Estudo sobre Colossenses 3:11-12

Estudo sobre Colossenses 3:11-12


Segue-se um testemunho significativo do realismo com que Paulo compreende esse “ter-se vestido”. Tudo o que foi dito na verdade não se resume a um “idealismo”. O “novo ser humano” não é um “ideal” que tentamos atingir. Todo idealismo é “lei” e obra humana, luta e busca humana, que com extrema facilidade se transforma em decepção e pessimismo. Isso pode ser constatado de forma arrasadora no grande exemplo histórico do idealismo alemão. O novo ser humano, porém, não é um ideal, ele é realidade presenteada por Deus e já agarrada pela fé. Ainda não de tal forma que as muitas diferenças da humanidade em si simplesmente já tenham desaparecido na comunhão dos fiéis, mas certamente de forma que elas são de fato superadas por meio da nova realidade da pessoa cristã. Também na igreja ainda existem, p. ex., escravos. Ainda veremos que Paulo continua contando com sua existência e não faz nenhuma tentativa de realizar uma libertação geral de escravos na igreja. Ainda persistiam as diferenças de raça, estudo, e até mesmo de religião. Podia haver na igreja até mesmo judeus circuncisos, que se consideravam pessoalmente comprometidos com o cumprimento da lei. Mas enquanto o mundo enceta constantes e vãs tentativas para construir comunhão real e nivelar as diferenças entre os humanos, essa comunhão e unidade foram misteriosamente concretizadas na igreja dos renascidos e crentes, em meio a todas as diferenças tranquilamente respeitadas. Toda igreja genuína é um lugar no mundo em que de fato “não há grego nem judeu, circuncisão nem prepúcio, bárbaro, cita, escravo, livre; porém tudo e em todos Cristo”. Hoje podemos traduzir teórica e, graças e louvor a Deus por isso, também praticamente: “Onde não há mais branco nem negro, batista ou luterano, trabalhador braçal, acadêmico, empresário, assalariado, porém tudo e em todos Cristo”.

Paulo já falou com mais detalhes dos “membros sobre a terra”, os quais podemos ter mortos. Mas descreveu apenas brevemente o novo ser humano. Agora, porém, ele se volta mais uma vez para esse lado positivo da santificação. “Por isso tende revestido…” Afinal, são pessoas que “se revestiram do novo ser humano”. Por ser assim, ele diz: tende revestido! Novamente torna-se explícito o traço fundamental da santificação evangélica: sejam realmente aquilo que vocês na verdade já são, sejam-no concretamente, preservem-no e realizem-no cabalmente nas decisões isoladas da vida diária! Com toda a luminosidade e grandeza ouvimos a ênfase: “como eleitos de Deus, santos e amados”. Entender “santos e amados” como adjetivo ou como substantivo é apenas uma versão levemente distinta da sintaxe grega. Essencial, porém, é a visão esplêndida diante de nós: não nos afadigamos com a santificação para finalmente nos tornar eleitos e santos, mas por já sermos eleitos e santos resulta agora dessa verdade uma nova maneira de viver que é totalmente diferente da dos humanos que “ainda têm sua vida no mundo” (Cl 2.20). A metáfora do “revestir-se” sugere que afirmemos: por serdes filhos do rei, príncipes e princesas, trajai-vos agora também como reis e comportai-vos regiamente! O inverso nunca será possível: ninguém pode imaginar que pelo simples fato de ter o guarda-roupa e o comportamento de um príncipe também possa tornar-se um. Disso nunca resultará outra coisa senão – teatro. Toda santificação legalista sempre leva, como no caso dos fariseus, apenas ao que Jesus chamou de fato de hypokrisis, “encenação”. Tornamo-nos filhos do rei unicamente pelo nascimento. No entanto, uma vez que o somos, toda a conduta realmente é determinada a partir disso: então essa conduta já não será “teatro”.

