Romanos 6 — Comentário Evangélico

Romanos 6

A igreja de hoje precisa desespe­radamente enfatizar a prática da santidade na vida do crente. Rm 5 descreve a forma como todo cristão (realmente nascido de novo) deve viver; contudo, vemos pouco progresso nos cristãos descritos de Rm 6; 7; 8! O entendimen­to dessa seção sobre santificação é crucial. Temos de viver isso, não apenas entender.

Definição

Santificação significa “separado”. Isso esclarece apenas a posição da santificação em relação a Deus, mas não esclarece nada essencial a res­peito de sua natureza. O tabernáculo e suas mobílias eram santificados, separados para o uso exclusivo de Deus. A madeira, os tecidos, os me­tais e os outros materiais não eram “santos” em si mesmos, mas separa­dos para Deus. Em João 1 7:19, Jesus diz que santificou a si mesmo. Sem dúvida, o santo Filho de Deus não precisava se fazer “mais santo” do que era! Ele quis dizer apenas que se separou para o serviço de Deus e que, por seu ato de salvação, podia separar os crentes para a glória de Deus.

Nas Escrituras, a santificação é tripla: (1) posicionai — os cristãos são tirados do mundo e sentados com Cristo (Jo 17:16); (2) prática — o crente alcança vitórias diárias contra o pecado e cresce em santi­dade e na semelhança com Cristo;

(3) perfeita — “seremos semelhan­tes a ele, porque haveremos de vê- lo como ele é” (1 Jo 3:1-2).

Se misturarmos a mensagem de Romanos 6 e 7, confundiremos a mensagem de Paulo e perderemos uma grande bênção. A exposição a seguir explica as diferenças entre Romanos 6 e 7.

Romanos 6

1. Permaneceremos no pecado para que a graça seja mais abundante?

2. Somos prisioneiros no corpo do pecado.

3. Estamos mortos para o pecado.

4. Analogia entre o senhor e o servo.

5. problema de evitar a iniqüidade em vista de nossa natureza pe­caminosa.

6. Solução do problema com o co­nhecimento de que morremos para o pecado, matando-nos para a Lei e entregando-nos ao Espírito.

Romanos 7

1. Como podemos não pecar se nos­sa natureza é tão pecaminosa?

2. Aprisionados à Lei.

3. Estamos mortos para a Lei.

4. Analogia entre a esposa e o marido.

5. problema de fazer o bem em vis­ta de nossa natureza pecaminosa.

6. Solução do problema com o co­nhecimento de que morremos para a Lei, admitindo que não podemos agradar a Deus, e entregando-nos ao Espírito que habita em nós.

Rm 7 apresenta um pro­blema mais profundo que Rm 6. Todo cristão percebe o problema do capítulo 6 — a natureza peca­minosa busca tragar-nos e tenta escravizar-nos. No entanto, poucos cristãos apreendem as experiências do capítulo 7, o humilde reconhe­cimento de que, por nós mesmos, somos incapazes de fazer qualquer coisa boa! Muitos cristãos vivem sob a Lei: têm uma série de regras e regulamentos que seguem reli­giosamente, na energia da carne, e ao que chamam de “vida cristã de­dicada”. Como isso está longe da vida real! O viver cristão que honra a Deus existe apenas quando o Es­pírito Santo dirige nossa vida a par­tir de nosso interior e obedecemos a ele com coração amoroso.

A carne gosta de ser “religio­sa”, de tentar obedecer às leis, às regras e aos códigos. A coisa mais enganosa em relação à carne é que, embora esteja em guerra com Deus, pode parecer muito santifica­da, muito espiritual. Portanto, Ro­manos 6 lida com a carne à medida que gera o mal, e o 7 lida com a carne que, por intermédio da Lei, tenta gerar o “bem”.

Apesar de nos esboços termos posto o capítulo 5 sob o título “sal­vação”, ele também é importante para essa discussão. Observe os contrastes:

Romanos 5

1. Cristo morreu por nós.

2. Substituição.

3. Cristo morreu pelos pecados.

4. Ele pagou o preço do pecado.

5. Justificação.

6. Imputação de justiça.

Romanos 6 e 7

1. Nós morremos com Cristo.

2. Identificação.

3. Cristo morreu para o pecado.

4. Ele quebrou o poder do pecado.

5. Santificação.

6. Concessão de justificação.

A carne: não significa o corpo como tal, mas a natureza do ho­mem separada da influência e do poder de Deus. Outros termos usa­dos para carne são: o velho homem, o corpo do pecado e o “eu”. As pes­soas refinadas (até mesmo as cristãs) têm dificuldade em admitir que não temos nada de bom em nós. A Bí­blia fala apenas coisas negativas a respeito da carne, e o crente jamais desfrutará da vida e da liberdade apresentadas em Romanos 6—8 até que admita que não consegue con­trolar, mudar, purificar ou dominar a carne. Em Romanos 7, Paulo, o “preeminente fariseu” (veja Fp 3) teve de admitir que até mesmo sua carne não se sujeitava à lei de Deus! Com certeza, ele nutria atitudes in­teriores contrárias à vontade de Deus, embora talvez não cometes­se pecados notórios. A lei de Deus é santa e boa, todavia nem mesmo uma lei santa consegue controlar a carne pecaminosa.

