uma vez sua primeira visita a Jerusalém, de Gl 1.18. Sem dúvida o encontro com Pedro também confirmou seu serviço missionário subsequente na Síria e Cilícia. Os leitores devem tomar consciência de que esse serviço se estendeu por nada menos de um período de aproximadamente treze anos. Esse é o sentido da expressão catorze anos depois. Junto com os dois anos na Arábia (Gl 1.17) resultam, portanto, quinze anos, i. é, quase metade da obra de uma vida, que Paulo realizou de forma autônoma, mas sem contestação da parte de Jerusalém, sobre o fundamento que se evidenciara naquelas memoráveis semanas na casa de Pedro, e em harmonia espiritual com todas as igrejas na Judeia (Gl 1.18-24). Durante esse período não apenas tinham conhecimento um do outro, como Gl 1.23,24 deixa transparecer, mas, mais do que isso, mantinham contato pessoal. Ele era assegurado por uma pessoa de confiança de Jerusalém como Barnabé, mas também por João Marcos (At 11.22; 12.25; 13.13) e selada por amor fraterno ativo (At 11.27-29). Entre Antioquia e Jerusalém tudo transcorria dentro de um ordenamento cristão. Contudo, como o v. 2 justificará, ocorreu depois disso uma conjuntura que tornava necessária uma segunda viagem à igreja-mãe.
Subi outra vez a Jerusalém. Essa “subida a Jerusalém” (cf. Gl 1.17,18) desde sempre trazia para o judeu Paulo uma conotação de exaltação. Mesmo depois de tornar-se cristão algo de extraordinário se ligava para ele com essa cidade. Porém, o que agora fazia seu coração bater mais acelerado, não era mais o santuário de lá, mas os “santos” de lá, portanto a igreja-mãe. Em 2Co 8.4; 9.12 ele até fala desses “santos” sem qualquer acréscimo. Cada cristão em qualquer lugar do mundo os conhecia e honrava com gratidão e amor, pois era deles que havia partido o evangelho (Rm 15.27). Lá havia acontecido o grande começo na história da salvação, e é preciso permanecer fiel a iniciadores.
A composição da delegação falava por si. Paulo subiu com Barnabé. Barnabé era um excelente arrimo para a causa da missão aos gentios nos primeiros tempos, conhecido e aceito até em igrejas de que ele não se aproximara pessoalmente (1Co 9.6; Gl 2.1,9,13; Cl 4.10). Levando também a Tito. A expressão symparalambáno, “levar consigo”, refere-se, também em At 12.25; 15.37,38, a ter um ajudante. Portanto, Tito não se encontra no mesmo nível ao lado dos dois, e tampouco é listado no v. 9 entre os “parceiros do acordo”. Apesar disso a presença desse “grego”, como ressalta o v. 3, tinha notável significado. Ele talvez representasse a personalidade mais importante de origem gentílica na obra de Paulo. Treze vezes ele o menciona em suas cartas. No entanto, aos de Jerusalém pode ter sido menos conhecido. Ao levar esse homem consigo, Paulo, pois, arriscava fazer um teste. Será que esse incircunciso seria recebido fraternalmente durante os dias em Jerusalém? Poderia participar, p. ex., nas refeições conjuntas? Gl 2.12 revelará que nesse ponto podiam resultar dificuldades do tamanho de arranha-céus. “Como uma das leis básicas dos judeus, a circuncisão representa, no tempo greco-romano, uma das premissas sem as quais uma convivência estreita (de um gentio) com judeus não é imaginável” (Meyer, ThWNT vi, pág 78; cf. At 11.3!).
