Estudo sobre Gálatas 2:7-9

Estudo sobre Gálatas 2:7-9

Este versículo anuncia o lado positivo do posicionamento deles: antes, pelo contrário. Ele é verbalizado, porém, apenas no v. 9b, após duas frases de particípio antepostas de forma paralela (“vendo”: v. 7, e “conhecendo”: v. 9a). Primeiro somos informados do motivo do reconhecimento deles a Paulo. Quando viram (“vendo”) que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a Pedro o (evangelho) da circuncisão. – Esse “ver” foi um admitir interior, talvez ligado à depuração de sentimentos até então ainda imprecisos. Até esse encontro pode ter sido possível que de fato tenham estado dormentes nos de Jerusalém certas dúvidas contra essa missão livre e intempestiva entre os gentios (Deixemos agir sobre nós At 15.7,12-18!). Será que esse antigo destruidor de igrejas não estava agora como fundador de igrejas de fato passando um pouco dos limites? Será que ele estava com eles no meio da obra? Na hipótese de que esses homens com formação tão diferente acalentassem sentimentos de distância em relação a Paulo, o que seria imaginável e psicologicamente compreensível, eles em todo caso demonstraram naqueles dias a capacidade de uma transformação espiritual. Os tons secundários de ceticismo foram afastados. O Espírito de Deus fez com que a assembleia compreendesse: isto não é um evangelho diferente, ainda que seja o evangelho de maneira diferente. Um novo grupo-alvo da proclamação também demanda diferente apresentação, ênfase e concentração.

8 Uma segunda inclusão cita o veículo de Deus que alcançou essa ruptura nos apóstolos originários. Pois aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão também operou eficazmente em mim para com os gentios. Nas distintas maneiras de atuação dos dois apóstolos evidenciava-se a atuação do mesmo Deus, constatável em manifestações do Espírito Santo. De acordo com At 15.12 eles observaram os “sinais e prodígios” na missão entre os gentios. No mesmo texto, segundo o v. 8, Pedro também lhes recordou a sua experiência na casa do gentio Cornélio. Dons evidentes do Espírito acompanhavam o derramamento do Espírito Santo, e foi ele que o levou a proferir a frase: “Pois, se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (At 11.17). Paulo não se torna explícito no presente versículo, porém de acordo com as suas cartas não lhe eram estranhos esses pontos de vista. “Sinais e prodígios” não eram termos estranhos para ele (cf. o exposto sobre Gl 3.5). Da existência de igrejas plenas do Espírito que eram fruto de sua atuação ele podia concluir: “Vós sois a nossa carta (de recomendação)… lida por todos os homens… já manifestos… produzida pelo nosso ministério… pelo Espírito do Deus vivente”, e: “Vós sois o selo do meu apostolado” (2Co 3.2,3; 1Co 9.2).

A segunda frase participial resume as inclusões a partir do v. 7: e, quando conheceram (reconheceram) a graça que me foi dada. Foi reconhecido o veredicto de Deus que se pronunciara em sua obra missionária: Paulo obteve a graça de ser apóstolo. Na verdade falta aqui o vocábulo “apóstolo”, mas outras referências revelam sempre de novo a proximidade de “serviço de apóstolo” e “graça” (cf. o exposto sobre Gl 1.15). De forma ponderada, Barnabé não está sendo mencionado aqui. Ainda que como retardatário, apenas Paulo havia sido honrado com uma aparição do Senhor (1Co 15.8), sendo assim vocacionado para ser apóstolo. Ao abordarmos o v. 9b ainda trataremos com maior precisão dessa graça de apóstolo para Paulo.

Finalmente Paulo consegue concluir a frase iniciada no v. 7, mas interrompida após as primeiras palavras, e relatar o resultado positivo das negociações. Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra (mão direita) de comunhão.

Na Antiguidade a coluna era conhecida como figura para pessoas especialmente experimentadas. Entretanto, no judaísmo e claramente no NT essa comparação implica mais do que reconhecer a confiabilidade humana. Para as “colunas” em Ap 3.12 e 1Tm 3.15 é importante que elas estejam erigidas num templo espiritual. Portanto, trata-se de seres humanos que o próprio Deus havia colocado ali como portadores determinantes da revelação. Com isso passa para segundo plano a ideia de qualidades humanas. A ênfase reside na autoridade de seu serviço presenteada por Deus. É essa autoridade que Paulo, pois, reconhece honestamente nas três pessoas aqui citadas. Foi ela que motivou a sua viagem a Jerusalém (v. 2, cf. Gl 1.18). Por causa dela ele lutou por esse entendimento solene. É por isso que também possui força para convencer os gálatas.


