Significado de Ezequiel 17
Ezequiel 17
Ezequiel 17 é uma das parábolas mais elaboradas e alegóricas do profeta, estruturada em duas seções principais: a enigmática parábola das duas águias e da videira (vv. 1–10), seguida por sua interpretação histórico-teológica (vv. 11–21), culminando com uma profecia messiânica e escatológica de esperança (vv. 22–24). A narrativa se desloca do simbolismo vegetal de Ezequiel 15 e do erotismo teológico de Ezequiel 16 para uma construção alegórica de forte densidade política e espiritual. A figura das águias representa potências imperiais (Babilônia e Egito), enquanto a videira simboliza o reino de Judá sob o último rei, Zedequias. A infidelidade à aliança, tanto com Deus quanto com Nabucodonosor, é o eixo da acusação. Ezequiel denuncia não apenas a idolatria, mas a traição diplomática e política como violação de uma ordem providencial imposta por Deus.
O capítulo, portanto, vai além da denúncia ética e moral: apresenta uma teologia da soberania divina na geopolítica. O pacto feito com Nabucodonosor não era apenas político, mas uma extensão da disciplina divina sobre Judá. Ao quebrar esse pacto e buscar ajuda do Egito, Zedequias não apenas cometeu imprudência política, mas transgrediu a vontade de Deus. Assim, a quebra do juramento torna-se símbolo da quebra da aliança, e o castigo é inevitável. Mas o capítulo não termina no tom sombrio da destruição: ele se fecha com um oráculo messiânico sobre um “renovo tenro” plantado por Deus, que crescerá e se tornará uma árvore majestosa. O contraste com a videira rasteira da primeira parte é radical: do juízo pela infidelidade à restauração soberana e graciosa do próprio Deus.
Estrutura e Estilo Literário
O capítulo se organiza em três movimentos bem definidos:
(1) A parábola das duas águias e da videira (vv. 1–10): uma narrativa enigmática, rica em imagens zoológicas e botânicas, onde uma águia poderosa leva um ramo do topo do cedro e o planta em terra fértil. Uma segunda águia aparece, e a videira, em vez de se fixar à primeira, volta-se para a segunda. A parábola é elaborada com elementos poéticos, ritmo narrativo e perguntas retóricas. A linguagem é densa e altamente simbólica, exigindo interpretação inspirada.
(2) A interpretação profética da parábola (vv. 11–21): Ezequiel decifra os símbolos. A primeira águia é Nabucodonosor, que levou Jeoaquim e plantou Zedequias como rei submisso. A videira é Judá, que, ao invés de permanecer fiel, busca apoio do Egito, violando o pacto. O juízo é inevitável: Jerusalém será destruída, e o rei traidor morrerá no exílio. Esta seção é escrita com tom judicial, reforçando a ideia de que a infidelidade política é transgressão teológica.
(3) A promessa escatológica do renovo (vv. 22–24): Deus toma a iniciativa de plantar um “renovo do alto cedro” sobre um monte elevado, e este crescerá, frutificará e abrigará aves de toda sorte. Essa reversão messiânica ecoa Isaías 11 e antecipa o reino universal do servo do Senhor. A linguagem se torna mais lírica, profética e restauradora. O tema do renovo se converte em símbolo da soberania divina sobre a história.
O estilo de Ezequiel 17 mescla alegoria, oráculo e poesia. A alternância entre imagens vegetais e animais amplia o alcance interpretativo do texto. O hebraico aqui é mais técnico, com termos raros e complexos, e a construção do discurso exige do leitor atenção redobrada para as transições entre símbolo e realidade. O uso da parábola serve não apenas como recurso pedagógico, mas como juízo criptografado — que exige revelação divina para sua decodificação, algo que o próprio Ezequiel fornece.
