Estudo sobre Hebreus 10:26-27
Estudo sobre Hebreus 10:26-27
Quanto maior a dádiva, tanto maior também a responsabilidade, e tanto mais grave o juízo – este é um dos pensamentos fundamentais que dirigem o autor (cf. Lc 12.47,48; Hb 2.1-3). A primeira grande seção da carta (Hb 1.1–5.10) desembocou numa advertência diante da apostasia (Hb 6.4-8). Do mesmo modo o apóstolo também encerra a segunda seção, na qual falou da obra de Jesus, de seu sumo sacerdócio eterno. A excelsa magnitude da pessoa de Jesus e sua obra consumada de redenção visam dar novo estímulo aos fiéis para permanecerem com fidelidade na fé e para a confissão conjunta da esperança. Ao mesmo tempo, porém, a ciência das bases irremovíveis de nossa salvação deve preservar-nos de vivermos deliberadamente em pecado (“pecar propositadamente”). Chama a nossa atenção que o apóstolo introduz sua advertência séria com as palavras: “se nós pecamos propositadamente”. Neste alerta ele se une aos destinatários de sua carta. O apóstolo não se coloca do lado de fora da multidão de fiéis e tampouco se posiciona acima dela. Pelo contrário, ele sabe que o caminho de cada fiel está em perigo (1Co 10.12), mas que também podemos nos consolar a qualquer hora com o cuidado protetor e corretivo de Deus por nós (2Ts 3.3; 1Jo 2.1). O AT conhece a diferença entre o pecado intencional e involuntário: “Se alguém pecar por ignorância, apresentará uma cabra de um ano como oferta pelo pecado. Quando o sacerdote tiver feito expiação pelos ritos expiatórios em favor do que errou ao pecar involuntariamente contra o Senhor, será perdoado. Mas se uma pessoa fizer alguma cousa intencionalmente, seja alguém do povo ou um estrangeiro, é considerado blasfemo, e o respectivo deve ser exterminado do meio do seu povo” (Nm 15.27-30 [tradução da versão alemã de Menge])361. O apóstolo acolhe em Hb a atitude básica do AT, contudo ele a transfere a outro nível espiritual. O pecado dos incrédulos, que não sabem nada do evangelho, está sob a indulgência de Deus: “Deus não levou em conta o tempo da ignorância” (At 17.30; cf. At 3.17; 1Tm 1.13). Em contrapartida, o fiel, que já experimentou o perdão dos pecados e a purificação de sua vida, tem uma responsabilidade maior. Nesta carta, afinal, são interpelados os fiéis. O apóstolo está se colocando junto da comunidade. Ou seja, são pessoas que receberam o pleno conhecimento da verdade, que com sua conversão receberam uma clara compreensão e ao reconhecimento interior da verdade (Tt 1.1; 1Tm 2.4; 2Tm 2.2,3)362. A experiência da salvação, descrita pelo apóstolo com esta expressão (em grego, to labeín ten epígnosin tes alétheias) corresponde à “iluminação de uma só vez”, da qual falou em Hb 6.4 (cf. Hb 10.32; 2Pe 2.20). O ser humano que chega a uma fé viva obtém o “conhecimento da verdade”, a comunhão de vida com Cristo, a vida eterna (Jo 17.3). “A verdade” não apenas é o conteúdo do evangelho, a mensagem pregada, mas o próprio Jesus Cristo (Jo 14.6).
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Este reconhecimento da verdade não é obtido pelo esforço intelectual humano (2Tm 3.7), mas exclusivamente pela entrega consciente de nossa vida a Jesus. O pecado não é minimizado em lugar algum da Bíblia, nem mesmo os pecados dos fiéis. No entanto, quando o apóstolo expressa a sua advertência ele está se referindo, de maneira análoga a Hb 6.4-6, e não a quaisquer pecados, nem mesmo a um pecado especialmente grave, mas à rejeição total a Deus363. Aquilo que ele tenciona expressar com a advertência “se pecamos intencionalmente” (em grego hekousíos gar hamartanónton hemõn), torna-se claro para nós apenas no v. 29. O apóstolo considera a possibilidade terrível de que uma pessoa que havia rendido sua vida a Jesus Cristo possa afastar-se novamente do Senhor e ingressar numa oposição cheia de ódio contra Jesus Cristo. Já não resta sacrifício pelos pecados. Com estas palavras o apóstolo não põe um limite à magnitude do sacrifício de Jesus, mas ele apenas deixa claro que, uma vez que nos voltamos para o Senhor, jamais podemos reverter a decisão. Nunca podemos voltar a um “estado anterior à conversão”. Quem se declara como definitivamente separado de Jesus Cristo, não somente se exclui pessoalmente do perdão, mas posiciona-se contra ela. Quem se separa conscientemente de Cristo, torna-se “adversário” (em grego hypenántios), antagonista de Deus, e torna-se réu do juízo eterno364. Também neste aspecto a realidade e a seriedade do AT alcançam até o centro do NT. Deus é um Deus santo. Seu “zelo ardente”, expressão de sua santidade, de sua ira e de seu julgamento justo, “consumirá seus adversários” (cf. Lv 10.1,2; Dt 4.24; Hb 12.29). As palavras de juízo do AT continuam válidas também no NT e têm de ser levadas a sério pelos fiéis (cf. Nm 16.32,35; Jd 11).
Índice:
Hebreus 10:26-27
Notas:
361 Cf também Ez 45.20: “… qualquer pessoa que tenha cometido algum pecado sem intenção ou por ignorância” (blh). Do mesmo modo em Lv 4.2,13,22,27; 5.15.
362 E. Riggenbach, pág 325.
363 Cf J. A. Bengel, pág 669.
364 J. Brown, pág 469: “Quando é dito que para o que apostatou resta somente uma espera terrível do juízo final, isto não significa que toda pessoa renegada seja perseguida pelas horríveis expectativas da ruína vindoura. Mesmo que tenha sido assim com alguns, esta não é de forma alguma uma característica de todos os apóstatas. Significa apenas que o renegado não tem outra coisa a esperar além de um juízo terrível… um juízo penal de magnitude ilimitada, indefinível. Não podemos dizer com clareza o que será. Tão somente podemos afirmar que uma determinada sentença terrível o aguarda, cuja essência e cujos limites não podem ser compreendidos integralmente por um ser humano. Como pecador, o apóstata está entregue à ira de Deus.”