Estudo sobre 1 Coríntios 15:20-22

Estudo sobre 1 Coríntios 15:20-22


Paulo mostrou o campo de destroços que se forma quando se nega a ressurreição. E agora, justamente diante desses destroços, ele constata frente a todas as perguntas, dúvidas e negações de modo triunfante o fato de que: “Agora, porém,385 Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, como as primícias dos que adormeceram” [tradução do autor]. Não se trata de soluções de problemas ou de controvérsias intelectuais, mas exclusivamente da realidade: “Cristo foi ressuscitado.” Porque a realidade não é determinada por nossos pensamentos, mas nossos pensamentos precisam se guiar pela realidade. Conduzido pelo Espírito Santo, Paulo formula desde já a constatação dessa realidade de tal forma que ela não continua sendo um fato isolado e desconexo, não uma mera parte da história de Jesus como tal. Com sua ressurreição Jesus é as “primícias dos que adormeceram”. A palavra “primícias” não apenas designa a anterioridade cronológica em relação a outros, mas aponta para uma correlação e fundamentação interiores. Às “primícias” seguem-se necessariamente outras coisas. Por exemplo, as “primícias” são as primeiras espigas do grande campo a ser colhido, que assinalam o começo da própria colheita e por isso precisam ter por consequência a abundância das espigas restantes. Com isso Paulo se volta de maneira especial contra a ideia dos coríntios, que não negavam a ressurreição de Jesus em si, mas a consideravam uma exceção singular, sem relação com nosso próprio futuro na morte. Que Jesus, o Filho de Deus, tenha emergido do reino dos mortos com nova vitalidade e com novo corpo! Isso, no entanto, ainda não significava nada para os cristãos comuns, em cuja ressurreição não queriam crer! Paulo, porém, mostra que as “primícias” são apenas o começo de uma série que forçosamente lhes segue e que, por isso, a ressurreição de Jesus começa um movimento que se expande cada vez mais. Em consequência, esse acontecimento da manhã da Páscoa tem a ver diretamente com os coríntios (e nós!), incluindo a ressurreição deles mesmos (e a nossa!). Com a fé na ressurreição de Jesus eles ao mesmo tempo estão afirmando seu próprio futuro, sim, o futuro de toda a criação. É o que Paulo há de desdobrar diante de nós com sucinta densidade, mas também com ímpeto poderoso.

Para tanto precisamos, mais do que os coríntios, de uma mudança interior de nosso pensamento. Buscamos pelo “sistema”, pela exposição cabal, pelas respostas a todas as nossas perguntas e problemas. Paulo, porém, sabe que está limitado pelo que ele havia pessoalmente descrito em 1Co 13.9 como parcialidade característica de toda a profecia. Por isso Paulo não nos fornece detalhes na descrição subsequente, extremamente resumida, e não nos diz muitas das coisas que gostaríamos de saber. Exibe tão somente as grandes linhas da imagem do futuro, porém obviamente com toda a clareza e certeza. Evidentemente tudo aquilo que nós agora ainda não podemos saber não causa dificuldades a Paulo, não refutando nem depreciando o que se pode e se precisa afirmar acerca do futuro. É esse modo bíblico de pensar que nós precisamos reaprender completamente.386

Acima de tudo, porém, cabe-nos livrar-nos de nosso individualismo, a quem importa apenas a “bem-aventurança” de cada um. Paulo decididamente não fala disso no presente trecho. Paulo vê diante de si a humanidade em suas grandes correlações, que determinam a sorte de cada indivíduo. A primeira coisa que ele afirma acerca dessas correlações determinantes é que elas não se formam por intervenções externas artificiais da parte de Deus, mas que são criadas na própria humanidade “por um homem”. Isso vale também em relação à pergunta com que Paulo unicamente se ocupa na presente passagem, à fatalidade de que a humanidade é mortal, e ao rompimento dela por ocasião da ressurreição dos mortos. “Visto que a morte (veio) por um homem, também por um homem (vem) a ressurreição dos mortos.” “Por um homem” acontecem as grandes decisões. Em decorrência, essas pessoas são “primícias” que como seres humanos pertencem integralmente à humanidade, mas que ao mesmo tempo determinam o destino de incontáveis pessoas, para a morte ou para a vida, com poder contínuo. Por isso é tão importante que também Jesus seja “um homem” e como tal pertença totalmente à humanidade, porque unicamente assim consegue tornar-se “as primícias” dentro dela.