Hebraico e a LXX
O texto hebraico de Ezequiel 17, conforme fixado na Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) e Biblia Hebraica Quinta (BHQ), apresenta vocabulário técnico botânico e zoológico, além de construções sintáticas pouco usuais que reforçam o tom enigmático da parábola. Logo no v. 3, a primeira águia é descrita como הַנֶּשֶׁר הַגָּדוֹל בַּכְּנָפַיִם אֶרֶךְ הָאוֹפֶרֶת (ha-néšer ha-gādôl ba-khnāfayim ʼérekh hā-ʾôferet, “a grande águia, de asas grandes, de plumagem longa”), descrição construída com superlativos e encadeamentos nominais. A imagem é cuidadosamente elaborada para evocar poder imperial. A LXX traduz com ἀετὸς μέγας πτερύγων μεγάλων, (aetòs mégas pterýgōn megálōn) “uma águia grande de asas grandes”, mantendo o paralelismo e a ênfase na imponência.
No v. 5, o gesto da águia de plantar o ramo é descrito com detalhes agrícolas: וַיִּקַּח מִזֶּרַע הָאָרֶץ וַיִּתֵּן אוֹתוֹ בִּשְׂדֵה זָרַע... אֵצֶל מַיִם שָׂמֹהוּ — (wa-yiqqaḥ mi-zzeraʿ hā-ʾāreṣ wa-yittēn ʾôtô bi-śdēh zāraʿ... ʾēṣel mayim śāmōhû) “e tomou da semente da terra e o pôs em campo de semente... junto às águas o plantou.” A LXX verte com ἔλαβεν ἀπὸ τοῦ σπέρματος τῆς γῆς καὶ ἔδωκεν αὐτὸ εἰς γῆν σπέρματος... πλησίον ὕδατος (élaben apò toû spérmatos tês gês kaì édōken autò eis gên spérmatos... plēsíon hýdatos), uma tradução relativamente literal, mas que perde o jogo de sons e o ritmo poético do hebraico.
No v. 7, a segunda águia aparece com a expressão וְהִנֵּה נֶשֶׁר אֶחָד גָּדוֹל גָּדוֹל — (wə-hinnēh néšer ʼeḥāḏ gāḏôl gāḏôl) “e eis outra águia, grande, muito grande”, cuja repetição do adjetivo גָּדוֹל (gādôl) é intensificadora. A LXX traduz com καὶ ἰδοὺ ἀετὸς ἕτερος μέγας μέγας (kaì idoú aetòs héteros mégas mégas), igualmente duplicando o adjetivo μέγας, o que indica fidelidade ao paralelismo enfático do TM.
A quebra do pacto é denunciada no v. 15 com o verbo מָרַד (mārad, “rebelar-se”), e no v. 16, Deus afirma com veemência: חַי־אָֽנִי... אִם־לֹא בִּמְקוֹמוֹ בָּבֶל יָמוּת — (ḥay-ʾānî... ʼim-lōʾ bi-mqômô bāvel yāmût) “Tão certo como eu vivo... certamente morrerá no lugar onde está, em Babilônia.” A fórmula juramentária חַי־אָנִי é uma expressão divina rara e solene, indicando a irrevogabilidade da sentença. A LXX traduz com ζῶ ἐγώ, uma fórmula juramentária recorrente no grego veterotestamentário.
A seção final (vv. 22–24) contrasta com todo o tom anterior. O verbo אֶקַּח (ʾeqqaḥ, “eu tomarei”) no v. 22 retoma a iniciativa divina, e a expressão מִרֹאשׁ אֶרֶז רָמָה (mirōʾš ʾerez rāmāh, “do topo do alto cedro”) introduz uma nova plantação, agora feita por Deus. A LXX, com λήψομαι ἐγὼ ἐκ κεφαλῆς τοῦ κέδρου τοῦ ὑψηλοῦ (lḗpsomai egṑ ek kephalês toû kédrou toû hypsēloû), acentua o tom régio e escatológico da imagem. O crescimento da árvore é descrito com verbos de abundância e estabilidade, culminando na afirmação teológica: וְיָדְעוּ כָּל־עֲצֵי הַשָּׂדֶה כִּי־אֲנִי יְהוָה — (wə-yāḏəʿû kol-ʿăṣēy haśśāḏeh kî-ʾănî Yahweh) “e saberão todas as árvores do campo que eu sou o Senhor.” A LXX preserva esse reconhecimento universal com καὶ γνώσονται πάντα τὰ ξύλα τοῦ πεδίου ὅτι ἐγώ εἰμι Κύριος (kaì gnṓsontai pánta tà xýla toû pedíou hóti egṓ eimi Kýrios), unificando a metáfora cósmica com a teologia do reconhecimento da soberania divina.
