Apocalipse 12 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 12 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 12
Era de esperar que as sete taças (Ap 15;16) seguissem
imediatamente após os sete selos (Ap 6;7) e as sete trombetas (caps. 8-11). Em
vez disso, deparamos com esse interlúdio extenso que revela a natureza real do
conflito entre Deus e Satanás. Em certo sentido, esse é o âmago do livro de
Apocalipse, porque parece resumir todo o período messiânico, do nascimento de
Cristo até o pleno estabelecimento do seu Reino.
1. A Mulher e o Dragão (Ap 12.1-6)
João viu um grande sinal' no céu (1). Era uma mulher
vestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas sobre
a cabeça. As estrelas representam as doze tribos de Israel ou os doze apóstolos
da Igreja Primitiva. Essa mulher estava prestes a dar à luz e já sofria as
dores de parto. Embora vestida de glória, ela gritava de dor.
O que é representado por essa mulher? Muitas
respostas têm sido apresentadas. Os antigos pais da Igreja entendiam que a
mulher era a Igreja ou, como alguns diziam, Maria, a mãe de Jesus. As dores de
parto da mulher simbolizavam a labuta espiritual da Igreja. R. H. Charles
escreve: “No seu contexto presente, essa mulher representa o verdadeiro
Israel ou a comunidade dos crentes. Essa comunidade abrange judeus e cristãos
gentios, todos que deverão passar pela última grande tribulação”. Ele
acrescenta: Mas, uma vez que a mulher é representada como a mãe do Messias, a
comunidade que ela simboliza deve incluir o verdadeiro Israel do AT”.1”
Seiss geralmente é reconhecido como o
expositor-padrão do ponto de vista do prémilenarismo. Ele entende que a mulher
não pode representar os judeus ou a Igreja cristã exclusivamente, mas ambos.
Ele então diz: “Há apenas uma Igreja na terra, que existiu em todas as épocas e
debaixo de todas as organizações. E assim temos aqui, como símbolo disso, uma
mulher gloriosa, em quem todas as mais elevadas honrarias e características
principais estão resumidas desde o início até a grande consumação”.1”
Essa provavelmente é a melhor interpretação.
João viu outro sinal no céu. Era um grande dragão
vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete
diademas. Não temos dúvidas em relação à identidade do dragão, porque é dito
especificamente tratar-se de Satanás (v. 9). Vermelho é literalmente “vermelho ardente”, simbolizando a obra mortífera do
dragão. As sete cabeças e sete coroas falam da plenitude de poder
e autoridade. Chifres também são um símbolo de poder ou força. A
respeito das sete cabeças Seiss escreve: “Vemos nessas cabeças o símbolo
de todo governo imperial deste mundo desde o início até o fim, o domínio
secular universal da terra em todos os períodos”.108 Em relação aos dez
chifres, ele diz: “O número deles é dez, o número da perfeição
secular, especialmente em relação ao mal secular. Todas as tiranias, opressões
e sofrimentos que torturaram a humanidade, desde o princípio até o fim, são
atribuídos a Satanás”.”
Pode ser significativo o fato de o dragão vir a ser
usado, junto com a águia, como um distintivo romano, a partir do final do
segundo século.' O Império Romano acreditava ter as características de um
dragão.
Lê-se em seguida acerca do dragão que a sua cauda
levou após si a terça parte das estrelas do céu e lançou-as sobre a terra (4).
A linguagem aqui é um lembrete de Daniel 8.10: “E se engrandeceu até ao
exército dos céus; e a alguns do exército e das estrelas deitou por terra e os
pisou”.
Intérpretes mais antigos entendiam que essa passagem
de Apocalipse se referia à queda de Satanás, que levou com ele um terço dos
anjos do céu (cf. a Paraíso perdido de John Milton). Isso parece ter
apoio na declaração: “os seus anjos foram lançados com ele” (v. 9). A maioria
dos comentaristas modernos entende que versículo 4 apenas ressalta o grande
poder de Satanás.
