Estudo sobre Hebreus 1:11-13

Estudo sobre Hebreus 1:11-13



O Senhor do qual fala o Sl 102.26 não é outro senão Jesus Cristo. Eles perecerão; tu, porém, permaneces: criação do mundo e término do mundo opõem-se mutuamente. Em proporção igual Cristo participa em ambos. Assim como as palavras “no princípio” evocam para nós Gn 1.1, assim as palavras “eles perecerão” apontam para Ap 21.1,2. As pessoas da antiga e da nova aliança possuem uma visão sóbria da realidade. Elas sabem que esse mundo não permanecerá eternamente. A palavra profética nos diz que catástrofes abalarão nosso mundo até os alicerces. Jesus diz pessoalmente: “Céus e terra passarão”. Contudo Jesus Cristo estará presente, mesmo quando esse mundo não existir mais: “Tu, porém, permaneces”. Todos eles envelhecerão qual veste; também, qual manto, os enrolarás, e, como vestes, serão igualmente mudados. A linguagem figurada do AT, que os profetas usaram com especial predileção, continua sendo aplicada no NT. A metáfora é uma comparação e indicação para uma realidade que lhe é correlata. Assim como uma pessoa na Antiguidade enrolava um rolo escrito ou também sua capa e os colocava de lado, assim Jesus Cristo dará um fim à história do presente mundo com autoridade divina. Tu, porém, és o mesmo, e os teus anos jamais terão fim. Esse é o ápice da afirmação do AT, da qual o apóstolo se apropria75. Cristo encontra-se no começo da criação e, como o Senhor imutável, também no seu final. Ele é o mesmo ontem, hoje e para a eternidade (Hb 13.8). Ele não está sujeito a nenhuma troca nem alteração como os anjos (v. 7), tampouco à transitoriedade do céu e da terra (v. 10,11).


Ora, a qual dos anjos jamais disse: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés? Em tom praticamente triunfante soa a palavra do apóstolo, com a qual encerra sua comprovação bíblica da sublimidade incomparável do Filho de Deus. A dignidade e o poder que o Filho recebeu do Pai não são concedidos a nenhum anjo76. O “Senhor” que é interpelado nessa palavra de profecia do AT não é outro que o próprio Jesus Cristo. Ele está no começo do mundo, de suas mãos ele se originou (v. 10), e ele também estará no seu final (v. 11,12). Seu poder real e judicial (v. 8,9) evidenciar-se-á no fato de que ele triunfará sobre todos os seus inimigos. Hb 10.13 cita mais uma vez o Sl 110.1, mostrando por meio da inserção das palavras “aguardando, daí em diante, até que seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés”, que a subjugação dos inimigos será realizada por Deus, o Pai. É decisivo que no fim da história do mundo e de Deus constará a vitória de Jesus. Não está sendo descrito mais claramente quem são os inimigos referidos. Por isso podemos dar resposta a essa pergunta no sentido bíblico abrangente. Hb 2.14 nos diz que por meio de sua morte na cruz Jesus Cristo venceu, aniquilou – no presente caso, destronou – aquele que tem poder sobre a morte, a saber, o diabo. Isto nos aproxima de 1Co 15.25ss, onde Paulo testemunha igualmente a derrubada de todos os inimigos, afirmando: “O último inimigo a ser destruído é a morte”. Com certeza, porém, com “inimigo de Deus e de Cristo” não se pensa apenas no diabo enquanto poderoso sobre a morte. Fazem parte do seu séquito também os anjos rebeldes e hostis. Paulo recorda aos fiéis: “Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos?” (1Co 6.3). Com essa afirmação ele não se refere aos anjos que são mencionados no presente capítulo e especialmente em Hb 1.14, os emissários de Deus, que executam a sua vontade. Pelo contrário, ele está pensando nos anjos que apostataram de Deus, que fazem parte do cortejo de Satanás (2Pe 2.4; Jd 6; Ap 12.7-9), que não possuem mais direito de cidadania na glória de Deus e que na sua rebelião contra Deus tentam impedir a obra criadora e redentora. Da mesma forma temos de contar entre os inimigos de Cristo os poderes cósmicos, os demônios e poderes espirituais das trevas77. São eles os poderes e as forças ocultas que interferem de modo destrutivo em nossa vida humana e com as quais de modo algum devemos estabelecer contato. Todos esses poderes que atribulam a igreja do Senhor, que obstruem a expansão do evangelho e tentam fazer com que os fiéis tropecem no caminho do discipulado um dia estarão definitivamente vencidos. Lembramo-nos de que a presente carta se dirige a uma comunidade que experimentou aflição e tribulação, e que precisa contar com uma severa perseguição. O apóstolo sabe que por trás do poder hostil de forças governamentais encontra-se o próprio adversário de Deus78. Com base na palavra do AT ele tem condições de assegurar à igreja que seu caminho de sofrimento e a aparente supremacia dos inimigos de Cristo se encaminham ao fim. O tempo escatológico trará a grande virada e decisão. Então virá não apenas o fim de todas as coisas terrenas, mas também a revelação da vitória de Jesus Cristo e a instalação visível de seu senhorio79.


Notas:
75 Também aqui deparamo-nos com os dois passos do pensamento do apóstolo: em Hb 13.8 ele fornece como afirmação teológica a justificativa para a interpretação que faz do Sl 102.26-28 apontando para Jesus Cristo. Por outro lado, para ele este texto do AT confirma a natureza eterna do Cristo.

76 Os Sl 2 e 110, que falam de modo especial do reinado e sumo sacerdócio do Filho de Deus, também possuem um significado singular no NT. O Sl 2.7 é citado em Hb 1.5; 5.5; 7.28. O Sl 110.1 é referido em Hb 1.3,13; 8.1; 10.12,13; 12.2; e Sl 110.4 mencionado em Hb 5.6,10; 6.20; 7.3,11,15,17,21,24,28.

77 Em Ef 6.12 Paulo cita como poderes hostis árchai, exousíai, kosmokrátores tou skótous toutou, ta pneumatiká tes ponerías; i. é, “poderes”, “potestades”, “dominadores do mundo das trevas”, “espíritos da maldade”; cf. as listagens em Ef 1.20-22; 2.2; Cl 1.16; 2.15. Um estudo minucioso sobre as afirmações bíblicas sobre os poderes invisíveis encontra-se em H. Schlier, Mächte und Gewalten im Neuen Testament, Freiburg 2ª ed. 1959.

78 O. Michel, pág 60: “É marcante que nossa carta, que com certeza conhece um número suficiente de adversários humanos, silencia quase que totalmente acerca dos perseguidores terrenos da igreja. Em Hb 10.32-39 ele fala do que a igreja suporta, e não do que as pessoas cometeram contra ela. Constitui um reconhecimento e uma confirmação do sofrimento por meio da palavra, porém não uma acusação e defesa perante pessoas.”

79 J. Calvino, pág 15: “Perguntando-se, porém, se depois da subjugação dos inimigos o reino de Cristo chegará ao fim, respondo: ele permanecerá, contudo da maneira como Paulo o expressa (1Co 15.25ss). Pois embora Deus, que agora deseja ser reconhecido apenas em Cristo, então nos aparecerá através de si próprio, não obstante Cristo não deixará de ser o cabeça da humanidade e dos anjos, e sua honra não sofrerá diminuição.”