Estudo sobre Hebreus 10:21-22

Estudo sobre Hebreus 10:21-22


Estudo sobre Hebreus 10:21-22Tendo (“Nós temos um” [blh]) grande sacerdote sobre a casa de Deus. No texto grego esta frase é dependente da afirmação do v. 19: “Uma vez que temos…” (em grego, échontes oun). Sumo sacerdote e acesso ao santuário formam uma unidade no pensamento bíblico. Ambas as coisas foram presenteadas à comunidade na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Provavelmente por “casa de Deus” não temos de entender só a igreja (cf. Hb 3.6; 1Tm 3.15). Pelo contrário, deve referir-se de modo abrangente a todo o mundo celestial. Enquanto nos v. 19-21 se expressa toda a certeza do cristão que está consciente da amplitude da salvação obtida e que confessa esta realidade com gratidão e adoração, são trazidas nos versículos subsequentes as três convocações de exortação “aproximemo-nos” – “guardemos firme” – “tenhamos cuidado uns pelos outros”.


O apóstolo emprega exatamente as mesmas palavras que em Hb 4.14,16: “Tendo, pois…” (em grego, échontes oun, Hb 4.14; 10.19) “aproximemo-nos” (em grego proserchómeta, [Hb 4.16; 10.22]). Jesus preparou tudo para nós. Agora é nossa responsabilidade trilhar o caminho da fé. O apóstolo sabe que nossa fé sempre sofre ataques na terra. Por isto ele remete insistentemente os destinatários de sua missiva à oração, na qual podemos nos achegar a Deus. Ao mesmo tempo ele desdobra todas as maravilhosas possibilidades que nos são concedidas na vida espiritual. Temos o privilégio de chegar a Deus com um sincero coração. Deus mesmo, através do seu Espírito Santo, concretiza em nossa vida o coração sincero, que nos faz dizer sim com alegria para seguirmos a Jesus com integridade (Lc 14.33). A entrega do coração inteiro a Deus (2Cr 16.9) produz em nós uma plenitude da riqueza357 na vida de fé, uma certeza interior, que se exterioriza numa confissão clara da fé (Cl 2.2), num testemunho alegre (1Ts 1.5) e na esperança inabalável pelo futuro junto do Senhor (Hb 6.11). Temos o privilégio de nos aproximar de Deus como seres humanos renovados, que alcançaram perdão de seus pecados. O apóstolo enfatiza esta realidade com as palavras: coração purificado (“corações aspergidos” [tradução do autor]) e livres da má consciência. No AT a aspersão com sangue e água, um gesto que o sacerdote executava para a purificação dos pecados, era uma realidade fisicamente perceptível para o israelita. Para a nova aliança Deus previu uma forma muito diversa, mas igualmente eficaz de aspersão. Ele prometera: “Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.” (Ez 36.25-27). O que o profeta Ezequiel profetizou cumpre-se na vida de cada pessoa que experimenta na conversão e no renascimento o perdão de seus pecados e a força renovadora do Espírito Santo (Jo 3.5). O que no AT acontecia apenas exteriormente realiza-se, agora, no centro da existência humana. A aspersão com o sangue de Jesus é experimentado pela fé como realidade espiritual no próprio coração, no centro de nossa existência pessoal (1Pe 1.2)358. Jesus nos torna purificados de má consciência. – A “má consciência” é o conhecimento que a pessoa tem de seu pecado (cf. Hb 10.2). Ele purifica a nossa consciência (Hb 9.14) como premissa para a realidade de que agora podemos servir a Deus de maneira correta (cf. At 23.1; 24.16; 1Tm 3.9; 2Tm 1.3). O apóstolo leva a descrição das experiências interiores que como fiéis fazemos no convívio com Cristo mais um passo adiante: e lavado o corpo com água pura. No at a aspersão e ablução eram necessárias para que os sacerdotes pudessem realizar seu serviço perante Deus (Êx 29.4,21; Lv 8.6,30). Na nova aliança, cada membro da igreja de Jesus experimenta esta purificação e esta aspersão, não com sangue de animais, mas com o sangue de Cristo, não no corpo, porém no coração. É um processo espiritual, oculto ao olhar humano, que sucede em nós. A palavra de Deus na força do Espírito Santo purifica e santifica a nossa vida. É neste sentido que também temos de entender a palavra de Jesus em seus discursos de despedida: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15.3), assim como Pedro diz igualmente dos gentios que aderiram à igreja de Cristo: “purificando-lhes (Deus) pela fé o coração” (At 15.9)359. Este acontecimento oculto no coração e na consciência da pessoa que aceitou a palavra de Deus encontra sua concretização perceptível no batismo (At 2.41; Rm 6.3-5).


Notas:
357 Em grego, plerophoría, cf. o comentário a Hb 6.11.

358 Cf Jakob Vetter, Das heilige Blut, Geisweid 14ª ed. 1958, pág 49ss.

359 A maioria dos exegetas constata nas palavras “tendo lavado o corpo com água pura” uma referência ao batismo. O uso metafórico de lýo em Jo 13.10 e Ap 1.5 (no grego koiné) demonstra que é correto entender a expressão, aqui utilizada, lelysménoi, “lavado”, “banhado”, derivado do verbo lýo, também no sentido figurado; cf. Ef 5.26. Oepke, Ki-ThW, vol. iv, pág 305ss entende esta palavra exclusivamente no contexto da terminologia batismal do NT.