Um período deveria ser inserido no meio do versículo
4. A nova frase diz: e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à
luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho. A referência à
tentativa de Herodes de matar o bebê Jesus (Mt 2.16-18) é óbvia demais para
passar despercebida. Mas provavelmente as experiências de Cristo na tentação
(Mt 4.1-11) e no Getsêmani (Lc 22.39-46) também deveriam ser incluídas.
O relato continua: E deu à luz um filho, um varão
que há de reger todas as nações com vara de ferro (5). A referência é
claramente à passagem messiânica em Salmo 2.9: “Tu os [os povos] esmigalharás
com uma vara de ferro”. Um filho, um varão é Cristo. Ele foi
arrebatado para Deus e para o seu trono. Isso se refere à Ascensão (Lc
24.51).
Mais adiante temos o relato de que a mulher fugiu
para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus para que ali fosse
alimentada durante mil duzentos e sessenta dias (6). Pode haver uma
referência secundária aqui à fuga de Maria e José ao Egito, levando consigo o
filho Jesus para escapar da ira de Herodes (Mt 2.13-15). Uma aplicação mais
significativa seria à fuga dos cristãos de Jerusalém para Pella, quando foram
ameaçados pelo exército romano (veja comentários em Mt 24.16, CBB, vol. VI).
Mas essa também pode ter sido uma referência mais geral à proteção da Igreja da
perseguição ao longo da sua história e particularmente na Grande Tribulação no
fim dos tempos. A última interpretação parece provável por causa da repetida
menção dos mil duzentos e sessenta dias.
2. A Derrota do Dragão (12.7-17)
A guerra agora se trava no céu entre Miguel e os
seus anjos e o dragão e os seus anjos (7). Alguns comentaristas
encontram aqui uma referência à antiga revolta de Lúcifer, que se tornou
Satanás. Outros entenderam que esse texto se refere ao aparente conflito
interminável entres as forças do bem e do mal.
Miguel é
descrito em Daniel como “um dos primeiros príncipes” (10.13) e “vosso príncipe”
(10.21). E relata-se a Daniel: “E, naquele tempo, se levantará Miguel, o grande
príncipe, que se levanta pelos filhos do teu povo, e haverá um tempo de angústia,
qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas, naquele tempo,
livrar-se-á o teu povo, todo aquele que se achar escrito no livro” (12.1). Isso
parece uma clara referência à Grande Tribulação no fim dos tempos. Assim, a
guerra entre Miguel e o dragão não só tipifica a luta perene entre Deus e
Satanás, mas também tem uma aplicação especial aos conflitos finais no fim da
era presente.
Mas o dragão e seus anjos não prevaleceram; nem
mais o seu lugar se achou nos céus (8). E foi precipitado o grande
dragão, a antiga serpente, chamada o diabo e Satanás, que engana todo o mundo;
ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele (9).
A menção da serpente nos leva de volta ao
jardim do Éden, onde Satanás em forma de uma serpente tentou de maneira
bem-sucedida a Eva para que desobedecesse à ordem de Deus (Gn 3). O diabo (ho
diabolos, o caluniador ou falso acusador) é o termo usado na Septuaginta
para Satanás (hb.), que é aqui transliterado para o grego e o português.
Satanás significa “o Adversário”. Mas o uso de diabolos (gr.) na
Septuaginta como tradução para Satanás (hb.) mostra que os dois termos
eram considerados sinônimos. Eles são usados de maneira permutável nos
Evangelhos (“Satanás”, 17 vezes; “diabo”, 15 vezes).
Em que ocasião Satanás e seus anjos foram lançados
para fora do céu? John Milton, em seu livro Paraíso perdido (Livro I),
entende que esse episódio ocorreu no passado sombrio da história pré-humana
(cf. Jd 6). Mas em Jó 1.6, Satanás é retratado como alguém que ainda tem acesso
à presença de Deus. Jesus declarou que Ele viu Satanás “como raio, cair do céu”
(Lc 10.18). Isso evidentemente se refere à missão cristã de derrubar o inimigo
do seu trono como “o príncipe deste mundo” (Jo 12.31). Mas a referência
específica nessa passagem em Apocalipse parece ser a expulsão de Satanás do
poder no fim dos tempos.
