Estudo sobre Gálatas 2:11-12

Estudo sobre Gálatas 2:11-12

Paulo aborda uma colisão de cerca de cinco anos atrás com Pedro, que tivera uma recaída. Novamente haviam surgido judaístas querendo impor à igreja cristã padrões de conduta judaicos. Novamente Paulo teve de enfrentar essa tentativa sem fazer acepção de pessoas. Por meio desse trecho ele cria a ligação direta com a situação presente dos gálatas, uma vez que eles se encontram igualmente no perigo de recaírem.

A primeira frase sintetiza o episódio: Quando, porém, Cefas veio a Antioquia. Faltam quaisquer explicações mais claras sobre as circunstâncias da viagem. Nomeia-se tão somente o novo local da ação: Antioquia, junto ao rio Orontes, na Síria (a distinguir da Antioquia na Pisídia, na Ásia Menor, At 13.14). Depois de Roma e Alexandria, está aqui a terceira cidade mais importante do mundo antigo, que naquele tempo se encontrava no auge de sua existência. Na sua colorida mescla de povos atuava entrementes uma igreja cristã viva, fundada por judaico-cristãos, mas passando em breve para a missão entre gentios, e abençoada com grande crescimento (At 11.19-26; 12.24). Aqui líderes dotados e servidores da igreja atuavam harmoniosamente em conjunto, entre eles Barnabé e Paulo (At 13.1). Mas certo dia também aparece Pedro. Depois que a perseguição do rei Agripa i o havia forçado a renunciar à direção da igreja-mãe e a abandonar sua residência permanente em Jerusalém (At 12.17) – no concílio dos apóstolos ele participou somente como visitante – ele deslocou sua prioridade para a atividade missionária fora de Jerusalém (cf. 1Co 9.5). Sob essas circunstâncias, tinha de ser importante para ele estabelecer relações precisamente com essa igreja que evoluía como novo centro da missão cristã.

No entanto, nessa fase positiva entre Pedro e a igreja aconteceu também um grave revés: resisti-lhe face a face. O termo traduzido por “resistir” aparece no NT em passagens significativas: “resisti ao diabo” (Tg 4.7); “resisti-lhe firmes na fé” (1Pe 5.9); “tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau” (Ef 6.13). Portanto, o maligno, que tenciona destruir a obra de Deus, é classicamente aquele ao qual se deve resistir. Já acontecera uma vez de Pedro deixar-se utilizar pelo maligno, de maneira que o Senhor teve de redargui-lo asperamente: “Arreda, Satanás!” (Mc 8.33). Relampeja, pois, o alcance do acontecimento entre Paulo e Pedro, captado imediatamente por Paulo. Diretamente ele se opôs a Pedro, do modo mais inequívoco possível, e sem consideração para com a elevada estima daquele, nem tampouco com a sua própria popularidade. Nesse instante ele não vê carne e sangue, mas a estratégia do destruidor satânico da igreja. “Conhecemos bem os planos dele (do diabo)” (2Co 2.11 [blh]).


Fazendo a transição para o relato mais detalhado, Paulo acrescenta: Pedro se tornara repreensível. Para muitos, talvez para a maioria das testemunhas do incidente, era flagrante que esse apóstolo, a “rocha” da igreja (cf. Mt 16.18), havia assumido uma atitude impossível. Consternados, ninguém ousava dizer algo. Foi então que Paulo o enfrentou, denunciando o culpado diante de todos. Dessa forma ele se evidenciou como apóstolo fidedigno do Senhor Jesus Cristo.

Dois versículos passam a descrever os fatos, a começar pelos antecedentes. Durante sua estada evidentemente mais demorada em Antioquia Pedro comia com os gentios (cristãos). Uma vez que a cena seguinte pressupõe exposição ao público, deve-se pensar também aqui menos em convites particulares nas casas que em refeições comunitárias, como estão atestadas, p. ex., em 1Co 11.17-34, e que talvez também terminassem, como em Corinto, na celebração da Ceia do Senhor. Na ocasião podiam ser proferidas palavras como: “Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (1Co 10.17). De qualquer forma cabe tomar como ponto de partida o extraordinário efeito de solidarização de uma refeição no Oriente (cf. 1Co 5.11). Tanto mais cumpre aquilatar que imensa transformação espiritual essa refeição conjunta com gentios pressupunha para um judaico-cristão. No escrito judaico dos “Jubileus”, do século ii a.C. consta: “Separa-te dos povos e não comas com eles… Não sejas companheiro deles, pois toda a obra deles é impureza e todos os seus caminhos são contaminação, abominação e horror” (Jubileus 22.16).

Certa vez o cristão Pedro ainda foi capaz de confessar nesse exato sentido: “Eu nunca comi nenhuma coisa que a Lei considera suja ou impura” (blh). Contudo ainda no mesmo dia ele tomou uma refeição ao lado de gentios e dois dias mais tarde ele adentrou uma casa gentílica, para proclamar e praticar ali a “paz, por meio de Jesus Cristo” (At 10.14,23,36; 11.3; cf. em contraposição Jo 18.28). A partir dessa experiência, Pedro estava preparado para a comunhão de mesa em Antioquia. Ele participava da celebração, cheio de um saber lúcido da fé, do qual Paulo também o lembra no v. 16. Estava em vigor o que Paulo expressa da seguinte maneira no capítulo subsequente: “Não há judeu nem grego… pois todos são um em Cristo Jesus” (Gl 3.28 [NVI]).

Portanto, era para dentro dessa paz que eclodiu pelo fato de chegarem alguns da parte de Tiago. O livro de At mostra que havia algo como viagens de inspeção da igreja-mãe para as igrejas filiais. Não havia nada de incomum nelas, e Paulo também não dá a entender nenhuma dúvida sobre a autorização desses emissários por Tiago, numa diferença com, p. ex., Gl 2.4. Ele não os chama de “inimigos da cruz” (cf. Fp 3.18) e tampouco acusa a eles nem a Tiago, e sim a Pedro. De fato sequer lemos algo sobre exigências da parte deles, diante das quais Pedro teria sucumbido.

A descrição da culpa de Pedro é extremamente breve: quando, porém, chegaram, afastou-se (dissimulou). Obviamente não havia chances para Pedro disfarçar os fatos diante dos antioquenos, porque eles já sabiam muito bem que ele participava das refeições conjuntas. Mas Pedro tentou fazer com que os visitantes de fora nem chegassem a perceber como ele se havia portado até então. Contra a sua convicção veio a apartar-se, temendo os da circuncisão. Como se nunca tivesse procedido de maneira diferente, observava diante dos olhos deles novamente as prescrições judaicas, separando-se de seus irmãos e irmãs dentre os gentios. Um isolamento próprio por iniciativa humana, quando seu Senhor tinha posto de lado o muro de separação (Mc 7.19c)! Assim como segundo Mc 14.66-69 bastava uma empregada curiosa, assim bastou agora a chegada de veneráveis barbas, que lhe traziam à memória o peso impactante da igreja judaico-cristã de Jerusalém, para que negasse o seu Senhor. Em última análise era medo diante da liberdade que o fez cair. O ser humano não está sem mais nem menos livre para a liberdade. O passo para a liberdade seguramente pode causar insegurança. Temor empurra de volta para a proteção de antigas e poderosas tradições.