Essa verdade é um choque mesmo para crentes bem instruídos: a vida cristã não é vivida na energia da carne, na tentativa de fazer “boas obras” para Deus. Nada feito na carne agrada a Deus. Antes de ou­vir Deus dizer: “Em ti me compra- zo”, temos de admitir que “a carne não produz nada que se aproveite” Oo 6:63, NVI) e entregar-nos ao Es­pírito. É uma tragédia receber, por intermédio do Espírito, o chamado para a liberdade gloriosa e viver sob a escravidão de leis, de determina­ções e de regras!

Nossa responsabilidade: a vida cristã não é uma coisa passiva em que apenas “morremos” e deixamos Deus fazer tudo por nós. O capítu­lo 6 tem três verbos-chave: conhe­cer, imputar e entregar. Temos de conhecer nossa posição espiritual e nossos privilégios em Cristo, o que acarreta gastar tempo com a Pala­vra do Senhor. Temos de reconhecer que, em nossa vida, é verdade tudo o que Deus diz a nosso respeito na Bíblia, o que significa ter o tipo de fé que nasce do Espírito. Por fim, temos de nos entregar constante­mente ao Espírito, o tempo todo, não apenas ocasionalmente. Isso é “andar no Espírito”.

A velha natureza é forte para fazer o mal, e “a carne é fraca” (Mt 26:41) quando se trata de fazer qual­quer coisa espiritual. Devemos ali­mentar a nova natureza no leite, na carne, no pão e no mel da Palavra do Senhor e morrer para o pecado. Por que alimentar um cadáver? Mas mui­tos cristãos alimentam a velha natu­reza com as cascas do mundo, en­quanto a nova natureza sente fome do maná de Deus e de comungar com ele em oração. Deus já fez sua parte; nossa responsabilidade é cla­ra: conhecer, reconhecer e entregar.

Agora, chegamos à terceira seção de Romanos — “Santificação” (caps. 6—8). Seria sábio de sua parte ler com atenção esses três capítulos, pois eles estão ligados e não podem ser estudados em separado. Observe que o capítulo 6 lida com a morte do crente para o pecado; o 7, com a morte do crente para a Lei; e o 8, com o crente vivo na vitória dada pelo Espírito. Esses três capítulos são a explicação daquela frasezinha de 5:17: “Reinarão em vida”. O ca­pítulo 6 conta-nos como o pecado não reina mais sobre nós (6:12), o 7 explica como a Lei não nos domina mais, e o 8 mostra como a habita­ção do Espírito em nós dá-nos vida e liberdade (8:2-4).

O crente enfrenta dois proble­mas: (1) Como vencer a velha natu­reza (a carne, o corpo do pecado)? (2) Como devo viver de forma a agra­dar a Deus? O capítulo 6 responde à primeira pergunta: vencemos a velha natureza quando percebemos que fomos crucificados com Cristo. A segunda é mais complexa, pois como posso agradar a Deus se tudo o que faço — mesmo as “coisas boas” — é maculado pela velha na­tureza? O pecado envolve atitudes e disposições interiores, não é ape­nas uma ação exterior. O capítulo 7 (com o 8) resolve esse problema ao mostrar que o cristão está morto para a Lei, e que o Espírito cumpre, em nós, a justiça da Lei (8:4).

O segredo da vitória sobre a carne está na obediência a essas três instruções: conhecer, reconhecer e entregar.

I. Conhecer (6:1-10)

Veja a frequência com que o verbo “conhecer” aparece nesse capítulo (vv. 3,6,9,16). No que se refere às verdades espirituais que devemos conhecer, muitos cristãos vivem abaixo de sua posição privilegia­da, porque Satanás quer manter- nos nas trevas. Se “onde o pecado abundou, superabundou a graça” (5:20), então alguém poderia dizer: “Permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante”! No entanto, Paulo mostra que isso é impossível, pois o verdadeiro cris­tão morreu para o pecado. Essa é a verdade maravilhosa de nossa iden­tificação com Cristo. Ele não apenas morreu por nós, mas nós morremos com ele. Fomos sepultados com ele e levantamos em novidade de vida quando o Espírito batizou-nos no corpo de Cristo.

Os versículos 3-4 não se refe­rem ao batismo com água, mas à obra do Espírito que nos pôs “em Cristo”, como membros de seu cor­po. (O batismo com água ilustra essa obra.) Quando Cristo morreu, morremos com ele; quando Cristo ressuscitou, ressuscitamos em uma novidade de vida com ele. Essa é nossa nova posição em Cristo. Ele não morreu apenas pelo pecado, mas também para o pecado (6:10). Isto é, ele quebrou o poder do pe­cado e desfez (destruiu) a velha na­tureza (6:6). Sabemos que a velha natureza ainda está lá, mas a cruz de Cristo tirou seu poder, pois mor­remos com Cristo em tudo o que se refere à velha vida.

