Números 1 — Análise Bíblica
Análise Bíblica de Números 1
Números 1
Nm 1:1—10:10 Os preparativos para deixar o Sinai
Essa seção é dividida em duas partes principais: os
capítulos 1 a 4 tratam da ordem para realizar o censo e organizar a comunidade,
enquanto os capítulos 5 a 10 tratam de ordens relacionadas à pureza do povo.
A seção toda, na qual Deus ordena que o povo siga regras específicas,
descreve atividades de preparação para entrar na terra prometida. As
regras não constituem um fim em si mesmas; antes, a ênfase é sobre a
importância de atentar para a voz de Deus — uma atenção que se toma,
posteriormente, o enfoque teológico fundamental. No deserto, o povo de
Israel poderá viver em obediência à palavra de Deus ou se mostrar
desobediente. Em outras palavras, as regras deixam clara desde o início
a natureza do relacionamento entre Deus e o povo a caminho da terra
prometida. Essa relação havia sido confirmada e elevada a um novo patamar
pelo estabelecimento da aliança (Ex 19—24). Os israelitas devem progredir
não apenas em sua jornada rumo à terra prometida, mas também nesse
relacionamento com Deus. Sua marcha, que envolve a escolha entre obedecer
a Deus ou seguir os seus próprios desejos, não é um movimento caótico e
sem rumo; antes, é realizado de maneira ordenada em direção a um alvo
definido.
Nm 1:1—4:49 A organização da comunidade
O livro de Números se inicia com o relato do censo
realizado no ano depois do êxodo, enquanto o povo se encontrava acampado no
deserto do Sinai. Esse censo ajudaria a transformar a multidão desordenada de
ex-escravos num povo unificado e organizado.
A contagem metódica de todo o Israel (1:54) é seguida
de instruções para preparar o arraial sagrado para a marcha a ser realizada em
breve. As instruções também tratam do posicionamento das tribos ao redor
da tenda da congregação e da ordem na qual devem marchar (2:1-34). Em
seguida, são fornecidas instruções acerca dos levitas e sobre seu
posicionamento ao redor da tenda da congregação. 0 autor também registra o
número, as responsabilidades e o papel dos levitas como substitutos dos primogênitos
israelitas do sexo masculino (3:1-51). A conclusão traz detalhes sobre o número
e os deveres específicos dos membros da tribo de Levi que serviam na tenda
da congregação (4:1-49).
1:1-54 O censo de todo o Israel
Por meio de sua palavra, Deus criou o universo (Gn 1;
Sl 33:6) e formou a humanidade (Gn 1:26-27) e, por meio dessa mesma palavra,
deu ordens a Moisés e à comunidade (Êx 19:3-6). Assim, o livro de Números
informa logo no início: Falou o Senhor a Moisés (1:1a). Ao começar
com a palavra do Senhor a Moisés, o autor enfatiza o papel
fundamental de Moisés nos relatos sobre o período no deserto. Ele é
o profeta que recebe e transmite aos israelitas instruções do Senhor,
exercendo igualmente a função de mediador entre Deus e o povo. No entanto, como
os detalhes do censo mostram, Moisés não insiste em ser o único líder de
Israel. Ele aprendeu a lição ensinada por seu sogro, Jetro, em Êxodo 18 e
reconhece sua necessidade de ajuda. Sabendo que Deus designa tarefas
diferentes para cada pessoa, Moisés pede a ajuda dos chefes das tribos
para realizar o censo. Mais adiante nesse mesmo livro, ele transfere
prontamente para os levitas todas as incumbências relacionadas ao culto
público. Sua disposição de permitir a outros ocupar posições de grande influência
é um desafio para os padrões africanos de liderança.
A sensação de ordem transmitida por essa seção sobre
os preparativos para deixar o Sinai é reforçada pelos detalhes fornecidos pelo
narrador do lugar onde Deus falou com Moisés (no deserto do Sinai) e
também da ocasião (no segundo ano após a saída dos filhos de Israel do
Egito, no primeiro dia, do segundo mês) (1:16).
Deus ordena a Moisés: Levantai o censo de toda a
congregação dos filhos de Israel (1:2), mas, na verdade, o censo abrange
apenas os homens da idade de vinte anos para cima (1:36). Como a maioria
das sociedades africanas, a sociedade israelita antiga era extremamente
patriarcal, concentrando o poder político, militar e econômico
nas mãos dos homens.
Ao que parece, a necessidade de averiguar o poder militar
era um motivo comum para a realização desse tipo de censo (cf. tb. Nm 26:4;
2Sm 24:2). Outro motivo era definir a tributação para cobrir os custos de
projetos comunitários, como a construção do tabemáculo (cf. Êx 30:11-16; 38:26). Um
censo menor de um grupo específico foi usado para fazer a divisão de tarefas na
tenda da congregação (4:3). 0 capítulo 26 mostra a realização de outro
censo, quarenta anos depois do êxodo, desta vez para contar a nova
geração que ocuparia a terra prometida. Posteriormente,
Salomão realizou um censo para identificar os homens estrangeiros aptos a
trabalhar (2Cron 2:17-18). Esdras também fez uma contagem do povo,
provavelmente visando identificar indivíduos para servir como sacerdotes,
levitas e afins na comunidade (Ez 2; cf. tb. 8:15).