Versículo-Chave
Ezequiel 17:22 – “Assim diz o Senhor Deus: Eu mesmo tomarei um ramo do alto do cedro e o plantarei; do mais alto de seus ramos tenros o colherei e o plantarei num monte alto e sublime.”
Este versículo marca a virada do juízo à esperança. Depois de uma longa exposição alegórica sobre a quebra da aliança e o consequente juízo sobre Zedequias e Jerusalém, Deus toma a iniciativa soberana de replantar a história. O sujeito é o próprio Deus — אָנִי יְהוָה (ʾănî YHWH) —, o que sublinha que a restauração não virá por força humana, mas por intervenção divina. A escolha de um “ramo tenro” (קָצוּר צַעִיר, qāṣûr ṣaʿîr) do “alto do cedro” introduz a figura messiânica: uma nova liderança, humilde na origem, mas elevada em destino. A imagem do plantio em “monte alto e sublime” antecipa o Monte Sião como lugar escatológico, onde Deus firmará sua nova plantação. Trata-se de um contraponto direto ao fracasso do primeiro plantio sob as duas águias: agora, a árvore será estabelecida por Deus e jamais será arrancada. Este versículo encapsula a esperança escatológica do livro e o princípio de que a restauração depende inteiramente da graça e ação soberana do Senhor.
Intertextualidade com o Antigo e o Novo Testamento
Ezequiel 17 se insere numa longa tradição de parábolas proféticas que usam imagens vegetais e zoológicas para representar realidades espirituais e políticas. A imagem da águia como potência imperial já está presente em Deuteronômio 28:49 (“uma nação, como águia veloz”), bem como em Jeremias 48:40 e 49:22, aplicadas a Babilônia. O uso da videira e do cedro como símbolos de Israel e de seu rei remonta ao Salmo 80, onde Israel é a videira transplantada do Egito, e ao Salmo 92, onde o justo é como o cedro do Líbano. O episódio de Zedequias e sua traição ao pacto com Nabucodonosor está registrado também em 2 Reis 24:17–20 e 2 Crônicas 36:13, que confirmam que ele “se rebelou, apesar de ter jurado por Deus”.
A profecia escatológica dos vv. 22–24 ecoa Isaías 11:1–9, onde “um rebento brotará do tronco de Jessé”. O paralelo é direto: em ambos os casos, o “renovo” cresce do que parecia cortado, é plantado por Deus, e produz sombra e fruto. O “monte alto e sublime” como local de plantação remete a Isaías 2:2 e Miqueias 4:1, onde o monte da casa do Senhor será exaltado acima de todos. A árvore escatológica do v. 23, com ramos extensos e aves aninhadas, conecta-se com Daniel 4:10–12, onde o império de Nabucodonosor é comparado a uma árvore que abriga os povos — mas aqui o domínio é justo, duradouro e divinamente estabelecido.
No Novo Testamento, a parábola do grão de mostarda (Mateus 13:31–32; Marcos 4:30–32; Lucas 13:18–19) retoma explicitamente Ezequiel 17:23. Jesus diz que o reino de Deus é como uma semente pequena que cresce até se tornar árvore, onde as aves do céu fazem ninhos. O eco de Ezequiel é inconfundível: o reino começa pequeno, mas é o próprio Deus quem o planta e o faz crescer, abrigando os povos. A associação das “aves” com os gentios e a universalidade da bênção messiânica é uma expansão cristológica do oráculo de Ezequiel.