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Segue-se o motivo para o “rumo a Jerusalém!” naquela hora. Subi em obediência a uma revelação. H. D. Betz (pág 165) observa com acerto que essa revelação não excluía causas exteriores. Entrementes havia-se configurado a seguinte situação: Nas igrejas da Judéia não havia mais em relação a Paulo o belo clima de Gl 1.24. Sobre a igreja de Jerusalém sabemos que desde o começo sua composição favorecia tensões (At 6.1). Havia a orientação libertada do templo que, contudo, havia perdido com Estêvão o seu brilhante expoente (At 6.13; 7.48). Em contrapartida, fortaleceu-se o grupo dos “zelosos da lei” (At 21.20), que rapidamente se tornaram céticos em relação a Paulo. De forma crescente perfilava-se uma oposição antipaulina, que finalmente começou a enviar agitadores às igrejas paulinas (At 15.24). Sua linha de ataque é reproduzida em At 15.1 da seguinte maneira: “Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos”. Era exatamente essa a palavra de ordem que agora estava alcançando também as igrejas da Galácia. Diante de contínuas intrigas naquele tempo em Antioquia, o diálogo de irmãos referido em Gl 1.18 tinha cada vez menos força (At 15.2). Era preciso agir. Tornava-se premente um esclarecimento oficial em Jerusalém.
Foi uma revelação que tornou clara a decisão. Paulo não sentia a necessidade de comunicar aqui a forma dessa revelação. É indiferente se ela lhe foi concedida no sonho ou numa visão (At 16.9; 18.9), sob um êxtase (2Co 12.2,7), por um singelo impulso espiritual (At 16.6,7; 20.22) ou finalmente por um profeta do primeiro cristianismo (At 13.2; 20.23; 21.4,11). Tão somente importa que ele estava, na viagem a Jerusalém e no seu procedimento ali, “em consonância com o Espírito” (Gl 5.25 [tradução do autor]).
Segue-se a finalidade imediata da visita: lhes expus o evangelho que prego entre os gentios. Em relação ao verbo, deve-se partir do significado de “apresentar” no sentido de “comunicar” e “relatar”. Em At 25.14 o governador romano Festo expôs ao rei judaico Agripa um caso jurídico (anatíthemai como aqui), sem que com isso o romano caísse numa eventual relação de obediência em relação ao judeu. Assim Paulo também aparece em Jerusalém “não como pequeno solicitante, mas como duro parceiro de negociação”. Pressionou agora para que se fizesse uma contraposição de todos os aspectos. Sobretudo as autoridades originárias não deviam desviar-se. É por isso que os reúne e expõe à assembleia da igreja e de forma singular aos importantes o seu evangelho. Na verdade podia esperar concordância da parte deles (Gl 1.18,19), mas como “colunas” (v. 9) eles deviam também pronunciar-se publicamente, definir-se de forma inequívoca e compromissiva, impondo-se sem reservas. Justamente da parte deles tinha de vir finalmente uma palavra clara, para proteger a liberdade do evangelho e afastar cabalmente aqueles falsos irmãos.
A designação quatro vezes repetida [no original] (v. 2,6,9), dos apóstolos como os que pareciam de maior influência, o que no mais não é típico para Paulo, pode ter sido originalmente uma expressão predileta bastante ressaltada dos adversários, com que também agiram em Antioquia. Na medida em que se tratava de culto a pessoas, parece que em Paulo uma leve ironia está ditando o tom. Mas fundamentalmente não havia dúvida de que Paulo reconhecia e honrava os apóstolos, denominando-se diante deles como o “menor” (1Co 15.9). Justamente no contexto atual era importante para ele a autoridade deles. Que outra finalidade teria a viagem até eles?
O final do versículo fornece a fundamentação interior da viagem. É a preocupação de algum modo, não correr ou ter corrido em vão. Ele é como um corredor em movimento, para anunciar aquilo para o que Deus o enviou, a saber: “de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo e manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os séculos, oculto em Deus… pela igreja (formada de cristãos de origem judaica e gentílica)” (Ef 3.8-10). O que agora lhe está causando tribulações é a suposta contradição entre Jerusalém e Antioquia, i. é, a iminente cisão do testemunho originário apostólico entre ele próprio de um lado e Pedro, Tiago e João de outro. A origem não pode estar cindida, assim como é impossível que Cristo esteja dividido (1Co 1.13). Por isso a acusação de que Paulo seria um estranho, cuja proclamação não estaria de conformidade com o evangelho único de salvação pregado pelos apóstolos também era tão grave para ele que ele ressaltou ao máximo, p. ex., em 1Co 15.1-5 e no v. 11, sua fundamentação na tradição do primeiro cristianismo e sua concordância com os apóstolos. Conduzir para um cristianismo próprio e isolado significaria para ele correr em vão e conduzir para o vazio.