Como os exemplos anteriores mostram, não era inco-mum
realizar censos no período do AT, e nem sempre esse procedimento atraía a ira
de Deus, como aconteceu no censo levantado por Davi (2Sm 24; 1Cron 21). Ao que
parece, o Senhor se irou com Davi porque o rei havia passado a confiar
mais na força humana do que no poder divino. Havia esquecido que era
apenas um representante do Senhor na terra, encarregado de realizar os
propósitos de Deus.
Nos dias de hoje, os censos do governo ainda nos
lembram de nossas responsabilidades para com o Estado como cidadãos e
contribuintes, bem como lembra o Estado de suas responsabilidades para
conosco. Não há nenhum fundamento bíblico para se objetar à contagem de pessoas
com o propósito de definir maneiras de atender mais adequadamente uma
comunidade. No entanto, podemos levantar objeções se os resultados de um
censo forem usados para propósitos egoístas e benefício pessoal.
A forma em que o censo de Números 1 foi realizado
também se encaixa no tema teológico da obediência às instruções de Deus. 0
Senhor designa Arão para ajudar Moisés (1:3a) e acrescenta que os
dois líderes devem nomear assistentes: De cada tribo vos assistirá um
homem que seja cabeça da casa de seus pais (1:4). Desde o
início da marcha, Deus provê líderes para a comunidade. Na travessia do
deserto, o futuro do povo dependerá, em parte, da competência desses
líderes em exercer seu papel e ouvir atentamente a voz de Deus.
A África enfrenta inúmeros problemas relacionados a
lutas por poder. Os líderes africanos devem aguçar os ouvidos para o clamor dos
portadores de HIM dos miseráveis e das vítimas de intermináveis guerras
civis. Mas, com muita frequência, os líderes procuram apenas manter o
poder e usá-lo para realizar suas ambições pessoais. No entanto, são
chamados por Deus da mesma forma que ele chamou líderes na sociedade
israelita. Deus sabe o nome de cada líder africano, assim como sabia o
nome dos líderes das tribos de Israel (1:5-15), chamando-os a ser
sensíveis às necessidades do povo.
O nome dos chefes das tribos que devem ajudar na
contagem do povo são relacionados numa ordem semelhante à relação dos filhos de
Jacó em Gênesis 35:23-26. Esse interesse em genealogias é outro tema teológico
que se estende ao longo de toda a Bíblia, refletindo-se até em livros do NT
como Mateus e Lucas. Podemos observar um interesse semelhante na tradição
africana que dá grande valor aos primeiros chefes dos clãs e à preservação
de genealogias. A tradição africana considera o clã de um indivíduo essencial
para sua identidade dentro da comunidade, e a maioria dos
africanos acredita que é impossível existir sem um clã.
O número de homens em cada tribo é relacionado em 1:17-44.
Para uma discussão detalhada desses números, veja a introdução a este
comentário. Os totais também podem ser comparados com os resultados do segundo
censo para averiguar como cada tribo cresceu ou diminuiu durante os
quarenta anos no deserto (cf. a tabela no comentário sobre o cap. 26).
Convém observar que Levi, um dos filhos de Jacó, não
é incluído na lista do censo nem na lista em 1:5-15. Os levi-tas não fazem
parte da lista porque, como 1:45 nos lembra, a relação se refere
aos homens capazes de sair à guerra. Os levitas foram separados para
oferecer liderança espiritual e servir na tenda da congregação e não
faziam parte do exército (1:47-53). Mais uma vez, Deus provê líderes
para o povo nesse momento de preparação para a jornada.
Depois da conclusão do censo, constatou-se que havia
603.550 homens disponíveis para o exército (1:46). Tendo em vista
que é o mesmo número fornecido em Êxodo 38:26, é possível que esse censo
também tenha sido usado para cobrar os impostos necessários para a
construção do tabernáculo (cf. tb. Êx 30:11-16).
O capítulo termina
afirmando que os israelitas procederam segundo tudo o que o Senhor ordenara
a Moisés (1:54). Mais uma vez, a importância da obediência é
apresentada em primeiro plano, como acontecerá ao longo de todo o livro.Mais: Números 1 Números 2 Números 3 Números 4 Números 5 Números 6 Números 7 Números 8 Números 9 Números 10 Números 11 Números 12 Números 13 Números 14 Números 15 Números 16 Números 17 Números 18 Números 19 Números 20 Números 21 Números 22 Números 23 Números 24 Números 25 Números 26 Números 27 Números 28 Números 29 Números 30 Números 31 Números 32 Números 33 Números 34 Números 35 Números 36