Estudo sobre Apocalipse 2:10

Estudo sobre Apocalipse 2:10





Apocalipse 2:10

Ao elogio segue-se a palavra de exortação (excurso 1d), que abrange um anúncio de sofrimento e uma promessa. Com a expressão não temas João passa adiante o que ele próprio recebeu em Ap 1.17. A locução as coisas que tens de sofrer torna a avivar a memória dos relatos da Paixão. Cerca de vinte vezes fala-se neles do sofrimento de Jesus, às vezes combinados com a menção de que o Filho do Homem haveria de sofrer entre gentios (p. ex., Mt 20.19). Isto clareia a profundidade do sofrimento como um relâmpago: o homem de Deus nas mãos dos gentios! Sofrer entre irmãos pode ser entendido como medida de disciplina. É mais fácil imaginá-lo como um instrumento de Deus. Contudo, os ímpios certamente são instrumentos de Satanás. Nas mãos deles estamos inteiramente abandonados por Deus. “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Sl 22.1). Esse é o cerne do sofrimento: o devoto parece estar desacreditado, seus críticos confirmados. Escarnecem: “O teu Deus, onde está?” (Sl 42.3). O próprio Jesus foi submetido a esse padrão: pelo menos no último instante ele deveria descer da cruz romana, se quisesse ser o amado Filho de Deus (cf. Mt 27.40-43). Contudo: “Estive morto” (v. 8).

Na verdade Deus não o rejeitou, mas o amou ininterruptamente, ainda que o tenha sacrificado. Pois unicamente por ser o Amado ele podia ser oferecido em sacrifício. Contudo, onde é sacrificado o amado, o amor se oculta. Isso é a Sexta-Feira da Paixão: não ausência, mas antes ocultação do amor de Deus, de maneira que as verdadeiras correlações não se tornam visíveis.

De Esmirna espera-se uma trajetória semelhante: Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós. O aprisionamento anunciado pressupõe a intromissão das autoridades gentílicas, em si desinteressadas. Como no caso de Jesus, quando os judeus não conseguem realizar suas intenções sem a autoridade gentílica. No entanto, sabem como fazer valer sua considerável influência, aliando-se com os gentios contra os cristãos. Isso confirma para a comunidade a impressão de que a sinagoga não é povo de Deus.

Como no v. 9, reconhece-se também aqui o diabo como o verdadeiro causador. Os perseguidores são pessoas seduzidas e carecem da intercessão (como em Lc 23.34).

Vistas de um bastião mais elevado, as detenções acontecem para serdes postos à prova. O termo grego para tentação pode ser vertido para o termo de raiz latina: “sereis sujeitos a experimentos”. P. ex., experimenta-se com um equipamento técnico, a fim de descobrir sua capacidade de produção em todos os sentidos. De forma análoga, a igreja em Esmirna está prestes a ser levada à banca de testes. Deverá ser testada a sua fidelidade. É esse o significado das tribulações. Também Cristo foi submetido a essas provas em sua trajetória (Lc 22.28,40; Hb 2.18; 4.15), as quais o colocaram na tensão máxima exterior e interior (Jo 12.27; Mt 26.38).

Também Esmirna recebe seu Getsêmani. E tereis tribulação de (“durante”) dez dias. A indicação de tempo faz recordar Dn 1.12,14, onde ela é expressão clara de um prazo breve (de forma similar em Gn 24.55; Nm 11.19; Jz 6.2-6). As tribulações são delimitadas por Deus. Apesar de entregue a gentios ou a Satanás, o Crucificado ainda assim estava nas mãos de Deus. Entregou seu espírito nas mãos de Deus! Deus é fiel, mesmo quando permite que seus amados sofram (1Co 10.13). Ele supervisiona o “experimento”. É por isso que esse parece ser moderado (Rm 8.18; 1Pe 5.10). – Para o historiador, nem a presente passagem nem Ap 2.13 formam o quadro de uma perseguição generalizada e fundamental dos cristãos, e nem para este momento nem para o futuro próximo. O mundo em redor é até tolerante com os judeus, o que no entanto não exclui uma repentina irrupção de violências por parte do povo em geral (cf. o exposto sobre Ap 2.3).

Não temas! Esse era o título da primeira metade do versículo. Independentemente do caminho que a igreja tiver de seguir, ela o andará atrás de Jesus e em conjunto com ele. Jesus se apresentou a ela como aquele que está vivo, i. é, como santo contemporâneo dela. Nesse ponto reside a profunda diferença entre o caminho de Cristo e a caminhada dos cristãos: ele o percorreu em solidão extrema. Ninguém foi capaz de vigiar com ele. Ninguém podia compreendê-lo e dizer-lhe: “Eu sei!” Mas ninguém mais precisa passar pela solidão última. Para os seguidores de Jesus sempre será, mesmo em caso extremo, a “a comunhão dos seus (de Cristo) sofrimentos” (Fp 3.10). Por isso, não temas!

A segunda parte do versículo leva adiante: Sê fiel até à morte. Aqui a fidelidade seguramente é outra vez a fidelidade da língua de Ap 1.5. Sê uma testemunha fiel! No NT não é fiel simplesmente aquele que permanece na fé até a hora de sua morte, mas o que continua sendo missionário, o que não somente tem a fé mas que a testemunha inabalavelmente.

É improvável que o martírio esteja sendo anunciado para a comunidade toda. Porém a fidelidade que conta com todas as possibilidades está em jogo para a comunidade toda. Há de ser revelado se é exigido o sacrifício extremo de alguém. Cada um é conclamado a ser fiel e a preferir morrer a negar a Jesus.

Jesus tornou-se “obediente até à morte” (Fp 2.8). Contudo a continuação daquele texto diz: pela cruz até a coroa. Também essa linha foi traçada para a igreja em Esmirna: e dar-te-ei a coroa da vida. Nas cidades da província florescia a prática de competições festivas, nas quais eram concedidas coroas de vitória. Três referências do NT tratam da coroa do mártir. Ele é o prêmio pela vitória na tribulação e provação. A vitória não consiste em conquistas e sucessos, mas no fato de que o provado não “cai”: não decai da fidelidade da testemunha (cf. 3.11; 12.11), nem do amor (Tg 1.12), nem da fé (2Tm 4.8).

Dentre todas as sete igrejas, a igreja em Esmirna é a que está mais fortemente situada nesse horizonte do martírio. Versículo após versículo são estabelecidos os paralelos com a Paixão de seu Senhor. Contudo, o Senhor torna translúcida a algema férrea do sofrimento, e atrás dela expande-se o horizonte da ressurreição e da vida. Esmirna é na verdade candidata à vida, não à morte. É aqui que reside a ajuda para ela. O aspecto perigoso do sofrimento reside na iminente atrofia e torcedura da alma. Pobreza facilmente torna alguém miserável, ser odiado leva a odiar, ser fustigado torna ladino. Sofrimento é um poder hostil (Ap 21.4). Por isso o Senhor Jesus Cristo não morreu tranquilo e disposto como Sócrates. “Para aparar os efeitos perigosos do sofrimento para a igreja, a missiva lhe anuncia: não obstante toda a cruz, vocês estão trilhando um caminho positivo e correndo para os braços de um bom Senhor, que é o príncipe da vida e coroará vocês com vida.”