Na sequência Paulo mostra quem são os dois “homens” dos quais emanam efeitos tão poderosos. “Porque, assim como no Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados no Cristo” [tradução do autor]. Um dos homens é “o Adão”, ou seja, aquele que se chama expressamente de “Adão” (“ser humano”). O artigo definido evidencia que aqui não se menciona uma pessoa em particular, que tem esse nome apenas por acaso, mas a cabeça efetiva da humanidade, pela qual toda ela foi onerada com a inevitável morte. Por isso Paulo formula que “no Adão todos morrem”. E a ele se opõe “o Cristo”. Também ele é membro da humanidade. Contudo, como mostra seu título de Cristo, ele é integralmente a cabeça determinante e criadora que leva a vida para dentro da humanidade moribunda. “No Cristo todos serão vivificados.” Paulo não aborda aqui (como em Rm 5.12-21) a questão da culpa de Adão e a correspondente anulação da culpa por intermédio de Cristo como pressuposto da concessão da vida. Atém-se rigorosamente ao tema que agora lhe está colocado pela negação da ressurreição em Corinto.387 Tampouco seu olhar se volta agora ao fato de que a dependência da humanidade “do Adão” e “do Cristo” é essencialmente diferente e que, por consequência, a palavra “todos” nas duas metades da frase, apesar de sua igualdade formal, possui um conteúdo diferente. “No Adão” de fato morrem “todas” as pessoas sem exceção, porque todas, por natureza e sem exceção, estão “no Adão”, são filhos de Adão, “carne”. “No Cristo” obviamente também foi concedida a “todos” sem exceção a possibilidade de chegar à vida. Na realidade, porém, de forma alguma “todas” as pessoas estão “no Cristo”. Nele estão apenas todos aqueles que aceitaram a fé em Cristo e se tornaram propriedade de Jesus. Contudo “serão vivifivados no Cristo” no verdadeiro sentido.388 A palavra “ser vivificado” contém aquela expressão para “vida” (zoe) que por si só pode designar no NT, até mesmo sem a adição de “eterna”, a vida verdadeira, genuína, que não é refém da morte. Também os “perdidos” precisam “continuar vivendo” após sua morte física, porém essa vida “lá fora” (Ap 22.15) nas “trevas” (Mt 8.12; 22.13; 25.30), “banidos da face do Senhor e da glória de seu poder” (2Ts 1.9) não é verdadeira “vida”, e sim morte eterna.



Notas:
385 Esse mesmo “Agora, porém” é usado por Paulo para caracterizar a grande virada em Rm 3.21. Na carta aos Romanos, segundo a peculiaridade daquela missiva, a virada é da condenação para a justiça. Aqui, na sequência do presente capítulo, é a virada da morte para a vida. Ambas as formulações não apenas correm paralelas, mas estão profundamente interligadas. O “agora, porém” de 1Co 15.20 somente é possível porque está em vigor o “agora, porém” de Rm 3.21.

386 Justamente na escatologia muitas dificuldades e angústias se formam pelo fato de que queremos saber agora mais do que a palavra bíblica nos permite. Então tentamos preencher as lacunas com especulações próprias, fazendo apenas com que a própria base comece a oscilar. Cumpre-nos contentar-nos com aquilo que a palavra profética nos mostra. Isso na verdade é suficientemente rico e glorioso. É óbvio que precisamos apegar-nos a isso com toda a certeza, por mais que possa contradizer nosso pensamento natural e por mais perguntas que deixe em aberto.

387 No entanto, para o leitor é importante comparar o presente texto com a passagem de Rm 5.12-21. Ambos os trechos são paralelos e determinados pelo tema da carta em que estão inseridos. Rm 5.12-21 fala de pecado e graça, o que em vários aspectos o torna mais “profundo” que 1Co 15.20-28. Por outro lado, também se limita basicamente ao presente, ainda que a vida eterna seja mencionada como alvo do senhorio soberano da graça. O presente texto fala de morte e vida, fornecendo uma poderosa visão através do futuro até o alvo final.

388 Naturalmente também se poderia pensar que de fato “todas” as pessoas que morrem no Adão também ressuscitarão e terão de chegar perante o juízo do Cristo. Lá, porém, de forma alguma será concedida a vida a “todas”, mas a muitas será dada a “segunda morte” (cf. Ap 20.14s, mas também na presente carta a palavra acerca dos “perdidos” em 1Co 1.18 e do juízo sobre o mundo em 1Co 6.2 e 11.32). De maneira alguma se pode usar o presente v. 12 para fundamentar uma doutrina da “reconciliação universal”, independentemente de como entendermos o “ser vivificado pelo Cristo”.