Números 15 — Análise Bíblica

Análise Bíblica de Números 15




Números 15

Nm 15:1—19:22 Regras e rebeliões
Aqui, o relato das jornadas de Israel é interrompido por uma longa seção que trata principalmente de prescrições para os sacrifícios e ofertas que passariam a vigorar quando os israelitas entrassem na terra de Canaã. É possível que toda essa seção tenha sido inserida nesse lugar estratégico para garantir aos leitores que, apesar de sua rebelião e da ameaça de Deus de deserdá-los, no devido tempo a nova geração de israelitas entraria na terra prometida e adoraria a Deus ali. Talvez esses capítulos também mostrem que o povo devia continuar adorando a Deus, apesar de ainda estar a caminho da terra prometida. Deus não estava apenas acompanhando os israelitas até o seu destino final; eles se encontravam numa jornada que implicava sujeitar sua vida como um todo ao modo de vida de Deus.
Nm 15:1-31 Leis acerca dos sacrifícios
O capítulo 15 trata, em primeiro lugar, dos sacrifícios de animais, das libações e das ofertas de manjares (15:1-21). Em seguida, fala dos sacrifícios que podiam ser oferecidos para expiar pecados cometidos por ignorância (15:22-29) e do castigo para a transgressão cometida atrevidamente (15:30-31). Por fim, trata dos indivíduos que violam o sábado (15:32-36) e de uma lembrança tangível da responsabilidade do povo de obedecer aos mandamentos de Deus (15:37-40).
Os primeiros versículos do capítulo especificam que essas leis dizem respeito a sacrifícios e ofertas que o povo deverá oferecer a Deus depois de entrar na terra prometida (15:1-2). Esta declaração, em si mesma, deve ter dado esperança aos israelitas, apesar do castigo severo aplicado por Deus.
Depois de entrar na terra, o povo de Deus terá experimentado salvação e, portanto, deverá se lembrar de render graças ao Senhor por meio de ofertas. Assim, a primeira prescrição diz respeito à oferta queimada, holocausto ou sacrifício (15:3c), a ser oferecido ao Senhor como aroma agradável (15:30,7,10,13). Também é incluída uma oferta de manjares e uma libação, cujas quantidades variam de acordo com o animal oferecido — um carneiro, um novilho ou um cordeiro. Essa oferta podia ser apresentada como cumprimento de um voto a Deus, como oferta voluntária ou durante festas especiais como a Páscoa, a Festa das Semanas, o Dia da Expiação ou ocasiões afins (Lv 23; Dt 16:1-17).
As prescrições se aplicam tanto aos israelitas quanto aos estrangeiros em seu meio (15:14-15). Embora a história bíblica da salvação se concentre em Abraão e seus descendentes, é importante observar que no êxodo um “misto de gente” deixou o Egito (Êx 12:38) e que as leis e mandamentos do Pentateuco também se aplicam a esses estrangeiros no meio do povo de Israel. Em outras palavras, a comunidade da aliança era uma comunidade mista. Desde o princípio, Deus oferece a salvação a toda a humanidade, e os escolhidos são usados por Deus para abençoar outros (Gn 12:1-3).
A prescrição seguinte é uma ordem para oferecer um bolo de farinha como oferta da eira, ou seja, uma oferta dos frutos da terra (15:17-21). De geração em geração, os israelitas deviam apresentar esse tipo de oferta para expressar sua gratidão. A Bíblia nos lembra repetidamente de dar graças pelos alimentos, pois tudo que temos vem das mãos do Senhor (cf. tb. Dt 8:11-18). Como diz o salmo 116:12-14: “Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor. Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo”. E, no salmo 24, o salmista confessa que o mundo e tudo o que há nele pertencem ao Senhor.
Qual o significado dessas prescrições para o cristão de hoje? Muitos cristãos se apropriam do conceito de ofertas do AT agradecendo a Deus antes das refeições. Alguns cristãos vão além, apresentando ofertas especiais de suas colheitas uma ou duas vezes por ano, dependendo da região onde moram. Essas ofertas podem ser frutos da terra ou, para aqueles que não são agricultores, dinheiro ou outros elementos representando sua renda. Todas essas coisas são “ofertas da eira”. Apesar de tais ofertas não serem prescritas para as igrejas, os cristãos as apresentam em reciprocidade à dádiva da salvação por meio de Cristo e como forma de servir a Deus servindo à humanidade.
Também era necessário apresentar ofertas no caso de uma violação não intencional dos mandamentos de Deus (15:22-23). Quando toda a comunidade era culpada de tal transgressão, deveriam ser apresentados ao Senhor um holocausto e uma oferta pelo pecado (15:24-25; cf. Lv 4). Caso se tratasse de apenas um indivíduo que havia quebrado um mandamento divino por ignorância, o sacerdote devia fazer expiação por essa pessoa oferecendo uma cabra (15:27-28). Em ambos os casos, a prescrição se aplica tanto a israelitas quanto a qualquer outra pessoa que vivia no meio do povo de Israel (15:26,29).
