Estudo sobre Hebreus 1:1

Hebreus 1:1

Deus igualmente fala na história. Ele executa seu plano no decurso dos acontecimentos no âmbito do mundo dos povos. O NT, porém, não apenas conhece uma revelação genérica de Deus ao mundo gentílico (At 17.26,27; Rm 2.14,15), mas ele está consciente de que Deus falou de modo especial na história de Israel: Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas. Com essa frase o apóstolo localiza-se conscientemente na tradição do AT. A história dos pais é para ele a história do falar divino. Nesta retrospectiva não pensamos apenas nos profetas literários, cuja mensagem nos ficou preservada até o presente pelos livros proféticos do AT, mas toda a história de Israel é acompanhada pela palavra dos profetas (Jr 7.25). Abraão e Moisés já são designados profetas (Gn 20.7; Dt 18.15,18; 34.10; Os 12.14). O tempo dos profetas começa particularmente com a decadência do sacerdócio sob Eli e seus filhos e com o início do reinado terreno em Israel. Geração após geração, até a destruição de Jerusalém, Deus envia a seu povo pessoas que foram incumbidas por ele de transmitir a Israel e seus reis a mensagem de Deus.46 Os profetas do AT não são apenas os emissários de Deus que devem anunciar sua palavra de juízo e clemência (2Rs 17.13; Is 61.1,2; Jr 23.25-32). São pessoas que se encontram sob uma iluminação especial do Espírito Santo (1Pe 1.11) e sob a proteção singular de Deus (Sl 105.15). Ao mesmo tempo, o Senhor concede-lhes conhecimento acerca de seus planos, autorizando-os, assim, para a oração e intercessão.47 O profeta Amós testemunha: “Certamente, o Senhor Deus não fará coisa alguma, sem primeiro revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas” (Am 3.7). São eles os portadores dos mistérios das revelações de Deus.


Para o apóstolo, a natureza e a história – e nelas o falar de Deus por intermédio dos profetas – são caminhos de revelação de Deus. Acima de tudo, o testemunho escrito dos homens de Deus constitui uma interpelação direta de Deus ao ser humano. Em decorrência, ele ouve de múltiplas maneiras, na palavra transmitida pelo AT, a voz de Deus: aqui falam Deus o Pai, Cristo o Filho, o Espírito Santo e o profeta inspirado.48 Com certeza o autor de Hb não segue um esquema rígido quando interpreta a Escritura. Mas o AT todo é para o apóstolo palavra de Deus e, em decorrência, autoridade irrestrita.

Deus não apenas possui um número quase incontável de mensageiros, os quais envia a seu povo, mas ele também é ilimitado na multiplicidade de suas possibilidades de revelação. O AT conhece uma ampla diversidade de formas de revelação: muitas vezes e de muitas maneiras Deus falou outrora. Assim como existem diferenças nos conteúdos da revelação enquanto promessa e anúncio, ordem, lei e instrução, assim também existe uma diversidade nas modalidades de revelação. Deus fala ao ser humano por meio de sonhos (Gn 20.3; 28.10ss; Dn 7.1) e por aparições de anjos (Gn 19.1ss), por visões (Sl 89.20; Is 6.1ss; Jr 1.11; 24.1; Ez 1.1; Am 7.1,4,7; Os 12.11) e audições (Gn 22.11; 1Sm 3.4,10), por meio de um animal (Nm 22.28ss; 2Pe 2.16) e por misteriosos sinais escritos (Dn 5.5). Em Jó 33.14-22 registra-se o conhecimento de que Deus é capaz de falar ao ser humano por sonhos e enfermidades.49 Contudo, aquilo que no AT é característica das possibilidades ilimitadas de revelação por parte de Deus, aparece à luz do NT como sendo tão somente revelação preliminar, parcial e ainda inconclusa.50



