Estudo sobre Filipenses 3

Estudo sobre Filipenses 3

Estudo sobre Filipenses 3


IV. DIGRESSÃO DE ADVERTÊNCIA (3.1-21)
Esse capítulo é de especial importância porque revela a motivação que dominou a vida de Paulo. Enquanto está advertindo vigorosamente quanto a falsos mestres que afastavam do caminho os seus seguidores, ele faz um retrato de si mesmo como de um atleta numa corrida, correndo com os seus olhos fixos em um alvo. Uma comparação entre os caps. 2 e 3 dá a confirmação da integridade da carta como sendo um documento não fragmentado e que vem da mão de Paulo. Um trata da descida de Cristo, e o outro, do chamado para o alto; um mostra como Cristo deixou a glória celestial para ganhar pessoas como Paulo, e o outro, como Paulo deixou de lado a glória terrena para ganhar Cristo; um mostra Cristo tomando a forma de servo, sendo feito à semelhança de homem, e o outro, como o corpo do crente vai ser conformado ao corpo da glória do Senhor.

1) Advertência contra os judaizantes (3.1-3)
v. 1. Finalmente, meus irmãos, alegrem-se no Senhor!'. em relação a todos os outros assuntos {to loipon), ele ordena aos seus leitores que os enfrentem com a força que somente a alegria no Senhor pode dar (v. Ne 8.10). Isso prepara para o conselho severo do v. 2. “‘Alegrem-se no Senhor’ é evidentemente colocado aqui de forma enfática, com referência direta à advertência que segue” (Alford, Gk. Test. in loc.). Escrever-lhes de novo as mesmas coisas', ficar insistindo na mesma lição da alegria no Senhor, algo tão básico para essa carta, não encontra relutância alguma em Paulo e serve para a segurança deles, o que significa mais um elemento no preparo para o v. 2. Os três termos de desprezo: cães [...] que praticam o mal [...] falsa circuncisão (v. 2) se referem a uma e à mesma classe de pessoas, os judaizantes, que seguiram Paulo de forma impiedosa a todos os lugares e que tentavam deturpar o evangelho de Cristo (G1 1.7). cães: o epíteto para os gentios, é usado contra esses falsos mestres, que na verdade são como animais que se alimentam de carniça. Eles são homens que praticam o mal, na motivação, na doutrina e nos resultados, pois tudo que nega a suficiência da obra de Cristo é mau. Eles são a concisão (katatomé, “mutilação”, i.e., mutiladores, em contraste irônico peritomê, a verdadeira circuncisão como no v. 3), pois eles não sabem nada daquela circuncisão que é a do coração (Rm 2.29). Acerca da intensidade dos termos usados, cf. Mt 3.7; 23.27. Longe de desonrar a circuncisão, somente cumprem o seu verdadeiro significado aqueles que adoram pelo Espírito de Deus e aqueles que se gloriam em Cristo Jesus (cf. 1.26; Rm 5.11; ICo 1.31; 2Co 10.17; G1 6.14) e que não têm confiança alguma na carne, a vida autocentrada. Eles, de fato, têm confiança, mas somente em Jesus Cristo.