No caso de Tiago não se trata, assim como em Gl 1.19; At 15.13 e 1Co 15.7, do apóstolo dentre os Doze, que já havia sofrido o martírio vários anos antes do concílio dos apóstolos (At 12.2), mas do irmão do Senhor. No entanto, enquanto Pedro, segundo Gl 1.18,19, ainda aparece claramente como a pessoa dirigente em Jerusalém, agora – mais de uma década depois – esse Tiago está em primeiro lugar. Provavelmente desde At 12.17, em que Pedro foi obrigado a abandonar a cidade e a igreja por causa de uma perseguição sob Agripa i, a direção havia passado para Tiago. At 21.18 mostra-o em função – ao mesmo tempo a última notícia sobre ele. De acordo com a tradição, ele foi apedrejado no ano 62. O fato de que ele e outros cristãos puderam permanecer naquele tempo em Jerusalém certamente tinha a ver com sua prática religiosa, que permaneceu próxima do templo e da lei, numa clara diferença com o círculo em torno de Estêvão. Por isso a sinagoga os tolerou apesar de confessarem claramente Jesus como o Messias. Que esses cristãos vivessem de acordo com sua opinião peculiar, desde que a lei parecesse preservada como base conjunta. De forma alguma, porém, Tiago fazia parte dos judaístas. Em At 21.18-25 Tiago fala com bastante distância daquele grupo na igreja que era zeloso da lei, tentando nitidamente construir uma ponte entre eles e Paulo. A verdade é que aquele lado se aproveitou dele (At 15.24; Gl 2.12), mas de fato ele era uma pessoa de consenso, tentando mediar entre gentílico-cristãos, judaico-cristãos e sinagoga, por se preocupar com a sobrevivência da igreja. Ainda cai na vista que há pouco, nos v. 7,8, em que se falava da proclamação, Tiago sequer foi mencionado, mas somente Pedro. No caso de agora, porém, quando a questão era uma regulamentação legal, ele toma a frente. Sua ênfase residia no dom da direção, menos no da doutrina. A carta de Tiago também espelha esse posicionamento básico. Ele está dirigido para a dimensão prática, mas é livre de tendências judaístas. Nela não têm importância a circuncisão, o sábado ou mandamentos de alimentação. Pelo contrário, ele representa uma “linha moderada”. “Está em tempo de abandonar… a ideia de uma oposição dura entre Tiago e Paulo, sem negar a amplitude de tensão dialética entre eles” (Popkes, Jakobusbrief, pág 106,186).

A respeito dessas três autoridades originárias afirma-se que estenderam, a Paulo e a Barnabé, a destra (mão direita). Não ostentaram sentimento de superioridade oferecendo de cima para baixo a ponta dos dedos, mas deram toda a mão direita como sinal de comunhão. O trecho todo desemboca na contemplação dessa comunhão: Os colunas de Jerusalém não excluem Paulo e Barnabé, como os judaístas almejavam, mas reconhecem os colunas de Antioquia como da mesma altura. Selaram de modo demonstrativo a sua comunhão elementar por meio do aperto de mão com validade legal. É importante manter na memória esse quadro, também para compreender Gl 2.11-21.

O fundamento dessa comunhão era o respeito mútuo de envios diferentes. A fórmula do acordo é: nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão. Naturalmente deve ser acrescentado, em ambos os casos, um verbo: Nós anunciamos o evangelho – eles anunciam o evangelho. Era isso que eles tinham em comum. Quando, pois, surgissem diferenças sobre essa mesma base, elas não significavam decadência, mas sim desdobramento desse mesmo evangelho. O que possui importância permanente é a vontade para a concórdia, que se evidencia no fato de que um não interfere no trabalho do outro.

No entanto, que era exatamente aquilo que foi distribuído entre Paulo e Pedro? Cumpre notar que, pelo contexto, a fórmula não é apenas uma regra para o futuro, porém foi depreendida da história passada da missão como estando já em vigor. Foram compreendidas e reconhecidas agora conscientemente a condução e atuação de Deus no passado. Essa compreensão mais profunda haveria de proteger no futuro contra equívocos e cismas. Afinal, que havia acontecido até o presente? Primeiramente duas constatações negativas:

• Não havia até então nenhuma distribuição geográfica do trabalho, nenhuma subdivisão dos campos missionários. A tentativa teria fracassado pelo simples fato de que naquele tempo como hoje apenas a menor parte dos judeus vivia em áreas contínuas de colonização (p. ex., em Jerusalém e na Judéia). Uma parcela muito maior estava espalhada entre todos os povos. De fato, Pedro também aparecia fora da Judéia na sua atividade missionária, a saber, em Cesaréia segundo At 10, em Antioquia conforme Gl 2.11, na Ásia Menor conforme 1Pe, na Grécia segundo 1Co, e em Roma de acordo com a tradição.

• Contudo, tampouco havia uma subdivisão étnica, apesar da aparente atribuição de povos no v. 8. Porém Paulo jamais havia cessado de testemunhar diante de Israel. Comparemos sua prática conforme Atos dos Apóstolos e afirmações fundamentais dele próprio, como 1Co 9.20 e acima de tudo Rm 1.14: “Sou devedor tanto a gregos como a bárbaros”, cf. At 9.14. Uma solução diferente logo fracassaria na constelação mista da maioria das igrejas do primeiro cristianismo. Em toda parte judeus convertidos e gentios formavam uma igreja, o que era importante para Paulo também por razões espirituais (p. ex., Gl 3.28). Por outro lado, Pedro também exerceu influência sobre igrejas paulinas.

