Estudo sobre 1 Coríntios 15:7-9

Estudo sobre 1 Coríntios 15:7-9



“Depois, foi visto por Tiago.” Os evangelhos não relatam nada sobre esse reencontro entre Jesus e seu irmão Tiago. Não obstante, deve ter sido uma experiência arrasadora para Tiago, considerando sua posição anterior frente a Jesus (cf. Jo 7.3-5; Mc 3.21,31). Ao mesmo tempo o encontro teve consequências de longo alcance para a história da primeira igreja. Por fim Tiago se tornou o líder de fato em Jerusalém (cf. At 12.17; 15.13, confirmado por Gl 2.9). Ao acrescentar ainda “mais tarde, por todos os apóstolos”, Paulo evidentemente faz distinção entre o círculo maior dos emissários de Jesus e os “doze”, que significava para ele, porém, ao mesmo tempo uma grandeza determinada e delimitada. Uma igreja gentio-cristã como Corinto tinha conhecimento desse “todos os apóstolos” em sentido mais amplo, de modo que Paulo – infelizmente! – não tinha motivos para mencionar seu número e caracterizar o fundamento de sua vocação. Houve quem pensasse nos “setenta” (Lc 10.1). É notório que justamente Lucas, que estava ligado a Paulo, os mencione em seu evangelho. Porém, será que nesse caso Paulo não teria igualmente falado dos “setenta”, como um paralelo com os “doze”?


Para nós, pois, permanecem abertas muitas perguntas importantes. Não estamos em condições de reconstruir um quadro completo e inequívoco dos eventos da Páscoa. Uma das razões é que o primeiro cristianismo desconhecia essa necessidade tipicamente moderna de obter um quadro desses, nem aqui nem em outras situações.377 Isso é o indício da plena e poderosa certeza sobre a questão em si. Há abundância de testemunhos, e isso lhe basta. Contudo, no presente texto podemos ser especialmente gratos pela palavra de Paulo. Também em sentido “histórico” ela é muito valiosa. Aqui uma pessoa que se tornou cristã pouco tempo depois dos acontecimentos constata com o visível empenho pela exatidão as testemunhas principais do Ressuscitado.

Por fim, Paulo cita também a si mesmo como “testemunha da ressurreição” (At 1.22). “Afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus.” Se de fato for um verdadeiro “apóstolo”, Paulo também precisa constar do rol de testemunhas. Nisso, porém, ele é apenas algo como um “nascimento falho”378 ou “o aborto” de um apóstolo. Porque a tarefa de um apóstolo é a edificação fundamental da “igreja de Deus”. Paulo, porém, “perseguiu a igreja de Deus”, tentando aniquilá-la (Gl 1.13). Por isto ele era – de modo completamente diferente do que todos os demais “apóstolos” com todas as suas falhas – em si mesmo o exato oposto de um apóstolo. Ele não é “digno de ser chamado apóstolo”, e por consequência é “o menor dos apóstolos”.


Notas:
377 Basta ver apenas com que despreocupação um historiador como Lucas colocou lado a lado, num mesmo livro, os três relatos diferentes sobre a conversão de Paulo (At 9; 22; 26).

378 Ektroma não é o “nascido prematuro”, mas designa o embrião incapaz de viver, expelido por um aborto do ventre materno. É com essa acepção que o termo ocorre no texto grego lxx de Jó 3.16; Sl 58.8; Nm 12.12. A palavra, no entanto, também pode ser usada como palavrão, à semelhança de nossa expressão “aborto” quando significa “monstro de nascença”. O primeiro sentido da palavra é mais plausível, porque é confirmado por referências bíblicas. Saulo de Tarso, o perseguidor da igreja, a rigor nem era “capaz de viver” como apóstolo.