Então João ouviu uma grande voz no céu, que dizia:
Agora chegada está a salvação, e a força (dynamis, poder), e o
reino do nosso Deus, e o poder (exousia, autoridade) do seu
Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual diante do
nosso Deus os acusava de dia e de noite (10) — isto é, sem interrupção.
Swete comenta: “A queda de Satanás manifesta novamente [...] o poder salvador e
soberano de Deus e seu exercício ativo por meio do Cristo exaltado”.111
Então vem uma declaração citada com frequência: E
eles o venceram pelo sangue do Cordeiro — a morte de Cristo — e pela
palavra do seu testemunho (11). Nossa vitória depende da vitória dele no
Getsêmani e Gólgota, mas ela também depende da nossa “palavra do testemunho”
fiel para Cristo.
Acerca dos cristãos daquele dia, lemos: e não
amaram a sua vida (psyche, alma) até à morte. Essa é a
repetição de uma ênfase encontrada diversas vezes nos
ensinamentos de Jesus (cf. Mt 10.39; 16.25; Mac
8.35,36; Lc 9.24; 17.33; Jo 12.25). Paulo expressou um sentimento semelhante
(At 20.24). Essa atitude deve caracterizar cada cristão consagrado.
Os habitantes do céu são convidados a se alegrar (v.
12). Em contrapartida lemos: Ai dos que habitam na terra e no mar! Porque o
diabo desceu a vós e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo (cf. v.
14). Satanás estava furioso, sabendo que estava sendo condenado e estava
determinado a fazer o seu pior no breve tempo que lhe restava. Assim, ele perseguiu
a mulher que dera à luz o varão (13; cf. vv. 1-5). Acerca da identificação
dessa mulher veja comentários no versículo 2.
E foram dadas à mulher duas asas de grande águia,
para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e
tempos, e metade de um tempo (14) — isto é, por três anos e meio. Essa é uma repetição da declaração feita
no versículo 6 (veja comentários ali). Alguns entendem que aqui há uma
referência à preservação da nação de Israel durante os três anos e meio da
Grande Tribulação. Outros aplicam esse texto à proteção da Igreja. A ideia das
asas de águias é um eco de Êxodo 19.4 e Deuteronômio 32.11.
A serpente estava tão enfurecida que lançou
da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a
fizesse arrebatar (15). A figura da enchente como um meio de perseguição ou
distúrbio é comum nas Escrituras (cf. Sl 18.4; 32.6; 124.4,5; Is 43.2; 59.19).
A passagem aqui em Apocalipse é aplicável às perseguições romanas infligidas aos
primeiros cristãos, bem como ao ataque violento final de Satanás no fim dos
tempos.
Mas a mulher foi salva: E a terra ajudou a mulher;
e a terra abriu a boca e tragou o rio que o dragão lançara da sua boca (16).
Swete faz a seguinte aplicação geral desse texto: “A ajuda viria de lugares
inesperados; a morte do imperador perseguidor, seguido de uma mudança de
política da parte do seu sucessor, mudanças repentinas de sentimento público,
ou uma reviravolta de eventos desviando a atenção pública da Igreja, de tempos
em tempos deteria ou frustraria os planos de Satanás”.112 Ninguém
sabe até que ponto essa passagem pode se cumprir literalmente na Grande
Tribulação. Despojado da sua vítima, o dragão foi fazer guerra ao resto da sua
semente, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus
Cristo (17). Provavelmente é um exagero fazer essas duas últimas sentenças
referir-se respectivamente a crentes judeus e gentios.113 É bem
possível que todos os cristãos estejam incluídos aqui.
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