Estudo sobre Apocalipse 2:14
Estudo sobre Apocalipse 2:14
Apocalipse 2:14
Entretanto, mesmo contra essa igreja, que naquele tempo não se deixou intimidar, que saiu aprovada de uma grave pressão, dirige-se agora a acusação de seu Senhor (excurso 1c): Tenho, todavia, contra ti algumas coisas (“Tenho, contudo, contra ti uma ‘ninharia’” [tradução do autor]). O ponto a criticar é tudo menos insignificante e no v. 16 seguem-se tons extremamente ásperos, de modo que não se pode falar de repreensão leve. Por isso, recomenda-se colocar “ninharia” entre aspas. É uma suposta ninharia. Por trás de tudo está a conversa dos balaamitas: convenhamos, não devemos dar tiros de canhão em passarinhos! Na verdade, porém, essas supostas questões insignificantes punham em risco toda a aprovação e determinação da igreja.
O conselho que Balaão deu ao rei Balaque (Nm 31.16; 25.1-3) consistia de algo “insignificante” quando comparado à preparação de uma batalha de campo: “convida-os a participarem no culto aos ídolos (e para a imoralidade comum nessas ocasiões)! Não lhes envies um grande exército, mas pequenas donzelas!” Trata-se, portanto, de uma ninharia no sentido de uma armadilha.210 “Tens entre ti alguns daqueles que se apegam à doutrina de Balaão, que ensinou Balaque a armar ciladas diante dos (‘seduzir os’) filhos de Israel (para a apostasia,) para comerem coisas (‘carne’ [cf. teb, bj]) sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição (‘imoralidade’)”.
É doloroso que também no presente contexto tenhamos de encontrar o conceito “apegar-se”, do v. 13 (como igualmente no v. 15): nas duas vezes fala-se de agarrar persistentemente, uma vez, porém, em relação ao nome de Jesus, outra vez em relação ao conselho de Balaão. Esses dois tipos de apego pareciam ser conciliáveis em Pérgamo. Contudo a espada do Senhor intervém. Não são conciliáveis!
O consumo de carne sacrificada a ídolos refere-se a refeições no contexto de cultos gentílicos. As próprias divindades que doavam a carne dos animais que lhes haviam sido ofertados eram consideradas senhores da mesa. Dessa maneira, os participantes usufruíam da comunhão com os deuses (cf. 1Co 10.20). Ao mesmo tempo, essas celebrações significavam auges e compromissos sociais. Era difícil ficar de fora quando os parentes ou conhecidos convidavam. Paulo já se defrontara com esse problema (p. ex., 1Co 8–10). A princípio, a carne era para ele uma questão neutra, contudo seria possível consumi-la “em si”? Como fica o contexto? Assim que é ingerida em honra aos deuses, a carne recebe uma marca negativa, e então vale: “fugi da idolatria” (1Co 10.14).
Favorecidas por comilanças e alto consumo de vinho, essas refeições degeneravam para orgias descontroladas e imorais. Mais importante, porém, é a religiosidade que estava por trás, que dominava todos os cultos do Oriente Médio e, assim, o contexto de Israel, a saber, o endeusamento das forças naturais e sensuais. A terra era considerada a deusa-mãe. Ela se torna fértil quando o jovem deus do céu, denominado de Baal, semeia sobre ela suas chuvas. No culto, esse matrimônio de deuses é celebrado, encenado e imitado em forma de “casamentos sagrados” em honra a Baal. Os profetas do AT e também João irreverentemente chamavam esses cultos aos deuses de imoralidade. Em Corinto, de acordo com Estrabo (geógrafo e escritor grego, falecido no ano 20) teria havido mil prostitutas sacrais permanentes. Esse costume também penetrou em Israel: 1Rs 14.23,24; 15.12; 22.47; Dt 23.18,19; Jr 2.20; 3.2,6; Os 4.12-14; conforme 2Rs 23.7, também uma vez no Templo de Jerusalém. Ez 23 constitui uma inflamada acusação contra o pecado de Israel.
Os cultos da Ásia Menor tinham uma flagrante semelhança com os cultos sírios e palestinos, de modo que João foi compreendido sem dificuldades quando relacionava palavras do AT com a situação das sete cidades. Um dos deuses preferidos do helenismo era Dionísio, em cujo serviço as pessoas se entregavam em êxtase à natureza e aos impulsos vitais. Especificamente na Ásia Menor, o objeto de veneração era a “grande mãe Cibele”. Ela é a “Diana” ou “Ártemis” dos efésios de At 19.24-35, que como deusa da fertilidade era retratada com muitos seios.
Obviamente a participação em tais cultos também solapava a moral na vida extra-religiosa. O ser humano grego tendia, até em seus mais nobres expoentes, para grande tolerância em relação à incontinência sexual. Paulo teve de enfrentar esse espírito no âmbito da comunidade, no qual se via a liberalidade sexual como prova da superioridade cristã (1Co 5.1). No mundo helenista, a imoralidade estava incrivelmente divulgada em todas as suas formas, a ponto de João vislumbrar a cidade da Babilônia, símbolo da humanidade civilizada daquele tempo, como “mãe da prostituição” (Ap 17.5).
Conseqüentemente, a expressão “praticar a imoralidade” incide sobre uma situação multi-segmentada. Ela significa aderir a cultos gentílicos, ou seja, decair de Deus, romper o “matrimônio” com ele. Esse adultério intelectual muitas vezes degenerava literalmente para a devassidão. O Primeiro Mandamento, que adverte contra outros deuses, está implicitamente ligado ao Sexto Mandamento, que adverte contra outras mulheres. Fidelidade é indivisível, tanto faz se é em relação a Deus ou à própria esposa. Essa “imoralidade” de sentido abrangente havia se aninhado na comunidade de Pérgamo de maneira especialmente firme e atrevida. Em Éfeso falou-se tão somente das “obras” dessa gente. Aqui se informa sobre a sua doutrina e sua atividade de doutrinação. Talvez resida nisso o avanço da prática pessoal para a justificação e propaganda públicas. Fazem escola e têm alunos.
Que faz a igreja? Tu tens os que da mesma forma sustentam (“se apegam” “seguem” [rc]) é uma expressão totalmente neutra, não revelando nenhuma tomada de partido. Não se pode dizer, como em relação a Éfeso: “Tens, contudo, a teu favor que odeias as obras dos nicolaítas” (Ap 2.6), nem como dos cristãos em Tiatira: “Tu os toleras” (Ap 2.20). Em Pérgamo, esses dois grupos e essas duas correntes de proclamação caminham simplesmente lado a lado. Contudo, essa neutralidade dentro da igreja constitui justamente o ponto de acusação contra a igreja em Pérgamo, que para fora testemunha de maneira tão corajosa. Como os mesmos homens ficaram calados, estranhamente calados! Isso é infidelidade na essência. A força para testemunhar ficou paralisada e foi interrompida num determinado ponto. Havia algo dentro deles que se entendia com os balaamitas e que tinha o efeito de um corpo estranho na sua relação com Jesus.
Afinal, o melhor esconderijo para a infidelidade é entre os que são fiéis. Ali ninguém a espera, nem mesmo a maioria dos próprios fiéis. O Senhor exaltado, porém, traz à luz o que está oculto. Sua espada não perdeu o fio. Com cortes seguros ele disseca o foco da infidelidade. Também o mais fiel de todos deve examinar-se. “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia”. Satanás é sobremodo astuto, e Jesus declara: “Habitas junto do trono de Satanás”.
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