A lei era muito mais severa quando se tratava de alguém que havia desobedecido deliberadamente a um mandamento de Deus. Qualquer pessoa que pecasse de forma intencional devia ser eliminada do meio do seu povo, já que pecados deliberados equivaliam a mostrar desprezo para com Deus (15:30-31).
15:32-36 O castigo pela transgressão da lei 0 sábado era um dia de grande importância para os israelitas, e sua observância como dia de descanso foi ordenada nos Dez Mandamentos: “Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus” (Êx 20:8-11). Deus havia repousado de toda a sua obra nesse dia (Gn 2:1-3). Em Deuteronômio 5:12-15, a observância do sábado também é associada à lembrança da redenção concedida por Deus ao tirar sua nação do Egito. O mesmo Deus que criou os céus e a terra redimiu seu povo da escravidão (cf. tb. Is 43:1,14-15).
Considerando-se esses fortes motivos para guardar o sábado como dia de descanso, não é de surpreender que os israelitas tenham se perturbado ao ver um dos membros de sua comunidade trabalhar, juntando lenha, nesse dia (15:32). Mas, em vez de fazer justiça com as próprias mãos, o povo considerou a lei e, quando lhe pareceu não haver nenhuma orientação clara, levou a questão a Moisés e Arão (15:33). Sem saber ao certo como proceder, os líderes buscaram a direção de Deus (15:34). Algo semelhante acontece no caso das filhas de Zelofeade (Nm 27:1-11; 36:1-12).
As regras não são pronunciamentos rígidos aplicáveis a todas as situações em todo tempo — devem ser reinterpretadas. E, quando uma lei anterior não fornece respostas, precisamos buscar a orientação quanto ao modo de aplicar os princípios a uma nova situação. Devemos lembrar que o discernimento humano, de per si, não é suficiente para determinar a vontade de Deus em situações difíceis. Precisamos ouvir a voz de Deus por meio da oração, da leitura da Palavra e dos conselhos de outros com a mesma fé e a mesma esperança, especialmente os líderes escolhidos por Deus.
Nesse caso, Deus pronunciou o veredicto por intermédio dos líderes da comunidade e, diferente de ocasiões anteriores, a própria comunidade executou a pena, apedrejando o homem até a morte fora do arraial (15:35-36), o mesmo castigo aplicado a indivíduos que pecavam atrevidamente (Nm 15:30-31). Por vezes, Deus usa líderes, o sistema judiciário e outros instrumentos semelhantes para executar sua justiça.
E cabível procurarmos descobrir a relevância dessas prescrições para a fé cristã. A Palavra de Deus é sempre “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3:16). No entanto, com a morte de Cristo, algumas leis, como essa que determina o apedrejamento do transgressor, perderam sua validade, pois Cristo tomou sobre si o pecado do mundo e, portanto, oferece perdão para todos. Por meio de sua morte sacrificial, Jesus redimiu o mundo da maldição da lei, tomando-se ele próprio maldição e, desse modo, cumprindo os requisitos justos da lei (G1 3:13; Rm 8:3-4). Consequentemente, Jesus nos ensinou a não condenar as pessoas, mas, sim, procurar conduzi-las ao arrependimento, ao perdão e à reconciliação.
15:37-41 Lembranças das leis de Deus Em seguida, Deus instrui os israelitas a colocar borlas em suas vestes como lembrança visível de que são o povo de Deus, e, como tal, têm o dever de obedecer aos mandamentos divinos dados por intermédio de Moisés (15:37-38). A cor azul do cordão também era um símbolo importante. Uma vez que a tintura azul era extremamente cara, essa cor era associada à realeza e ao caráter de Deus como Rei. Um pano azul era colocado sobre a arca da aliança, quando esta era carregada à frente do povo em sua jornada (Nm 4:6), e o azul estava presente entre as cores da cortina que fechava a entrada da tenda da congregação e do véu que separava o Santo dos Santos dentro da tenda (Êx 26:31,36). Assim, ao usarem os cordões azuis, os israelitas seriam lembrados de obedecer e ser consagrados a Deus porque ele é o Senhor (15:41).
Até hoje, os judeus ortodoxos usam xales de oração com franjas e com um fio colorido em obediência a essa instrução em Números (cf. tb. Dt 22:12). Os cristãos também se valem do simbolismo das cores. Em algumas igrejas tradicionais, o azul e o roxo são usados durante o tempo do Advento para lembrar os fiéis da vinda de Cristo, o Rei. Muitos cristãos adotam símbolos de identificação. Alguns usam uma cruz vazia, outros preferem pulseiras com dizeres gravados, como “0 que Jesus faria?”. Além de identificá-los como cristãos, esses símbolos também os lembram de sua responsabilidade de obedecer a Deus e preservar sua reputação a todo tempo. No entanto, quem escolhe usar tais símbolos deve lembrar que não são amuletos protetores, mas apenas lembranças do relacionamento que o cristão deve ter com seu Deus.

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