Além disso, a linguagem de plantio e crescimento é retomada em 1 Coríntios 3:6–9 (“Eu plantei, Apolo regou...”), onde o crescimento é atribuído unicamente a Deus. O juízo sobre Zedequias é lembrado implicitamente em Hebreus 6:4–8, onde aqueles que rejeitam a aliança “crucificam de novo o Filho de Deus” e são comparados a terra que produz espinhos — novamente o tema da infidelidade que anula a fecundidade. A soberania divina sobre os reinos e a substituição dos reinos humanos por um reino eterno estabelecido por Deus também é tema central de Apocalipse 11:15 (“O reino do mundo se tornou do nosso Senhor e do seu Cristo...”).
Lição Teológica Geral
Ezequiel 17 ensina que Deus é soberano não apenas sobre os destinos individuais, mas também sobre as estruturas políticas e geopolíticas da história. O pacto com Nabucodonosor, embora político, era expressão da vontade divina, e a traição de Zedequias não foi apenas um erro estratégico, mas uma transgressão espiritual — a quebra de uma aliança permitida e supervisionada por Deus. O texto redefine a fidelidade à aliança não como apego a formas religiosas, mas como submissão à disciplina de Deus nos meios históricos concretos que Ele dispõe. Essa lição é extremamente relevante para qualquer teologia que pretenda dissociar fé de responsabilidade histórica.
Ao mesmo tempo, o capítulo ensina que a restauração e o verdadeiro reino vêm de Deus, não dos esforços humanos. A nova árvore não será plantada por águias imperiais, mas pelo próprio Senhor. A iniciativa é divina, a escolha é graciosa, e o crescimento é garantido. O renovo do cedro remete ao Messias davídico — humilde na origem, glorioso no destino. A árvore que cresce e abriga aves representa a expansão do reino de Deus para além das fronteiras de Israel, antecipando a inclusão dos gentios e o surgimento de um povo universal sob a sombra da justiça divina.
Teologicamente, o capítulo desenha o ciclo completo da queda e da restauração: infidelidade, juízo, esperança messiânica. A fidelidade política é retratada como extensão da fidelidade espiritual; a traição é punida com precisão ética; mas a última palavra pertence à graça. Deus planta de novo, e a nova plantação não será arrancada. O reino virá, não pelas alianças humanas, mas pela intervenção divina — e todos saberão que “Eu sou o Senhor.”
Comentário de Ezequiel 17
Parábola das Duas Águias (Ezequiel 17:1–10)
Ezequiel 17:1 E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: (Mais uma vez, Ezequiel não fala por si. A palavra que ele traz não nasce da observação humana, mas é revelada do alto. Deus continua falando com seu profeta no exílio, enquanto Jerusalém caminha para a destruição.)
Ezequiel 17:2 Filho do homem, propõe um enigma, e profere uma parábola para a casa de Israel; (Aqui Deus ordena que Ezequiel use uma linguagem simbólica. “Enigma” e “parábola” — em hebraico, respectivamente, ḥidáh e mashal — eram formas comuns de expressão na literatura de sabedoria e política da época, inclusive em disputas entre reis. O objetivo é provocar o povo à reflexão. Uma linguagem simbólica que exige discernimento espiritual.)
Ezequiel 17:3 E dize: Assim diz o Senhor Deus: Uma grande águia, de grandes asas (representa Nabucodonosor, rei da Babilônia, cujo domínio era vasto como as asas de uma águia), de compridos membros (isto é, suas penas compridas — símbolo de força e alcance), cheia de penas de várias cores (representa a diversidade dos povos sob seu domínio), veio ao Líbano (o Líbano aqui é figura de Jerusalém, cidade adornada com madeira de cedro, especialmente no palácio e no templo), e tomou o mais alto ramo do cedro; (Esse “mais alto ramo” representa o rei Joaquim, descendente de Davi, tirado do trono e levado para o exílio. A casa de Davi é o “cedro”. Nabucodonosor derrubou a realeza davídica ao deportar Joaquim.)
Ezequiel 17:4 E arrancou a ponta mais alta dos seus ramos (ou seja, os príncipes e nobres de Judá), e a levou para uma terra de mercancia (isto é, a Babilônia, conhecida por seu comércio — veja Isaías 23:8), e a pôs numa cidade de negociantes. (A Babilônia era uma metrópole comercial. Aqui a política e o comércio se unem para mostrar que o destino do povo estava sob domínio babilônico. Veja 2 Reis 24:10-16.)