O pecado e a velha natureza são senhores difíceis. A pessoa não- salva é escrava do pecado (Ef 2:1 -3), mas muitos cristãos, embora Cristo tenha quebrado a escravidão do pecado, ainda servem ao pecado. Ao ler Romanos 5, a pessoa desco­bre que Cristo morreu por seus pe­cados e recebe-o em seu coração, mas não estuda Romanos 6 e não descobre a maravilhosa liberdade que temos em Cristo. Leia 6:1-10 mais uma vez e constate que o crente está morto para o pecado (v. 1), que o velho homem foi crucifi­cado (v.6) e que o crente está livre do pecado (v. 7). O velho homem não pode governar o cristão que conhece a verdade, reconhece-a e entrega-se ao Senhor.

II. Reconhecer (6:1)

Pela fé, devemos reconhecer nos­sa nova posição em Cristo como verdade em nossa vida; não basta conhecê-la. Reconhecer é o passo de fé que diz: “Agora, o que Deus diz a meu respeito na Bíblia é ver­dade em minha vida. Fui crucifica­do com Cristo”. O reconhecimen­to é a fé que repousa na Palavra de Deus, apesar das circunstân­cias ou dos sentimentos em ação. Deus diz-nos que creiamos que fomos crucificados e que “o velho homem” morreu; ele não quer que nos crucifiquemos. A crucificação é o tipo de morte que outra pessoa tem de infligir a nós, não podemos fazer isso por conta própria. O re­conhecimento é o passo de fé que crê na Palavra de Deus e age de acordo com essa fé.

III. Entregar (6:12-23)

O crente que realmente reconhece que está morto para o pecado prova sua fé ao entregar-se a Deus. Esse é o terceiro passo no processo de ven­cer a velha natureza, a carne. No versículo 12, repare no contunden­te “Não reine”. Essa entrega é um passo de obediência ao Senhor, de livre-arbítrio. Temos de dar o pas­so final de entregar os membros de nosso corpo a Cristo; não basta co­nhecermos essa doutrina magnífica, ou mesmo reconhecê-la.

Nos versículos 16-23, Paulo dá o exemplo do senhor e do ser­vo. Ninguém pode servir a dois se­nhores. Entregamos-nos ao pecado e somos servos dele antes de ser­mos salvos. Como resultado disso, recebemos o “salário” do pecado — a morte (v. 23). Mas nos liber­tamos do pecado quando recebe­mos a Cristo como Salvador, isto é, nossa nova posição em Cristo dá- nos um novo Senhor e uma nova natureza. Agora somos servos da justiça, em vez de servos do pe­cado! Cristo assume o controle de nossa vida e frutificamos em san­tidade (v. 22), quando entregamos os membros de nosso corpo como “instrumentos” ou “armas” (v. 13) a Cristo.

O cristão que se entrega de- liberadamente ao erro comete pe­cado e colhe sofrimento. Por que o pecado é nosso senhor, se morre­mos para ele? Por que obedecemos a um senhor que já foi derrotado por Cristo? Os cristãos que pecam de forma intencional entregaram- se à velha natureza, em vez de ao Espírito Santo. Eles vivem em uma posição inferior à de exaltação que têm em Cristo. Vivem como escravos quando poderiam reinar como reis.

E importante manter esses três passos em sua ordem correta. Pri­meiro temos de reconhecer a mor­te para o pecado e a vida em Cris­to para, depois, entregarmo-nos a Deus e vencer a carne. Contudo, não podemos nos reconhecer como mortos para o pecado, a menos que conheçamos nossa posição em Cristo. Satanás tenta confundir-nos em relação à nossa vitória no Filho de Deus, pois não quer que viva­mos em nossa alta posição em Je­sus Cristo. Temos de saber também que morremos com Cristo, pois não basta saber que ele morreu por nós. Temos de saber também que a cruz lidou com nossa velha natureza, pois não basta saber que temos uma nova natureza. Conhe­cer — reconhecer — entregar: os três passos que levam à vitória di­ária sobre a carne. Esses três pas­sos levam ao trono em que Cristo foi exaltado no alto, no céu, em que “reinafmos] em vida” (com ele), em que somos servos da justi­ça, não escravos do pecado. Nele, desfrutamos de vida e de liberda­de verdadeiras.

Lembre-se que esses três pas­sos devem ser nossa atitude diária diante da vida. Eles não são “recur­sos emergenciais” para enfrentar alguma tentação especial. Os cren­tes que reservam um tempo diário para dedicar-se à Palavra de Deus conhecem sua posição em Cris­to. Eles têm fé para reconhecer-se mortos para o pecado e para entre­gar-se ao Espírito que habita neles e, desse modo, vencer. A resposta para o problema do pecado não diz respeito à simples determinação, disciplina, reforma, legislação ou a qualquer outro esforço humano. A resposta vem pela crucificação e pela ressurreição.

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