Em vista da direção oposta na santificação legalista e na evangélica também é tipicamente diferente a conduta diante de dificuldades e entraves. Quando a santificação se torna difícil nas duras aflições da vida prática, quando fracassamos, a pessoa que busca a santificação pela lei duplicará seus esforços, multiplicará seus exercícios ascéticos, incitará sua determinação. Fará isso até o colapso pela sobrecarga. Afinal, é obrigada a agir assim porque lá na frente reluz o alvo ao qual tenta alcançar de qualquer maneira. O ser humano no caminho da santificação evangélica age de forma exatamente contrária: no ponto difícil da vida ele retorna ao ponto de partida, a posse fundamental pela fé, retorna à cruz, ao fato de estar morto e ressuscitado com Cristo. Lá obtem novamente a certeza daquilo que tem e é em Cristo por soberana graça mediante a fé, retornando agora à penosa tarefa, fortalecido e posicionado “em” Cristo e na vitória dele. Eis que agora consegue realizá-la. “Como eleitos de Deus, santos e amados” – será que sabemos que somos isso? Desde já, aqui e agora? Ou seja, que a vida eterna, o “céu”, não começa somente depois do sepultamento, mas já no tempo presente? “Eleitos de Deus, santos e amados” – deveria ser esse o primeiro pensamento de todas as manhãs, sobre o qual meditamos e que assimilamos ao acordar. Que a afirmação “Faço parte disso, sou uma pessoa amada por Deus!” seja o radiante sol da alegria em nosso coração, justamente também em dias sombrios e difíceis. Porque então abordaremos de forma apropriada a santificação desse dia e compreenderemos o que Lutero afirmou certa feita em sua profunda percepção bíblica: “Não realizamos boas obras para entrar no céu, mas porque pela fé estamos no céu somos verdadeiramente capazes de realizar boas obras.” “Como eleitos de Deus, santos e amados”, é verdade, agora existem obras realmente “boas” para nós, obras em que a busca furtiva do eu por vantagens próprias não torna a estragar tudo. Eleito e amado por Deus – tenho, pois, o céu todo, a felicidade eterna integral! Que mais eu poderia demandar? A partir dessa imensurável felicidade posso agora organizar meu agir, que já não precisa ser, não obstante toda a seriedade do empenho, um agir aflito e sofrido. Alegria e repouso sabático pairam agora sobre a obra de vida dos amados de Deus. Jesus chamou, por meio de seu procurador Paulo, para debaixo de seu jugo suave todos os que no caminho da santificação legalista se atormentam e sobrecarregam, levando-os de fato ao descanso de acordo com sua promessa (Mt 11.28-30).

É por essa razão que o conteúdo positivo da santificação agora não se resume a essas precárias exterioridades como o cumprimento de certos feriados. Já não se dá o dízimo “da hortelã, do endro e do cominho, deixando-se para trás o mais pesado da lei: a justiça, a misericórdia e a fé” (Mt 23.23). Justamente essas coisas “mais pesadas” é que contam, obviamente não como penosa realização própria, mas como algo há muito preparado e presenteado que já nos pertence e que podemos retomar e “vestir” a qualquer hora. É significativo que tampouco se trata do decálogo. Deveríamos refletir muito sobre o pequeno uso que os apóstolos fazem dos Dez Mandamentos em suas cartas. O decálogo é uma lei popular para Israel e de pouca utilidade como lei de vida para os membros do corpo de Cristo. O espaço excessivo que concedemos ao decálogo na igreja também é culpado pelo moralismo que deteriora nossas igrejas e nos obstrui a visão da verdadeira santificação. Não está em jogo uma precária moral conservadora (não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho), mas “um coração de misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência”.

Saiba mais:

Não podemos dar a nós mesmos “um coração de misericórdia”. Bondade fabricada, humildade intencional, brandura artificial, isso não passa de encenação que sucumbe nas provações, não passa de máscara distorcida, por trás da qual a verdadeira natureza se destaca de modo tanto mais assustador: príncipes fantasiados com imitações de ouro e papel laminado. Já a princesa autêntica, de nascença, realmente tem o privilégio de vestir o esplendor autêntico da vestimenta preparada para ela. “Um coração de misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência” – isso não é nada mais que o próprio Cristo, do qual me revesti e que por isso posso tornar a vestir nesse diálogo difícil com uma pessoa antipática, ou quando sou interrogado por ateus e rudes carrascos. Qualquer dicionário mais rigoroso da linguagem do NT evidencia que essas “virtudes” também são mencionadas em diversos outros pensadores e escritores. Contudo, de onde as pessoas conhecem essas virtudes? Por que as consideram belas? De onde sabem que “na verdade” deveríamos ser assim? É certo que não a partir da natureza! Porque em conceitos como “bondade, humildade, mansidão, paciência” espelha-se a liberdade de qualquer auto-afirmação no serviço em prol dos outros, ou seja, o exato contrário de todo direcionamento “natural” da vida. Aqui se evidencia mais uma vez a profunda verdade da mensagem bíblica da criação do ser humano à imagem de Deus em Cristo (cf. acima, p. 352). “Afetuosa misericórdia, bondade, humildade, paciência” constituem primeiramente propriedades de Deus. O ser humano criado à imagem de Deus traz dentro de si de modo imperdível a reminiscência dessa natureza de Deus. Toda moral e ética humanas representam um “recordar” dessa tipo, seja ele mais superficial, seja mais profundo. Todos os conceitos morais são os últimos raios amortecidos, vindos da luz da vida divina, da qual o ser humano originariamente devia participar. Na pessoa de Jesus a imagem originária de Deus (Cl 1.15) com toda a sua glória, justamente na misericórdia, candura e humildade, vem ao encontro da réplica destruída e deturpada no ser humano, agora não mais como “conceito de virtudes” apagado e impotente, mas como pessoa viva que deseja morar como “Cristo em nós” (Cl 1.27) e da qual nos podemos “revestir”. Por isso o evangelho opera também aqui com termos há muito conhecidos, para os quais o pesquisador poderá encontrar muitos “paralelos”. Mas também aqui o evangelho concede, em lugar de pálidas reminiscências, o retorno salvador ao pleno lar divino. A santificação evangélica se diferencia de toda ética humana como a palmeira selvagem que cresce na praia de uma ilha do Pacífico se diferencia da pobre planta ornamental que é criada artificialmente em nossa sala.