Estudo sobre Hebreus 10:38

Estudo sobre Hebreus 10:38


Esta esperança torna-se a força propulsora mais forte da fé. Nela separam-se fé e descrença, salvação e perdição. Existem somente duas possibilidades de decisão – um só caminho para a vida, para a salvação eterna. De maneira bem despreocupada o apóstolo interpreta e proclama a palavra do AT da perspectiva da revelação do NT: o meu justo viverá pela fé. Que quer dizer isto? Certamente não significa outra coisa senão que a verdadeira justiça, a única que vale diante de Deus, é concedida e atribuída exclusivamente ao que crê. A fé em Jesus Cristo é a nossa justiça. Quem foi justificado pela fé, alcança a promessa. Entretanto, quem abandona este único fundamento que resiste às crises, ou quem por culpa da descrença nem mesmo o encontra, desse Deus não se agrada. Irremediavelmente torna-se réu no juízo de Deus e passível da perdição eterna.

A igreja de Jesus é a multidão das pessoas que tomaram em definitivo sua decisão a favor de Cristo. Enquanto no v. 23 o apóstolo havia convocado os fiéis para perseverarem na confissão da esperança, no testemunho público de sua fé perante o mundo, ele agora mais uma vez presta um depoimento pessoal para a esperança da comunidade diante dos fiéis, a fim de fortalecer e confirmar a sua fé. Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma. Outra vez o autor se une aos destinatários de sua carta e lhes assegura mais uma vez: quem vive na fé, está plenamente certo de seu caminho e de seu alvo.


Síntese
Quando nos voltamos inicialmente para a estruturação exterior da presente unidade textual de Hb 10.19-39, de imediato chama nossa atenção o paralelismo com Hb 5.11–6.20, tanto na estrutura quanto na sequência dos pensamentos. Ambas as vezes o apóstolo organiza suas afirmações em censura, advertência e incentivo.

A censura:
“Vós vos tornastes tardios em ouvir, quando devíeis ser mestres…” (5.11,12).
“Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns” (10.25).
A advertência:
“É impossível… os que decaíram apesar disso…” (6.6).
“Porque se propositadamente pecamos…” (10.26).
O incentivo:
“Deus não é injusto… para que pela paciente perseverança herdeis as promessas…” (6.10,12).
“Tendes necessidade de perseverança… ainda um tempo bem breve, e virá aquele que está para vir…” (10.36,37).

A partir desta constatação chegamos à convergência de conteúdo entre ambos os trechos: trata-se de duas exortações largamente esboçadas, nas quais o autor a cada vez faz desembocar as suas afirmações teológicas. O apóstolo não somente gostaria que sua carta como um todo fosse entendida como “palavra de exortação” (Hb 13.22). Aquilo que ele diz com insistência aos membros da comunidade, de se “admoestarem mutuamente” (Hb 10.25), isto ele próprio realiza no presente texto de forma bem concreta. Seu objetivo é dirigir o seu olhar em três direções. Visa que em sua consciência captem ao mesmo tempo o passado, o presente e o futuro de sua vida cristã. Ele lembra aos fiéis o passado, no qual suportaram o “batismo de fogo” do sofrimento. Convida-os a cultivarem no presente o contato com Deus na oração em particular, a perseverar na comunhão entre si e darem testemunho perante o mundo. Dirige o seu olhar cheio de esperança para o futuro, para o dia em que a volta de Jesus porá fim ao curso natural da história mundial.

No centro de suas exposições está a insistente advertência de nunca mais largar a salvação uma vez recebida. Sem dúvida está em jogo uma situação grave. O apóstolo demonstra um “caso limítrofe” na vida espiritual, que fica permanentemente à espreita de nossa trajetória de fé como uma perigosa possibilidade. No entanto, é inegável que por causa desta advertência apostólica cristãos com uma consciência especialmente sensível e temerosa repetidamente caíram em grande inquietação e tristeza sobre si mesmos, sendo assediados pela ansiosa pergunta: acaso já não decaí há muito da fé? Será que, afinal, ainda me encontro sob a graça de Deus? Não somente pessoas psiquicamente enfermas, p. ex., as que sofrem de depressão, são assaltadas por esta pergunta. Também para pessoas física e psiquicamente saudáveis esta questão pode transformar-se numa aflição interior. Que podemos responder a isto dentro dos parâmetros do cuidado pastoral apostólico?

Quando analisamos com atenção a presente unidade, descobrimos com clareza irrefutável uma coisa que o apóstolo justamente não quer: ele não quer desencorajar os fiéis. Obviamente jamais devemos minimizar os perigos para a nossa vida espiritual. Jamais podemos brincar com o tentador de nossa alma! O diabo está procurando continuamente possibilidades para nos fazer cair (1Pe 5.8). Porém a palavra de exortação do autor dirige-se, ao que parece, a pessoas muito seguras de si, a cristãos que não levam sua obediência às últimas consequências, que possuem algo como uma “consciência de borracha”, e que correm perigo de repousar sobre os louros de sofrimentos suportados no passado. Nosso texto nos evidencia que o caminho de fé de cada pessoa – sem exceção – está em perigo. Ninguém deve embalar-se num sono de falsa segurança. Somente estaremos no alvo quando estivermos “na pátria junto do Senhor”. Quanto mais claramente, porém, o perigo estiver diante dos nossos olhos, tanto mais conscientemente buscaremos a proximidade do Senhor!

Coloquemos diante de nós um segundo ponto: a palavra de exortação de Hb 10.26-31 está posicionada entre duas frases (v 25,37) que apontam para a volta de Jesus. Constituem de certo modo o tema principal. Apontando para o perigo, o apóstolo não visa levar à aflição os destinatários da missiva. Pelo contrário, quer mostrar-lhes que nos encaminhamos a um evento histórico, por causa do qual vale a pena resistir a todos os perigos, superar todo o cansaço. Jesus Cristo há de retornar, e junto dele terão fim todos os nossos sofrimentos. Acima da escuridão do tempo atual brilha já agora o esplendor da eternidade. Todas as perguntas aflitas de nosso coração podem ser encobertas pelo som de júbilo inefável por causa da vitória de Deus.

Finalmente temos de ler todas as exortações e advertências do apóstolo no contexto geral da carta. Não é cabível retirarmos determinadas palavras do contexto. Então notaremos que as palavras sérias do autor apostólico não são para ele o mais importante. Não são assunto principal nem pela extensão nem pelo conteúdo. Não têm o peso que talvez lhes atribuamos. “Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono da Majestade nos céus” (Hb 8.1). Jesus, o Senhor vivo, a redenção plena que ele nos trouxe e sua permanente intercessão em nosso favor ocupam o centro de todas as afirmações teológicas de nossa carta. Estas também deveriam ser o centro de nossa vida espiritual, podendo preencher-nos com a consciência da paz e do aconchego. “Ele tem poder para salvar integralmente os que através dele chegam a Deus” (Hb 7.25 [tradução do autor]) – ele também agirá para nos salvar integralmente! Por isto deveríamos agradecer-lhe a cada novo dia.