Estudo sobre Hebreus 10:23-25

Estudo sobre Hebreus 10:23-25


A grande dádiva que Deus nos dá requer como resposta da fé nossa dedicação ao Senhor (“aproximemo-nos”, v. 22). Do mesmo modo, porém, requer também a constância na fé. “Quem crê, não foge!” (Is 28.16, tradução de Lutero). Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar! O olhar do crente para o futuro, o olhar para o retorno de Jesus (cf. v. 25), não deve ser anuviado. A preocupação do apóstolo transparece claramente através de suas palavras: não se trata apenas de fazer um bom começo na vida de fé, mas de perseverar no caminho até chegar ao alvo. Aquilo que o Senhor concedeu a sua igreja em termos de entendimento na vida espiritual nunca mais deve ser abandonado. Conforme a compreensão do NT, o testemunho da viva esperança, que para nós se liga à pessoa de Jesus (1Pe 1.3), sempre faz parte da confissão a Jesus Cristo. Precisamente porque a esperança é uma das mais intensas forças motoras para nossa vida de santificação (1Jo 3.3) e para superar todas as tribulações, é que a negligência ou a quebra total de uma única parte da “plenitude da riqueza da esperança” (cf. Hb 3.6; 6.11) se torna fatal para a fé. Repetidamente seremos assediados por tribulações, não há dúvida quanto a isto (1Co 10.13). Contudo, a fidelidade de Deus será comprovada justamente no fato de que ele auxilia o fiel na tribulação quando a esperança começa a vacilar. A fidelidade de Deus é imutável. Ele cumprirá literalmente todas as suas promessas quanto ao futuro. Podemos apegar-nos a esta verdade, imperturbáveis. Também neste ponto a igreja passará um dia do crer para o ver. O Espírito Santo de Deus faz com que tenhamos certeza total disto (cf. 2Co 5.5-7). Assim como Deus se compromete imutavelmente com suas promessas, assim a igreja de Jesus também deve firmar-se sem vacilar na confissão de seu Senhor que retornará.


Voltar-se para o Senhor (v. 22), i. é, a vida intensa de oração e a perseverança na fé (v. 23) constituem expressões de uma atitude espiritual de vida que apontam de forma singular para a vida pessoal de cada cristão individualmente. A terceira exortação apostólica destaca a relação comunitária dos cristãos: Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras (“Tenhamos cuidado uns pelos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” [tradução do autor]). Novamente neste caso o pecado destruiu a imagem original divina do ser humano. Uma vida sem responsabilidade diante de seu irmão fez parte do pecado de Caim. “Disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu tutor de meu irmão?” (Gn 4.9). Na Igreja de Jesus o Espírito Santo restaura a imagem original do ser humano, a imagem perdida à semelhança de Deus. Uma das suas características básicas essenciais é que cada membro individualmente torna-se capaz de assumir livremente a responsabilidade humana e espiritual e o cuidado pelo irmão. Deus relacionou desta maneira os membros da igreja: “cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1Co 12.25). Enquanto constitui atitude de vida natural na pessoa não redimida o furtar-se à responsabilidade pelo próximo, mas, pelo contrário, observá-lo para impor-se e afirmar-se contra ele, os fiéis deveriam ter consideração uns pelos outros, para se amar e auxiliar mutuamente360. Como em 1Co 13.13 e Hb 6.10-12, também nestas palavras nos deparamos novamente com a unidade espiritual de fé (v. 22), esperança (v. 23) e amor (v. 24), os pilares básicos da vida de fé pessoal e comunitária. Os que creem devem estimular-se para o amor e as boas obras. Se Cristo purificou nossa consciência das “obras mortas” (Hb 9.14), o amor agora nos capacita para “boas obras”, para ações de misericórdia e amor ao próximo (cf. Is 58.6ss; Os 6.6; Mq 6.8) na prática. Afinal, temos de ficar pensativos diante do fato de que o apóstolo, que conduziu os fiéis às alturas dos mistérios do conhecimento de Cristo, insiste tão intensamente na comprovação da fé no cotidiano. O amor ao Senhor e o amor ao semelhante sempre precisam ter eficácia na ação de ajuda, que não apenas atende a necessidades materiais ou corporais e psíquicas, mas que ao mesmo tempo auxilia o outro a progredir na fé. Contudo, isto pode concretizar-se na convivência espiritual. É por isto que o apóstolo exorta: Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns (“não abandonemos nossa reunião, como se tornou costume de alguns” [tradução do autor]). A expressão grega mé enkataleípontes ten episynagogén tem de ser primeiramente traduzida por: “não abandonar a reunião”. Afinal, a solicitação do v. 24, “para nos estimularmos ao amor”, somente pode ser colocada em prática na comunhão concreta dos fiéis, que vivem no mesmo local e ali também se reúnem regularmente para a celebração (cf. Jo 13.34,35; At 2.42). O cristão solitário não tem condições de cumprir o mandamento de amor de Jesus. Por nos impelir à responsabilidade pelo irmão, o amor requer renúncia à liberdade e engajamento pessoal pelo outro.

O termo grego episynagogé é usado em 2Ts 2.1, mas para o arrebatamento da comunidade de fé por ocasião da volta de Jesus. Com isto fica estabelecida a segunda possibilidade de tradução: “não perder de vista o arrebatamento (faltar nele)”. Porque “o dia do Senhor se aproxima”, por isto os fiéis devem estar de prontidão para o instante do arrebatamento. Sem dúvida ambas as possibilidades de tradução estabelecem um vínculo espiritual interior. Quem se separa levianamente da comunhão dos fiéis tampouco poderá ir com alegria ao encontro do Senhor na volta de Jesus (cf. 1Jo 2.28). A comunhão representa um elemento forte e preservador para a fé. Quem a negligencia ou evita, passa a correr sério perigo por causa desta atitude, que pode levar à apostasia (cf. v. 26!). Esta atitude iguala-se ao isolamento de alguns israelitas do povo durante a peregrinação pelo deserto (Nm 16). Pereceram no caminho! É neste ponto que deve intervir a exortação fraternal – antes, façamos admoestações mútuas! – uma admoestação que busca, com paciência amorosa, trabalhar contra esta evolução espiritual catastrófica (cf. Hb 3.13; 4.11; 13.22). E tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima. “O dia” refere-se ao dia do retorno de Jesus. A tribulação e o perigo para a igreja aumentam quanto mais próximo ela chega do alvo da peregrinação. Quanto mais perto chegar o dia do Senhor, tanto mais decidida deve ser também a atitude de fé da igreja. A forma mais eficaz de enfrentar os perigos da vida espiritual é perseverar inabalavelmente na comunhão dos fiéis e na promessa da volta de Jesus (cf. v. 37).


Notas:
360 O. Michel, pág 232: “paroxysmós ocorre com a mesma predileção no mau sentido (irritação, amargura)”. Cf At 15.39: paroxysmós = briga, discórdia amarga.