Notas:
46 Uma breve análise dos nomes de homens e mulheres expressamente designados como profetas nos livros históricos do AT já evidencia o quanto a história de Israel foi determinada pelo falar de Deus através de seus profetas. Exceto Isaías, Jeremias e Jonas, eles são exclusivamente “profetas da palavra”, i. é, cuja mensagem não foi anotada em obras literárias específicas. Como profetas são citados por nome, em ordem cronológica: a profetiza Miriã, irmã de Moisés e Arão (Êx 15.20), a profetiza Débora (Jz 4.4), Samuel (1Sm 3.20), Natã (2Sm 7.2; 12.1,25; 2Cr 9.29; 29.25), Gade (2Sm 24.11; 2Cr 29.25), Aías, o silonita (1Rs 11.29; 14.2; 2Cr 9.29), Semaías (1Rs 12.22; 2Cr 12.15), Jeú, filho de Hanani (1Rs 16.1,11; 2Cr 19.2), Elias (1Rs 17.1; Ml 4.5), Eliseu (1Rs 19.16,19; 2Rs 3.11), Micaías, filho de Jimlá (1Rs 22.8; 2Cr 18.7), Jonas, filho de Amitai (2Rs 14.25), Isáias, filho de Amoz (2Rs 19.2; 2Cr 26.22; 32.20,32), a profetiza Hulda (2Rs 22.14; 2Cr 34.22), o vidente Hemã (1Cr 25.5), o vidente Ido (2Cr 9.29; 12.15; 13.22), Azarias (2Cr 15.1,8), Hanani (2Cr 16.7), Jaaziel, filho de Zacarias (2Cr 20.14), Eliézer, filho de Dodavá de Maressa (2Cr 20.37), Zacarias, filho de Joiada (2Cr 24.20), Odede de Samaria (2Cr 28.9), Jedutum, vidente do rei (2Cr 35.15), Jeremias (2Cr 35.25; 36.12,21,22; Ed 1.1), Urias, filho de Semaías, de Quiriate-Jearim (Jr 26.20). São mencionados como profetas sem indicação de seu nome: um homem de Deus (1Sm 2.27), um homem de Deus de Judá (1Rs 13.1,18), um velho profeta de Betel (1Rs 13.11), 100 profetas (1Rs 18.4), outros profetas e discípulos de profetas (1Rs 20.13,22,28,35,38,41; 2Rs 2.3,5; 4.38; 23.2; 2Cr 24.19; 25.15; 28.18,19). No NT também Davi é chamado de profeta (At 2.29-31). Cf também Lc 2.36 “a profetiza Ana”. Além desses, o AT informa sobre o surgimento de falsos profetas. P. ex., no tempo dos reis Josafá de Judá e Acabe de Israel profetizaram 400 profetas falsos, entre os quais Zedequias, o filho de Quenaaná (1Rs 22.6,11; 2Cr 18.5,10). Do mesmo modo é citado como falso profeta Hananias, filho de Azur de Gibeão (Jr 28.1); cf. também Jr 23.16 e Ne 6.4.

47 A correlação entre a vocação para profeta e a tarefa da intercessão é ressaltada claramente na vida de Abraão (Gn 20.7,17; cf. também Gn 18.17-19,22-33). Do mesmo modo, não se pode separar em Moisés o cargo de profeta da oração de intercessão em favor de Israel (Êx 32.11ss; Sl 106.23). A mesma ideia aparece também em Ez 22.30. De forma similar vemos que na vida de Elias o serviço profético e a autoridade para a oração estão unidos. Finalmente também as palavras em Jr 7.16; 11.14; 14.11 apontam na mesma direção, nas quais Deus proíbe expressamente o profeta Jeremias de interceder por Israel.

O autor de Hb entende a palavra do Sl 2.7 como discurso direto de Deus, como interpelação do Pai a seu Filho (Hb 1.5); também Cristo fala pela palavra do at (cf. Sl 40.7-9 com Hb 10.5-7). O texto de Hb 2.6,7 cita a palavra do Sl 8.5-7, introduzindo esses versículos com as palavras: “alguém, em certo lugar, deu pleno testemunho”. Isso é um indício de que ali fala um profeta inspirado pelo Espírito Santo (cf. 2Sm 23.1,2 com 1Pe 1.10,11; 2Pe 1.21; cf. também At 1.16). Sem maiores explicações o autor também refere o falar do Espírito Santo no at, cf. Sl 95.7-11 com Hb 3.7 e Jr 31.33 com Hb 10.15,16.

49 A Bíblia não considera essa multiplicidade das formas de revelação de Deus como restrita ao tempo do at ou como concluída com ele. Também no NT é atestado que Deus fala ao ser humano no sonho (Mt 1.20; 2.12,13,19,22; 21.19), assim como Deus também envia repetidas vezes anjos como seus emissários (Mt 1.20; Lc 1.11-13; 2.9; At 10.3). Da mesma maneira informa-se sobre visões e audições no NT (At 10.11; 16.9; 2Co 12.4; cf. também os relatos de Ap). Até mesmo para a jumenta falante de Balaão (Nm 22.28ss) existe um correlato no NT, quando Ap 8.13 fala de uma águia à qual Deus transferiu o anúncio de sua mensagem de juízo. Esses fatos confirmam que, apesar do aspecto inacabado da revelação no AT, as múltiplas maneiras de revelação do AT não são depreciadas pelo NT.

50 J. Brown inclui na multiplicidade das revelações de Deus no AT também a linguagem de metáforas, enigmas e parábolas dos profetas, bem como os sinais concretos com os quais eles ilustram a sua pregação (pág 19).