Estudo sobre Apocalipse 2:4

Estudo sobre Apocalipse 2:4




Apocalipse 2:4

Alguns comentários exegéticos constataram aqui a crítica de que Éfeso teria neglicenciado o primeiro amor, i. é, a instituição da ceia de amor do cristianismo primitivo e, conseqüentemente, a assistência aos pobres. Na igreja, o aspecto social teria sofrido em favor do aspecto dogmático (v. 2,3). A situação teria evoluído para a mal-afamada atitude correta e ativa sem amor. A ideia é preciosa e poderia ser escorada com Mt 7.21-24. Contudo, será mesmo que é referida aqui?

Para outros, o “primeiro amor” é o amor da noiva, ou seja, uma singular intimidade e ligação com Cristo, o noivo (cf. Ap 22.17). Nesse contexto lamenta-se que a expectativa da volta de Cristo está enfraquecendo em Éfeso e aduzem-se paralelos como Os 2.9,17; Ez 16.43. Entretanto, no contexto das mensagens às igrejas é mais plausível que seja o amor ao amigo (Ap 3.19,20; cf. Jo 15.15; também as passagens joaninas do amor do discípulo estão distantes da figura de uma relação de noivos; Jo 16.27; 21.15-17). Será que, conforme tudo o que constatamos até aqui acerca desse texto, não estaria se falando da comunhão paradisíaca, do amor dos tempos originários? Assim como a humanidade vivia na condição originária com Deus, assim também a igreja vivia com seu Senhor.189 Naquela época, quando a igreja veio a existir pelas grandes ações de criação da parte de Deus em Jesus Cristo, nascida do amor crucificado e ressuscitado, e despertada para corresponder com amor (1Jo 4.10 “amou primeiro”) – isso era “paraíso”.

A igreja em Éfeso havia abandonado o primeiro amor, não como um ato de rejeição, e sim de esquecimento (v. 2,3). Assim como se empenhava com disposição pelo presente e pelo futuro (v. 2,3), assim sofria de um esquecimento perigoso do seu tempo inicial e originário. Ela defendia algo dos hereges que ela própria não possuía mais de forma viva. Examinas a outros e exiges: não há outro evangelho! Examina-te a ti mesma! (cf. 3.17; Rm 2.17-21). Tu mesma não vives mais no que é originário e essencial, motivo pelo qual tua vida é infrutífera e irrelevante. Teu próprio candeeiro poderia ser retirado (Jo 15.5-8).

Permanecer no primeiro amor não deve ser confundido com ficar parado no começo, o que de antemão excluiria qualquer crescimento. O Senhor quer progresso sobre o chão do começo (Ap 2.19), i. é, sobre o fundamento, não porém afastando-se da base inicial. Isso seria apostasia. A apostasia gosta de exibir-se como progresso. Essa constatação conduz novamente ao tema da aparência, da mentira e da sedução. Essa aparência de exceder o Cristo crucificado e ressuscitado (cf. 1Co!) faz parte da natureza anticristã. As pessoas presumem ter há muito tempo aquilo que ele trouxe. Contudo, para um suposto avanço, o “primeiro amor”, o vínculo originário ao próprio Cristo, aparece como empecilho.

Esse primeiro amor esfriará em muitos (cf. Mt 24.12). No centro da fé cristã manifesta-se a morte por congelamento. O testemunho de Cristo torna-se algo apenas formal (2Tm 3.5).

Esse desvio evolui para um fenômeno geral, de maneira que a igreja tem dificuldades em se afirmar. No entanto, ela tem de se afirmar nessa questão. Por amor à sua incumbência ela não pode fazer parte da massa e tornar-se igreja de aparência. É essa a sua verdadeira luta: perseverar até o fim (Mt 24.13), permanecer no “primeiro amor” até os tempos derradeiros.

Em seus últimos dias, o sofrimento do Senhor Jesus Cristo foi um paradigma para o sofrimento dos últimos tempos do mundo (qi 49). Em muitos o amor originário esfriou. Seus discípulos o abandonaram. A injustiça alastrou-se. Uma enxurrada de egoísmo, discórdia, traição, difamação, mentira e crueldade ameaçava arrastá-lo consigo. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1).

Cabe interpretar ainda, na presente e em muitas outras passagens das missivas às igrejas, a interpelação com o tu. Ela visa o tu da igreja, prefigurado em inúmeros textos do AT (p. ex., Is 43.1). Trata-se de culpa da igreja, juízo sobre a igreja, arrependimento da igreja e vitória da igreja. Quando precisamos admitir a culpa da igreja, às vezes nos tornamos ainda mais orgulhosos e obstinados do que quando temos de confessar culpa individual. O que há de mais tenebroso do que a comunhão do pecado! Ela se vinga em pecados individuais. As misteriosas bancarrotas individuais nem são tão enigmáticas assim. Elas acusam a comunhão. Por isso, a disciplina eclesial somente pode ser defendida sob 1Co 12.26: “se um membro sofre, todos sofrem com ele”.