Estudo sobre Gálatas 2:3-4

Estudo sobre Gálatas 2:3-4


Paulo antecipa para seus leitores, que conforme Gl 6.12 se encontram no ponto de lhes ser imposta a circuncisão, um resultado de suma importância das negociações. Contudo, nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se. Apesar de partes da igreja originária exigirem a circuncisão (At 15.5 e aqui v. 4,5), os “de maior influência” superaram o desafio que estava contido no fato de Paulo ter levado consigo esse gentílico-cristão incircunciso. Com isso estava aceito, por princípio, todo o cristianismo formado por gentios. Paulo estava correndo de forma certa!

Para esclarecer a questão: Quando Paulo rejeitava a exigência da circuncisão para os gentios, ele com isso não levantava a reivindicação contrária, de que fosse proibido circuncidar-se. Assim como a lei de Moisés, também o ser circuncidado de acordo com essa lei não era para ele nada de mau; em relação a judaico-cristãos até era algo óbvio. “Foi alguém chamado, estando circunciso? Não desfaça a circuncisão (não a reverta por uma intervenção cirúrgica, como faziam muitos judeus secularizados daquele tempo). Foi alguém chamado, estando incircunciso? Não se faça circuncidar. A circuncisão, em si, não é nada; a incircuncisão também nada é, mas o que vale é guardar as ordenanças de Deus. Cada um permaneça na vocação em que foi chamado” (1Co 7.18-20). Em At 16.1-3, em que ele fez circuncidar a Timóteo, a situação era diferente. Por meio da sua mãe judia Timóteo era considerado judeu. Para judeus, também para judaico-cristãos, Paulo pressupôs o rito, até para não obstruir a possibilidade da missão aos judeus. É preciso “tornar-se para os judeus um judeu”, para que judeus possam ser conquistados (1Co 9.20). Assim os judaico-cristãos obedeciam ao rito, porém unicamente como costume, não como salvação. Para eles a salvação não estava nem em ser circuncidado nem em ser incircunciso, mas sim na fé em Cristo (Gl 5.6; 6.15). Por conseguinte, cumpre diferenciar entre uma circuncisão como ato de adaptação missionária, e uma “pregação da circuncisão” (Gl 5.11).

Nos versículos seguintes Paulo não relata de maneira contínua o transcurso das negociações, mas ele destaca dois pontos centrais, a saber nos v. 4,5 o choque com os “falsos irmãos” e nos v. 6-10 o entendimento com os “respeitados”.

4 Inicialmente Paulo caracteriza a ação dos adversários. Uma revolta que ainda repercute nele faz com que formule apenas uma frase truncada: E isto por causa dos falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar (maldosamente) a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão. Como “irmãos” eles com certeza eram membros da igreja cristã. Porém não agiram como irmãos. Como espiões militares eles “tinham se juntado” e “entrado” (blh, cf. NVI “infiltraram”) com uma tarefa específica. Deve ter havido desonestidade no meio. Alegavam ser emissários dos apóstolos em Jerusalém. Paulo evidentemente levantou essa questão, pois de acordo com At 15.24 os apóstolos se distanciaram desses “irmãos”.


Paulo resume assim as atividades deles: com o fim de espreitar (maldosamente) a nossa liberdade. A palavra grega para esse “espreitar” com hostilidade (kataskopéo) talvez esteja de propósito em contraposição ao “observar” providente (episképtomai), bem conhecido das igrejas. Em ambos os verbos a raiz é a mesma, apenas combinada com outra preposição. De episképtomai foi derivado o termo epískopos, “supervisor”, do qual surgiu nosso termo “bispo”, usado com predileção também na tradução de Lutero. Em 1Pe 2.25 o próprio Cristo é esse supervisor ou “bispo”. Os irmãos falsos, pois, talvez tenham se portado como bispos: “Venham, confiem em nós. Temos as melhores intenções com vocês!” Paulo lhes arranca essa máscara: Vocês não são amigos paternais, e sim inimigos espiões. Vocês apenas estão colhendo material e planejando o mal: reduzir-nos à escravidão. Sobre retornar para debaixo do velho jugo Paulo falará com maiores detalhes em Gl 4.9; 5.1.

No presente contexto ouve-se pela primeira vez a palavra-chave liberdade. Com treze ocorrências o termo supera as cartas mais volumosas aos Romanos ou 1Coríntios (cada qual apenas com sete passagens). As peculiaridades dessa liberdade “consistem segundo 1Co 9.19-23 em não se prender a nenhuma forma exterior de conduta, mas em tornar-se para os judeus um judeu e para os gregos um grego. Paulo, portanto, está tão livre diante da lei que ele não precisa nem observá-la nem está obrigado a quebrá-la, levando uma vida sem lei. Pelo contrário, ele tem a liberdade de, sempre de acordo com as respectivas circunstâncias, observar a lei judaica ou deixar de obedecer-lhe”. É mais ou menos assim que se pode descrever o aspecto exterior de sua liberdade. Importante, porém, é a frase complementar: que temos em Cristo Jesus. Nós a temos somente quando dependemos de Cristo. O cristão livre não é o ser humano deixado solto, mas aquele que vive com seu libertador e para o seu libertador. Fora do senhorio de Cristo a liberdade é uma ilusão. Tão-somente encobriríamos nossas paixões e desejos com uma palavra grandiosa (cf. Gl 5.13).