Estudo sobre Colossenses 3:6-10

Estudo sobre Colossenses 3:6-10


Essa santificação concreta, porém, não é um belo adendo à fé, à justificação. Com profunda seriedade Paulo enfatiza: “por causa dessas coisas vem a ira de Deus”. Portanto, não podemos, como “pessoas redimidas e salvas pela fé”, p. ex., tranquilamente experimentar um pouco essas coisas! Não, nesse caso caímos na ira de Deus. Deus é imparcial, e não pode, neste ponto, de repente considerar a lascívia, a impureza, etc. não tão más quando praticadas por “seus correligionários”. Neste ponto o testemunho do NT é cabalmente unânime. Paulo declara aos romanos: “Se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte” (Rm. 8.13). Diz aos coríntios: “Nem lascivos, nem idólatras, nem… herdarão o reino de Deus” (1Co. 6.9s). Afirma aos gálatas: “…a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl. 5.21). Por isso talvez seja bom deixar de fora o adendo “sobre os filhos da desobediência” que não aparece em alguns manuscritos, apesar de ele aparecer em alguns outros valiosos manuscritos, a fim de que nosso olhar não seja desviado de nós para outros, ainda mais quando ouvimos traduções como a de Lutero “sobre os filhos da incredulidade”. É muito mais plausível que esse acréscimo tenha penetrado aqui, vindo de Efésios 5.6, do que a hipótese de que copistas o omitiram, caso tenha constado originalmente aqui. Não, o que conta é a nossa vida, é nossa vida que está em jogo! Louvado seja Deus por esta tarefa da santificação real de nossa vida não ser uma tarefa impossível. O “ter mortos nossos membros sobre a terra” é algo que podemos executar hoje, amanhã e a cada dia, tão certo como pela fé podemos nos entender como pessoas que morreram com Cristo.

Todo esse mundo de coisas más que Paulo já citou e em seguida ainda enunciará com maior clareza não é desconhecido para nós. E não nos limitamos a apenas ouvir a respeito de tudo isso, já que infelizmente existem pessoas tão más no mundo. Em nossa própria vida existe o “outrora”, caracterizado pelo fato de que ali também nós “tínhamos nossa vida” nesse “apropriar-se para usufruir”. Por essa razão é simplesmente verdadeiro: “Nelas vós também andastes outrora.” Ao deixarmos fora o adendo “sobre os filhos da desobediência”, o “nelas” se refere diretamente às coisas más enumeradas. O “andar” naturalmente pode ter se manifesto em formas muito distintas, ora grosseiras, ora delicadas e cultas. No entanto, isso não altera em nada o fato de que “tínhamos nelas nossa vida”.

Com a conversão e o renascimento começa um “agora”. Esse agora não se caracteriza pelo fato de que o pecado tenha desaparecido, que nada mais de mau se manifeste em nós e que nos esbaldemos em pureza e enlevo. Muito pelo contrário. Porém o agora está seriamente marcado pelo fato de termos despido, o que se torna um “tende despido!” diariamente novo. Consta aqui o mesmo imperativo do aoristo como antes. Paulo ainda cita coisas de nosso ser antigo, natural, que não fazem parte daquelas duas esferas da vida inicialmente enfocadas e que apesar disso constituem manifestações tão características do eu e do egoísmo: “Agora, porém, tende também vos despido de tudo isso: ira, rancor, maldade, maledicência, fala obscena de vossos lábios.” Mais uma vez as condições interiores do coração são citadas como a fonte daquilo que agora se exterioriza como palavra e ação. No entanto, que terrível instrumento do perverso eu são justamente os lábios! Por isso Paulo ainda ressalta de forma especial a mentira. Aqui ele não consegue falar no aoristo, aqui consta o imperativo do presente: “Não mintais uns aos outros”! É preciso deixar a mentira de lado dia após dia.