Ezequiel 17:5 Tomou também da semente da terra (isto é, alguém do povo da terra, Zedequias, tio de Joaquim), e a plantou num campo fértil (Deus o permitiu reinar sob condições de paz, se obedecesse), e a pôs junto às muitas águas, como um salgueiro. (Zedequias foi nomeado rei em Judá por Nabucodonosor. A imagem do “salgueiro” plantado junto às águas mostra que ele teve oportunidade de prosperar — se fosse fiel à aliança.)
Ezequiel 17:6 E brotou, e se tornou numa videira muito larga, de pouca altura (era uma nação dependente, pequena em poder, mas com chance de florescer sob a proteção babilônica), virada para aquela águia, e as suas raízes estavam debaixo dela; assim se tornou em videira, e produziu ramos, e lançou renovos. (Zedequias começou a governar sob submissão à Babilônia. A videira aqui é figura da casa de Judá sob um governo vassalo. Se houvesse fidelidade, haveria paz.)
Ezequiel 17:7 Houve também outra grande águia, com grandes asas, e muitas penas (essa outra águia representa o Egito, para quem Zedequias voltou seus olhos em busca de aliança); e eis que esta videira voltou para ela as suas raízes, e estendeu para ela os seus ramos (isto é, em vez de manter fidelidade à Babilônia, Zedequias buscou apoio político do Egito), para que a regasse desde os canteiros do seu plantio. (Zedequias quebrou o pacto com Nabucodonosor e buscou apoio egípcio para se rebelar. Era uma traição política, mas também uma infidelidade espiritual, pois ele havia jurado pelo nome do Senhor. Veja 2 Crônicas 36:13.)
Ezequiel 17:8 Num campo bom, junto a muitas águas foi plantada, para produzir ramos, e para dar fruto, para que se fizesse videira excelente. (Ou seja, Deus havia lhe dado condições para governar bem, mesmo como vassalo. Se Zedequias fosse fiel, a “videira” daria fruto, haveria estabilidade, e Judá ainda teria sua dignidade sob domínio estrangeiro.)
Ezequiel 17:9 Dize: Assim diz o Senhor Deus: Prosperará? Porventura não arrancará as suas raízes, e não cortará o seu fruto, para que se seque toda a sua folha nova? E ela se secará; não será com grande braço, nem com muito povo que a arrancará pelas raízes. (Deus faz uma pergunta que responde a si mesma. A rebelião contra Nabucodonosor não prosperará. E Deus mesmo anuncia o juízo: a planta será arrancada, cortada, ressecada. Não será preciso um grande exército — bastará a ação justa do Senhor.)
Ezequiel 17:10 Eis que estando plantada, prosperará? Porventura não se secará totalmente, quando o vento oriental a tocar? Secar-se-á nos canteiros do seu crescimento. (O “vento oriental” representa o exército babilônico vindo do leste. A imagem é clara: a videira de Judá, que poderia ter vivido, será queimada, ressecada, porque buscou raízes no lugar errado — no Egito. Veja Jeremias 37:5-10.)
Explicação da Parábola (Ezequiel 17:11–21)
Ezequiel 17:11 Então veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: (Aqui se inicia a interpretação divina da parábola contada anteriormente. É Deus quem vai explicar o enigma, para que o povo entenda que o que está em jogo não é apenas política, mas fidelidade ao próprio Senhor.)
Ezequiel 17:12 Dize, pois, à casa rebelde: (i.e, Israel) Porventura não sabeis o que significam estas coisas?(i.e, tudo que ele vem dizendo até aqui) Dize: Eis que veio o rei de Babilônia a Jerusalém, e tomou o seu rei e os seus príncipes, e os levou consigo a Babilônia. (O Senhor agora retira o véu da alegoria: a primeira águia era de fato Nabucodonosor, que levou o rei Joaquim e os nobres cativos. Veja 2 Reis 24:10-16. O povo é chamado de “casa rebelde”, pois resistem ao entendimento espiritual das coisas.)