• O contexto leva para uma pista diferente. A fórmula de entendimento não se refere nem à competência geográfica nem à étnica, mas sim à competência teológica. No v. 9a falava-se da “graça” que Deus havia “dado” a Paulo. “Graça” nesse caso vem a ser mais que uma demonstração geral de favor, a saber, ao mesmo tempo uma dádiva concreta da graça.

Os de Jerusalém haviam sido convencidos da capacitação especial de Paulo para a doutrina. Acerca de seu dom ele se pronuncia detalhadamente em Ef 3.2-8. O texto em itálico mostra os pontos de analogia com o presente trecho: “tendes ouvido a respeito da dispensação da graça de Deus a mim confiada para vós outros; pois, segundo uma revelação, me foi dado conhecer o mistério (de que os gentios também são chamados), conforme escrevi há pouco, resumidamente; pelo que, quando ledes, podeis compreender o meu discernimento do mistério de Cristo, o qual, em outras gerações, não foi dado a conhecer… agora, foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito, a saber, que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho; do qual fui constituído ministro conforme o dom da graça de Deus a mim concedida segundo a força operante do seu poder. A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo”. O trecho pode ser lido como uma explicação do nosso versículo.

A dádiva da graça, de que Paulo podia ajudar teologicamente e cortar o nó górdio, comprovou-se no concílio dos apóstolos inicialmente na questão da circuncisão, que naquele tempo era tão candente. Sob sua influência ela foi solucionada de tal maneira que os gentílico-cristãos permaneceram livres dessa exigência, mas que os judaico-cristãos continuavam na obrigação de realizá-la. Contudo o significado do acordo não se esgotava nessa regulamentação prática. Não é por nada que Paulo se denomina em 1Co 3.10 de “prudente construtor” (Novamente referindo-se também à graça de Deus que lhe foi dada!). Essa imagem transcende soluções isoladas de problemas, exibindo um serviço abrangente e fundamental, que diz respeito ao projeto geral de uma construção. Assim, também a fórmula do acordo refere-se aqui no v. 9 às questões basilares da proclamação. Exemplificando: Aos povos gentios é preciso anunciar em lugar dos ídolos um Deus que até então lhes era desconhecido (At 17.23). Em Israel isso é fundamentalmente diferente. Como povo eleito ele possui uma vantagem imensurável: Há milênios ele teve experiências com o Deus verdadeiro. Deus falou com esse povo, deu-lhe a aliança, a lei e as promessas, inaugurando para ele uma nova maneira de ser. Os judeus estão objetivamente “na lei” (énnomoi), os gentios “sem lei” (ánomoi, cf. 1Co 9.20,21). Disso resulta a diferença estrutural entre ambas as proclamações. Para ilustrá-lo: Paulo solicita aos ouvintes gentílicos em Éfeso a queimarem seus livros de feitiçaria (no grego: suas “Bíblias”!) (At 19.19). Na missão aos judeus uma solicitação equivalente é inconcebível. Pelo contrário, os escritos de Israel são confirmados pela missão cristã como Escrituras Sagradas. Não cabe queimá-las, mas conforme 2Co 3.14 “remover delas o véu”. Ouvintes judaicos devem reconhecer Jesus Cristo como centro e alvo de sua Escritura. Além disso, o status de Israel como povo da eleição por graça também está vinculado a um grau maior de responsabilidade. Por isso também se precisa falar de maneira diferente a Israel sobre pecado, perdição, arrependimento e reconciliação. Acima de tudo há uma considerável diferença no primeiro anúncio a judeus e gentios, constituindo um desafio teológico de primeira grandeza.

Fica definida, assim, a contribuição singular de Paulo, a qual ele recebeu sem mediação humana do próprio Senhor (Gl 1.11,16). Por meio de Paulo impôs-se a compreensão teológica plena da morte sacrificial de Jesus como redenção “para muitos, para todos, para o mundo”. Por isso ele ressaltava no v. 2 (cf. Gl 1.11) o seguinte: “o evangelho que (eu) prego”, aguçando a afirmação em Rm: “meu evangelho”.

Todo esse conjunto aflorou à consciência da igreja reunida no concílio dos apóstolos. Ficou comprovado o carisma teológico de Paulo. Era evidente que ele era um instrumento eleito do Senhor, um “arquiteto” de teologia histórico-salvífica e, por isso, também de teologia missionária que estabelecia parâmetros. Somente ele seria capaz de escrever mais tarde a carta aos Romanos. Os que eram apóstolos com ele curvaram-se sob as deduções penetrantes e inexoráveis que expunha a partir da confissão conjunta do primeiro cristianismo. Eles reconheciam cada vez mais que a doutrina inicialmente pouco usual do irmão de Antioquia era “verdade do evangelho”. Na mensagem dele percebiam a voz de seu Senhor e, por isso, deixaram-no tomar a frente.