Imediatamente, porém, ele retorna outra vez à linha fundamental. Esse “agora não mentir mais constantemente” é santificação possível apenas como algo bem concreto: não porque nós nos esforçamos para enfrentar o velho ser humano, mas porque “afinal, nos temos despido do velho ser humano [Agora o “despir-se do corpo determinado pela carne na circuncisão do Cristo”, atestado “objetivamente” em Cl 2.11, é ao mesmo tempo posse subjetiva fundamental dos crentes, da qual se origina a cada hora a atualização e concretização do fato de terem se despido.] com seus atos” e “nos vestimos [A metáfora do “vestir-se” foi encontrada por Paulo já no AT, p. ex., em 2Cr 6.41; Jó 29.14; Sl 35.26; 104.2; 109.18; 132.9,16,18; Is 59.17; 61.10; Zc 3.5.] do novo [Aqui não ocorre kainós (“novo” = sem uso), mas neós (“novo” = recente, jovem).], que torna a se renovar para o conhecimento segundo a imagem de seu Criador”.

Originalmente o ser humano foi criado à imagem de Deus, porque foi criado “por Cristo” e “para ele”. Mas ele se soltou de Deus e se tornou refém do diabo, do mundo e do eu. É esse o ser humano que todos nós conhecemos em nós mesmos. A esse ser humano podemos adornar, civilizar, melhorar, enobrecer, mas em sua natureza profunda ele continua sendo o inalterado “velho” ser humano. Por isso Deus não se esforçou para consertá-lo. O grande experimento divino com a “lei” e os inúmeros pequenos experimentos do ser humano com lei, costume, ética, cultura e religião demonstraram que ele não pode ser consertado. Somente pode ser eliminado. Foi isso que Deus fez, ao matá-lo em Cristo e deitá-lo na sepultura. Nesse ponto reside a diferença total entre o evangelho e toda a ética e religião do mundo! Na sequência Deus concedeu em Cristo um ser humano completamente novo. A comparação da presente passagem com Rm. 13.14 e Gl. 3.27 mostra que o próprio Cristo é o “novo ser humano” do qual podemos nos vestir. Também o final do v. 11 do presente texto aponta para isso. Em Cristo o novo ser humano já está pronto. Mas, olhando para nós, ele não está “pronto”, mas somente há de ser “novamente renovado segundo a imagem de seu Criador”. Porque mais uma vez Paulo combina os dois aspectos (precisamente isso caracteriza a compreensão correta da santificação evangélica): o que foi consumado nos fundamentos e acolhido mediante a fé, e o que a partir disso se processa dia após dia. O novo ser humano, do qual nos vestimos por princípio na conversão mediante a fé é, afinal, renovado a cada dia. Isso ocorre para o “conhecimento”. Também poderíamos traduzir as palavras “que é novamente renovado para o conhecimento” muito bem da seguinte forma: “que chega constantemente a um novo conhecimento”. Podemos recordar o que Paulo escreveu no começo da carta em Cl. 1.9 sobre o crescimento da vida eclesial no entendimento da vontade de Deus. Precisamente nisso se mostra que nos revestimos do novo ser humano: que agora conhecemos a cada dia e de maneira crescente o que Deus deseja de nós hoje e aqui, do que nos podemos despojar mais profundamente e o que agora pode ser agarrado e apropriado de forma nova. Em tal crescimento “a imagem de seu Criador”, que na verdade é “Cristo”, destaca-se cada vez mais nitidamente na pessoa.

O uso da expressão “renovado segundo a imagem de seu Criador” remete a Gn. 1.26s. Então também poderemos compreender a menção, inicialmente estranha, do “conhecimento” no presente contexto. Além de já possuir a semelhança com Deus, o ser humano tentou apoderar-se egoisticamente também do “conhecimento do bem e do mal”. Justamente assim ele perdeu a semelhança com Deus. O fruto roubado representa aquele impotente conhecimento “moral”, o equívoco “legalista” do bem, que sempre revela a nudez do ser humano, e que ademais presta um serviço ao pecado para que desenvolva seu poder de modo cada vez mais profundo e cabal (cf. Rm. 7.7-13). No envio de Jesus, porém, acontece a cura real e total da queda. O ser humano é presenteado com o conhecimento do qual tentou se apoderar para sua desgraça. Sendo agora conhecimento doado por Deus, ele é genuíno, um entendimento salutar e afetuoso da vontade do Criador, compreensão do Cristo, na qual a imagem dele é cunhada no coração daquele que crê, para que seja configurado à semelhança dele.