Ezequiel 17:13 E tomou da descendência real, e fez com ele aliança, e o pôs sob juramento; e tomou os poderosos da terra; (Aqui está Zedequias, o tio de Joaquim, nomeado por Nabucodonosor como rei vassalo. Ele jurou lealdade sob aliança solene, um juramento que implicava compromisso diante de Deus. Não era apenas uma aliança política — era também moral e espiritual.)
Ezequiel 17:14 Para que o reino ficasse humilhado, e não se levantasse, guardando a sua aliança para cumprir. (A intenção era evitar rebeliões. Zedequias tinha um papel modesto, mas estável. Se guardasse o pacto, Judá continuaria existindo, mesmo subjugada. A “humilhação” aqui era também uma forma de disciplina divina.)
Ezequiel 17:15 Mas rebelou-se contra ele, enviando os seus embaixadores ao Egito, para que lhe desse cavalos e muita gente. Prosperará? Escapará aquele que faz tais coisas? E aquele que quebra a aliança escapará? (Zedequias enviou mensageiros ao Egito buscando ajuda militar — ver Jeremias 37:7. Essa traição a Nabucodonosor era também traição a Deus, pois ele havia jurado em nome do Senhor. Aqui, Deus faz três perguntas retóricas: alguém que quebra a aliança assim vai escapar? A resposta implícita é: de modo algum.)
Ezequiel 17:16 Vivo eu, diz o Senhor Deus, que no lugar do rei que o fez reinar, cujo juramento desprezou, e cuja aliança quebrou, junto a ele, no meio de Babilônia, certamente morrerá. (Deus jura por si mesmo: Zedequias morrerá na Babilônia. Isso se cumpriu literalmente — veja Jeremias 52:11. Ele quebrou um juramento que Deus considera como sendo feito contra Ele. Deus não ignora os votos feitos com Seu nome.)
Ezequiel 17:17 Nem com grande exército, nem com grande companhia, Faraó o ajudará na guerra, levantando trincheiras, e edificando baluartes, para destruir muitas almas. (A ajuda egípcia que Zedequias esperava não virá. Mesmo com força militar, Faraó não conseguirá impedir a destruição que virá sobre Judá. Isso cumpriu-se quando os egípcios recuaram diante dos babilônios — veja Jeremias 37:5-10.)
Ezequiel 17:18 Porque desprezou o juramento, quebrando a aliança, e eis que deu a sua mão, e fez todas estas coisas, não escapará. (Zedequias estendeu a mão em juramento, formalizando o pacto com Nabucodonosor. Quebrá-lo não foi apenas uma imprudência política, foi uma ofensa direta à santidade de Deus. A aliança quebrada é chamada “meu juramento” por Deus — tamanho é o peso do compromisso. Veja 2 Crônicas 36:13.)
Ezequiel 17:19 Portanto, assim diz o Senhor Deus: Vivo eu, que o meu juramento que desprezou, e a minha aliança que quebrou, isso farei recair sobre a sua cabeça. (Deus reafirma com juramento: o juízo é certo. Zedequias desprezou não apenas Nabucodonosor, mas o próprio Deus. Quando se quebra uma aliança feita diante do Senhor, não é o homem apenas que se trai — é a Deus que se afronta.)
Ezequiel 17:20 E estenderei sobre ele a minha rede, e será preso no meu laço, e o levarei a Babilônia, e ali entrarei em juízo com ele, pela transgressão que cometeu contra mim. (A imagem da rede é frequente nas Escrituras — veja Ezequiel 12:13; Salmo 140:5. Deus usa a Babilônia como instrumento de juízo. A prisão de Zedequias, sua fuga frustrada e sua captura são exatamente o cumprimento dessa palavra — 2 Reis 25:4-7.)
Ezequiel 17:21 E todos os seus fugitivos, com todas as suas tropas, cairão à espada, e os restantes serão espalhados a todos os ventos; e sabereis que eu, o Senhor, o disse. (O castigo não será só para Zedequias, mas também para os que o seguiram em sua rebelião. O exército será derrotado, os sobreviventes dispersos — veja o cumprimento literal em Jeremias 52:7-11. O resultado final? O povo saberá que o Senhor é quem falou. Quando Deus profetiza, Ele cumpre.)
