Estudo sobre 1 Coríntios 15:27-28

1 Coríntios 15:27-28


Por essa razão Paulo enfatiza justamente no presente local, com palavras do Sl 8.6: “Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés.” Todo o território inimigo tornou-se irrestritamente a propriedade do Rei Jesus. Agora o espaço está livre para um novo mundo, um mundo sem Satanás e pecado e por isso também sem morte e sofrimento, um mundo em que o tabernáculo de Deus pode permanecer entre seus seres humanos (Ap 21.3s). Porém Paulo não traz nada de uma descrição dessas. Ele fixa o seu e o nosso olhar unicamente no próprio Deus. Para isso Paulo recorre ao termo “sujeitar”, que designa fundamentalmente o alvo que Deus havia visado de antemão. Tudo deve ficar subordinado ao Filho amado. “Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés.” Esse alvo será atingido um dia porque o Deus onipotente quer que seja alcançado. Tudo está subordinado a Jesus. Cada joelho se dobra diante dele, e toda língua confessa que Jesus Cristo é o Senhor, para a honra de Deus, o Pai (Fp 2.11). Como será, portanto? Será que o Filho se deleita nesse triunfo de seu senhorio? Será que agora apesar de tudo considera uma usurpação ser igual a Deus? Acaso está preservando com boas razões o domínio que o próprio Pai lhe deu? Não! “Tudo” que Deus colocou sob os pés de Jesus não inclui o próprio Deus vivo. “E, quando diz que todas as coisas (lhe) estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe subordinou.”

Em seguida Jesus se mostra integralmente como o “Filho”, cujo coração está cheio de apenas uma coisa: “Pai, teu nome… teu reino… tua vontade.” Agora esse ardente amor do Filho pelo Pai realiza seu mais elevado e extremo ato de amor: “Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (ou: em tudo).”

Agora fica definitivamente claro que a sujeição a Deus não é perda, limitação ou mesmo “vergonha”. Esse pensamento somente podia ser obra da peçonha satânica em nosso sangue. Não, para o Filho é prazer e honra, vida e felicidade eterna estar sujeito ao Pai com tudo o que Deus lhe havia concedido. No entanto, também a criação e humanidade renovadas e purificadas têm seu prazer e sua vida verdadeira no fato de que “Deus é tudo em tudo”.395 Toda a sua “vaidade”, toda a sua aflição e toda a sua perdição se originaram quando se afastou de Deus. Agora, porém, a criação reflete em tudo com límpida clareza a glória de Deus. Agora chegou ao alvo a prece pela santificação do nome de Deus. Em tudo o que existe e vive o nome de Deus pode ser lido com clareza. Toda a criação passa a exaltar exclusivamente o nome dele. Não existe mais uma busca por Deus. Cumpriu-se a prece pela vinda do reino. Deus governa em todos os lugares, concretizando assim a terceira prece, que sua vontade aconteça na terra como acontece no céu. A vontade de Deus acontece sistematicamente em todo o universo, e por isso agora tudo está bem.


Onde, porém, ficou a “minha bem-aventurança”? Ela está encerrada nesse “Deus tudo em tudo”. A salvação estará garantida para mim quando o Espírito do Filho habitar em meu coração e eu me tornar por meio dele uma pessoa verdadeiramente redimida, cujos anseios, como os do Filho, têm por alvo a soberania do Pai, e que como Filho considera a sujeição a Deus como o sentido e o deleite de sua vida.

Não obstante, será que, apesar de tudo, esse final aponta para uma “reconciliação universal”? “Deus tudo em tudo” – haverá ainda espaço para qualquer coisa além de Deus? Mas Paulo não falou de uma conquista finita de “todo o principado, potestade e poder” para Deus, mas de seu aniquilamento. E até mesmo ao ser aniquilada ele ainda cita a morte expressamente como o “último inimigo”. Paulo não nos informa nada sobre onde esses inimigos se encontram agora, que aspecto tem sua existência. E não nos cabe querer saber mais do que nos é dado na palavra. Muito menos Paulo nos descreve nessas frases extremamente sucintas algo sobre o destino das pessoas que não chegaram à fé em Jesus. No entanto, com isso ele não revoga que os santos julgarão o mundo (1Co 6.2) e que o último juízo da ira de Deus é terrivelmente sério (Rm 2.5; 5.9; 1Ts 1.10). Todas as doutrinas singulares e heresias surgem sempre daquele abuso da Escritura que retira dela referências isoladas e as ajusta a um sistema, sem levar em conta a plenitude de afirmações diferentes.396 Nosso objetivo é ouvir e absorver todo o presente trecho em sua magnitude plena e com toda a sua riqueza, assim como ele nos foi dado no Espírito Santo por intermédio de Paulo. Haveremos de levar uma vida cristã vigorosa, clara e determinada, se permanecermos em suas poderosas linhas. Ele nos mostra o que significa sermos “renascidos para uma viva esperança pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” e por isso estar desde já no meio da morte e do sofrimento com fé na “indizível e gloriosa alegria” (1Pe 1.3,8). Seremos agradecidos na medida em que outros textos da Escritura forem capazes de responder as perguntas que Paulo deixa em aberto. No entanto, todas as questões específicas hão de perder o interesse falso para nós na medida em que nós mesmos aprendermos a orar as três primeiras preces do Pai Nosso no espírito filial de Jesus.


Notas:
395 Para nós é inconcebível que então não haverá nenhum “interesse”, nenhum sentimento, nenhum pensamento, nenhuma palavra, nenhum louvor que não se dirijam a esse único, nosso Deus.

396 Não apenas diante do diabo, mas também diante das tendências de nosso próprio coração temos muita necessidade do “também está escrito” de Mt 4.