Estudo sobre Hebreus 10:1-3

Estudo sobre Hebreus 10:1-3


Mais uma vez o apóstolo resume o que afirmou em suas elaborações sobre o sumo sacerdócio em Hb 7.1–9.28 e sobre “a lei”, i. é, a ordem sacerdotal e o serviço de sacrifícios do AT. A lei tem sombra (“figura”) dos bens vindouros, não a imagem real das coisas. “Figura” (quadro, em grego, eikõn) da realidade celestial e “sombra” (em grego, skiá) estão contrapostos, como “figura original” (em grego, týpos) e “réplica” (em grego, hypódeigma) em Hb 8.5. Assim como o tabernáculo era apenas a duplicação terrena do santuário celestial, da glória real de Deus em seu mundo invisível, assim a ordem sacerdotal e sacrificial em Israel também espelha uma realidade transcendente do mundo de Deus. Ela é uma cópia fraca do verdadeiro culto das potestades celestiais na presença do Senhor. O culto sacrificial de Israel ainda não transmite a revelação plena da glória de Deus. Para justificar esta, afirmação o apóstolo fornece a mesma referência como em Hb 7.11,18 e 9.9. A lei jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. O autor pensa singularmente na ação do sumo sacerdote no grande dia da reconciliação de Israel. Ano após ano o sumo sacerdote tinha de executar o mesmo serviço sacrificial no Santíssimo (Hb 9.7,25; 10.1,3)345. A repetição anual do sacrifício do sumo sacerdote no dia da reconciliação constituía praticamente uma prova da imperfeição desta ordem de salvação. O serviço sacerdotal de Israel, fundamentado na revelação de Deus no Sinai, era equivalente a um sinal de trânsito com dois braços. Um braço apontava para cima, para uma ordem original do mundo celestial, o outro braço apontava para o futuro, para o único Sumo Sacerdote eterno, que haveria de aparecer no mundo, para cumprir e concluir todo o sacerdócio terreno. A magnitude do serviço sacrificial do AT residia em apontar para a salvação vindoura definitiva dos humanos no sacrifício do eterno Sumo Sacerdote Jesus Cristo. O limite e a impotência do serviço sacrificial do AT são visíveis no fato de que ele próprio não pode contribuir realmente para a salvação das pessoas. A verdadeira salvação é presenteada unicamente por Jesus Cristo (Hb 5.9).


O apóstolo deixa claro para a comunidade mais uma vez o que de fato está em jogo em todo o culto sacrificial (cf. Hb 9.22). O ser humano que tem ciência do julgamento de Deus sobre a sua vida e em cuja consciência os pecados estão registrados como culpa não perdoada carece da purificação total de sua vida, para obter paz no coração e na consciência. Exclusivamente a força do perdão, que é concedido diretamente por Deus ao pecador, é suficiente para libertar o ser humano do sentimento de culpa em sua consciência e conceder-lhe o recomeço da sua vida com Deus. Quando a consciência é purificada dos pecados, de uma só vez, fundamental e totalmente, com validade para todos os tempos, tornam-se desnecessários os demais sacrifícios pelos pecados (cf. Hb 9.12,14). Contudo, é precisamente isto que os sacrifícios do AT não podem concretizar. Os sacrifícios não visam produzir purificação definitiva dos pecados, mas a constante recordação deles (Rm 3.20). A confissão de pecados do sumo sacerdote no grande dia da reconciliação (Lv 16.21) traz de volta à memória dos israelitas a culpa uma vez praticada. Com isto, o apóstolo mostra um traço totalmente novo da natureza dos sacrifícios no at. O sacrifício no dia da reconciliação, que na verdade não era uma oferenda do indivíduo, mas era oferecido vicariamente pelo sumo sacerdote em favor de todo o povo, devia servir para recordar o pecado, i. é, expor diante do povo a necessidade de uma redenção definitiva. No entanto, com a indicação desta necessidade da libertação plena de todos os pecados, também estava dada a promessa de um sacrifício perfeito pelos pecados, por meio do qual toda a culpa haveria de ser expiada. O serviço sacrificial no grande dia da reconciliação era uma referência direta ao “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). Deste modo, o culto sacrificial israelita tornou-se em seu sentido mais profundo a expressão da esperança pela redenção definitiva por intermédio de Jesus Cristo (cf. Hb 7.19).


Notas:
345 Não é possível definir inequivocamente a relação correta da locução grega eis to dienekés “para sempre”, (cf. Hb 7.3; 10.12,14). Os exegetas da Escritura Sagrada veem duas possibilidades. Podemos traduzir o v. 1 na forma acima reproduzida, relacionando estas palavras com os sacrifícios, que são oferecidos repetidamente. No entanto, também podemos traduzir: “Por meio dos mesmos sacrifícios que são oferecidos ano após ano a lei jamais pode aperfeiçoar ‘para sempre’ (de modo duradouro) os que se aproximam”.