O Tenro Rebento do Senhor (Ezequiel 17:22–24)
Ezequiel 17:22 Assim diz o Senhor Deus: Também eu tomarei do alto do cedro, e o plantarei:
(Aqui o Senhor mesmo entra em cena como jardineiro soberano. “Tomarei” — em hebraico ’eqach — aparece com ênfase, pois é Deus quem age diretamente, literalmente se traduz: “Eu mesmo tomarei”. O “cedro” continua sendo a casa real de Davi, e o broto extraído representa um descendente legítimo que será exaltado segundo o plano divino. Trata-se de uma promessa de restauração.) Do principal dos seus renovos cortarei um raminho tenro, e o plantarei sobre um monte alto e sublime: (Esse “raminho tenro” aponta para o Messias, o renovo de Davi — veja Isaías 11:1: “Do tronco de Jessé sairá um rebento”. Cristo é esse ramo humilde/terno que será exaltado. Em contraste com os reis humanos, Deus declarou que Ele mesmo tomaria, plantaria e daria destaque ao mais tenro, ou seja, a um ramo ou broto. Ramos de cedro simbolizam os governantes no trono davídico (Ez 17.3, 4, 12, 13), e, em outras passagens, a linhagem dos descendentes de Davi que levariam ao Messias (2 Sm 7.16; Is 11.1-5; Jr 22.24-30;23.1-6; Zc б.9-13; Mt 1.1-17). Embora não sejam diretamente messiânicos em seu intento, os versículos 22-24 têm fortes implicações messiânicas. Portanto, com referência à humanidade de Cristo, descobrimos um novo título para o Salvador: Ele é o mais tenro.)Ezequiel 17:23 No monte alto de Israel o plantarei: (O monte de Israel é Jerusalém espiritual. Deus mesmo há de firmar seu Reino, não pelas mãos dos homens, mas por Sua própria fidelidade. Isso antecipa a exaltação do Messias, conforme Lucas 1:32-33 — “o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai”.) E produzirá ramos, e dará fruto, e se fará cedro excelente: (Aqui temos uma inversão da parábola anterior. A antiga videira falhou, mas agora o novo “cedro”, figura do Reino Messiânico, crescerá vigorosamente. Diferente da videira que se secou, este broto prosperará, dará fruto — como em João 15:5: “quem permanece em mim, esse dá muito fruto”.) E habitarão debaixo dele todas as aves de toda sorte; à sombra dos seus ramos habitarão: (Essa imagem remete ao Reino universal do Messias. “Todas as aves” simbolizam os povos da terra que encontrarão abrigo em Cristo — como em Mateus 13:32, na parábola do grão de mostarda. A sombra do Reino é inclusiva, protetora e ampla.)
Ezequiel 17:24 Assim saberão todas as árvores do campo que eu, o Senhor, abati a árvore alta, exaltei a árvore baixa, sequei a árvore verde, e fiz reverdecer a árvore seca: (Deus mostra que Ele é quem rebaixa e exalta. “Árvore alta” representa o orgulho dos reis humanos como Zedequias; “árvore baixa”, o Messias humilde; “árvore seca”, a casa de Davi em decadência; e “árvore verde”, as potências humanas que serão secadas. É Deus quem age soberanamente, como em Lucas 1:52: “derribou os poderosos... exaltou os humildes”.) Eu, o Senhor, o disse e o farei. (Essa é a assinatura divina: quando Deus fala, Ele cumpre. Não há promessa frustrada, não há aliança quebrada da parte dEle. Seu plano messiânico triunfará, mesmo que tudo ao redor pareça estar morto. Veja Isaías 46:11 — “o que tenho falado, também o cumprirei”.)