2)    Paulo: passado e presente (3.4-17)
Paulo, porém, não escreve como alguém que despreza o que ele nunca conheceu. Ao contrário, ele excedia todos os seus críticos tanto em privilégios de nascimento e de criação quanto de comportamento, circuncidado no oitavo dia, portanto não era prosélito; pertencente ao povo de Israel, o povo da aliança; da tribo de Benjamim (cf. Rm 11.2), daí talvez o seu nome Saulo (cf. At 13.21), de uma tribo que permaneceu leal à tribo de Davi quando dez tribos se separaram; verdadeiro hebreu, o filho que falava aramaico, de pais que falavam aramaico, e, portanto, nenhum helenista (cf. 2Co 11.22); quanto à Lei, fariseu, membro de uma seita judaica muito rígida (cf. At 26.5); quanto ao zelo, perseguidor da igreja, mostrando zelo por Deus, embora enganado (Rm 10.2; G1 1.13,14); quanto à justiça que há na Lei, irrepreensível, sem acusação de homens (At 23.1; Mc 10.20). Todos esses lucros (observe “coisas”, plural, no v. 8; como se nos primeiros dias ele tivesse se regalado com uma coisa de cada vez) ele contou como perda (zêmia, singular, e tudo foi juntado em uma coisa só, não só inútil, mas prejudicial), vendo a verdadeira natureza dessas coisas no fato de que com um passado desses ele havia sido alguém que odiou a Cristo. Eu as considero, i.e., continuo considerando, depois de todas as experiências dos anos, como perda (v. 8). Isso é assim por causa de Cristo, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, a partir de então a ambição mais preciosa de Paulo (cf. v. 10).
De fato, esses lucros passados ele agora considera como esterco (skybalon). v. 8. para poder ganhar a Cristo: foi a sua escolha na conversão; continua sendo a sua escolha. Cristo é o seu verdadeiro lucro aqui e depois (cf. 1.21). v. 9. e ser encontrado nele. na sua união de fé com Cristo, na sua constante experiência e satisfação da sua união e (final e especialmente) no dia de Cristo. Isso significa não possuir autojustiça com base no cumprimento da lei, mas a justiça que procede de Deus e se baseia na fé. v. 10. Quero conhecer a Cristo'. pessoalmente, por meio de experiências constantemente enriquecedoras, até o dia em que ele vai conhecer como ele mesmo é conhecido (ICo 13.12; cf. Êx 33.13: “para que eu te conheça”). Cristo é a atração suprema de Paulo, e para que alguém o conheça precisa conhecer também o poder da sua ressurreição, “o poder da vida ressurreta do Salvador realizado na vida e no serviço diários de Paulo” (F. Davidson, NBC, p. 1.034), participando em seus sofrimentos, aquela comunhão sagrada que Paulo experimentou com o Cristo sofredor nas suas próprias aflições por causa do evangelho (cf. Cl 1.24), tomando-me como ele em sua morte, numa identificação com Jesus na morte dele que ajusta todas as coisas às suas reivindicações (cf. 2Co 4.10,11). Além disso, visto que essa conformidade (symmorphizomenos) é concernente à morphê, a forma essencial como em 2.6, ele não considera isso estranho, mas adequado à sua vida e posição em Cristo, v. 11. para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos: isso não está relacionado somente à segunda vinda de Cristo e à ressurreição física, pois a parte de Paulo na bênção daquilo não é uma questão de obtenção por mérito, mas de graça. A segunda vinda e as conseqüências dela para o corpo são mencionadas em 3.21. O v. 11 leva ao clímax os anseios do v. 10, e todos estão relacionados à experiência presente. Como conseqüência lógica — e a única satisfatória — da participação nos sofrimentos de Cristo e na conformidade com sua morte, ele busca, agora, ainda no corpo presente, viver como homem vitorioso e ressurreto. A idéia é semelhante à de 2Co 4.10: “para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo”.
Esse é o seu desejo, mas ele reconhece humildemente que não atingiu o alvo na experiência presente, muito menos na consumação na glória, v. 12. Não que eu já [...] tenha sido aperfeiçoado-, é o resultado no seu caráter de obter o que colocou como alvo; ele prossegue para conquistar aquilo para o que foi conquistado por Cristo Jesus. Na conversão, Cristo o havia colocado na corrida rumo ao céu com o propósito exato de ganhar o seu prêmio. Isso não está ainda ao seu alcance, v. 13. uma coisa faço, com absoluta determinação: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás, não de forma presunçosa por causa da vitória, nem desanimado por causa de falhas, e avançando para as que estão adiante, assim como o atleta concentra todos os seus esforços em uma tarefa, prossigo (diõkõ, como no v. 6, o zelo antes usado para a perseguição agora transformado e movendo-o para ações mais nobres) para o alvo, a linha de chegada da corrida em que Cristo está esperando para dar a recompensa, o prêmio do chamado celestial (v. 14). À luz do contexto, é difícil supor que esse prêmio seja algo menos do que o próprio Cristo (cf. v. 8). v. 15. Todos nós que alcançamos a maturidade no reconhecimento dos propósitos de Cristo devemos ter essa atitude, a de prosseguir sempre adiante. Se alguns ainda não percebem a necessidade de sempre prosseguirem adiante, Paulo tem certeza de que Deus vai mostrar isso a essas pessoas, v. 16. Tão-somente vivamos de acordo...-, ou, andemos no mesmo caminho (stoikeõ, ser puxado para ficar alinhado, i.e., ombro a ombro). Nessa corrida, não há individualismo egoísta. Ninguém ganha à custa de outra pessoa, para prejuízo de outra pessoa. O amor de Paulo insta os seus leitores a correrem com ele e com ele receberem a coroa da vitória.

3) Advertência quanto aos libertinos (3.18,19)
E bom que os filipenses voltem os seus olhos para exemplos como o de Paulo, pois com lágrimas ele os adverte que há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo (v. 18). Aqui não é uma referência a um ensino falso, como no v. 2, mas à vida falsa; libertinos, e não judaizantes, estão em foco agora. Esses inimigos reivindicam os benefícios da cruz, mas negam o poder dela em sua vida. O destino deles é a perdição, a condenação eterna, como em 1.28. Eles adoram os seus apetites sensuais e se gloriam na entrega grosseira a desejos indecentes que eles chamam de liberdade, mas que na verdade é algo vergonhoso (cf. Rm 16.18). Longe de terem a mente de Cristo, eles só pensam nas coisas terrenas. Fingindo-se nos céus, rastejam na corrupção da terra.

4) O verdadeiro lar e a verdadeira esperança do cristão (3.20,21)
Em contraste acentuado com isso, o crente olha para o que é invisível e eterno, e coloca a sua mente em coisas que são do alto, e não em coisas que são da terra (Cl 3.2). v. 20. A nossa cidadania (politeuma, a esfera da nossa cidadania, a nossa “cidade lar”, H. C. G. Moule), porém, está nos cêus, uma formulação que seria especialmente apreciada pelos filipenses em vista do seu status de colônia romana (cf. a versão de Moffatt, “somos uma colônia do céu”), de onde esperamos ansiosamente o Salvador, ou, esperamos como Salvador, cuja segunda vinda é a nossa constante esperança, para nos trazer o último estágio da nossa salvação, o Senhor Jesus Cristo. Longe de abandonar-nos aos desejos do corpo, ou até de desprezar o corpo, devemos respeitá-lo na sua presente humilhação, pois ele transformará os nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes (symmorphos, conformado a, como no v. 10, e não uma mera feição exterior) ao seu corpo glorioso', ARA: “ao corpo da sua glória” (cf. a expressão idiomática heb. “o corpo da sua carne”, vertida literalmente para o grego com referência a Cristo em Cl 1.27), aqui em contraste com “o nosso corpo de humilhação” (ARA). Esse é o clímax de todos os anseios de Paulo, que vão ser realizados por meio do poder de Cristo de colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, e assim conduzir o Universo à completa harmonia com os seus propósitos santos e amorosos. Então todas as limitações e todas as falhas pertencerão ao passado, e no corpo glorificado Paulo vai se alegrar na liberdade da habilidade de conhecer Cristo, excedendo os anseios mais elevados da caminhada aqui.