Exposição Final e Geral
Este capítulo é uma lição viva sobre o modo como Deus trata com os reis, com as nações e com os corações humanos. Em sua primeira parte, o Senhor revela, por meio de uma parábola cheia de símbolos, como Judá foi tratada com misericórdia, apesar de seu pecado. Zedequias foi colocado como videira plantada em campo fértil. Tinha tudo para dar certo. Tinha estabilidade, tinha água, tinha solo. Mas em vez de se curvar humildemente à disciplina de Deus e obedecer à aliança firmada diante do Senhor, Zedequias buscou apoio no Egito, confiou na força do homem, e quebrou seu juramento. Deus viu isso não como simples rebelião política, mas como traição espiritual. Ele disse: “o meu juramento... a minha aliança”. Toda vez que quebramos uma palavra empenhada, toda vez que agimos com duplicidade, toda vez que fazemos um compromisso diante de Deus e o violamos por conveniência, fazemos exatamente o que Zedequias fez. E, como ele, não escaparemos. A justiça de Deus não falha, e Ele não é neutro diante da deslealdade. O Senhor estende sua rede, cerca o rebelde, e faz com que sua palavra se cumpra.
Mas o capítulo não termina em ruína. A destruição do ramo infiel não é o fim da história. Deus faz brotar uma nova esperança, não do homem, mas dEle mesmo. “Também eu tomarei” — diz o Senhor. Quando os homens falham, Ele age. Ele promete levantar um novo renovo, um rebento tenro, frágil aos olhos do mundo, mas escolhido por Deus. Esse ramo é o Messias, Jesus Cristo, filho de Davi, plantado não por mãos humanas, mas pelo próprio Senhor. Ele cresceria em sabedoria e graça, seria desprezado e rejeitado, mas no tempo certo se tornaria um grande cedro — um Rei eterno, cujo reino não terá fim. Em seus ramos se abrigariam todas as aves do céu, isto é, todas as nações, todos os povos, todos os que se curvam diante do seu nome. Em Cristo, Deus fez crescer o que parecia morto. Em Cristo, Ele exaltou o humilhado. Em Cristo, o trono de Davi foi restaurado, não politicamente, mas eternamente.
Esse capítulo é, portanto, uma advertência e uma esperança. Deus exige fidelidade, e pune a falsidade, mas também levanta um Salvador para restaurar o que o pecado destruiu. Que cada um de nós tema ao Senhor e confie somente nEle, lembrando que “Ele abate a árvore alta e exalta a árvore baixa”. A cruz de Cristo é o maior testemunho disso.
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Índice: Ezequiel 1 Ezequiel 2 Ezequiel 3 Ezequiel 4 Ezequiel 5 Ezequiel 6 Ezequiel 7 Ezequiel 8 Ezequiel 9 Ezequiel 10 Ezequiel 11 Ezequiel 12 Ezequiel 13 Ezequiel 14 Ezequiel 15 Ezequiel 16 Ezequiel 17 Ezequiel 18 Ezequiel 19 Ezequiel 20 Ezequiel 21 Ezequiel 22 Ezequiel 23 Ezequiel 24 Ezequiel 25 Ezequiel 26 Ezequiel 27 Ezequiel 28 Ezequiel 29 Ezequiel 30 Ezequiel 31 Ezequiel 32 Ezequiel 33 Ezequiel 34 Ezequiel 35 Ezequiel 36 Ezequiel 37 Ezequiel 38 Ezequiel 39 Ezequiel 40 Ezequiel 41 Ezequiel 42 Ezequiel 43 Ezequiel 44 Ezequiel 45 Ezequiel 46 Ezequiel 47 Ezequiel 48
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GALVÃO, Eduardo M. “Significado de Ezequiel 17”. In.: Comentário Bíblico Online. Biblioteca Bíblica. [Aqui você coloca o ano. Não coloque o ano em que foi postado que consta no link (2025), mas o ano que aparece da última atualização que fica debaixo do título da postagem; ele marca a data da última atualização/edição, já que a maioria das páginas estão em constante atualização]. Disponível em: “cole aqui o link do artigo”. Acessado em: [coloque aqui a data em que você acessou o link do artigo, com dia, mês e ano. Note que a data que você acessa é diferente da data que consta da última atualização da página.]