Estudo sobre Hebreus 10:8-12

Estudo sobre Hebreus 10:8-12


O apóstolo recorre agora à palavra do AT do Sl 40.7-9, interpretando-a novamente a partir do evento do NT. Ele nem pode proceder diferentemente, ele tem de ler e interpretar o AT sob o ângulo da revelação de Cristo que ele experimentara pessoalmente. A multidão dos sacrifícios do AT que eram trazidos “segundo a lei” (em grego, katá nómon) é substituída por este um só sacrifício do Filho de Deus na cruz, que Jesus ofereceu “através do Espírito eterno” (em grego, diá pneúmatos aioníou, em Hb 9.14), mediante seu ato perfeito de obediência. Cristo afirmou: “Eis aqui estou para fazer, ó Deus, a tua vontade”. Jesus resumiu pessoalmente o conteúdo de sua vida e seu serviço nas palavras: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou” (Jo 6.38). Para ele, era esta a maior necessidade da vida e a mais profunda satisfação da vida. “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34). A trajetória do Messias a que se alude profeticamente na palavra do Sl 40.7-9, a saber, que o Cristo haveria de entregar a Deus o seu próprio corpo como oferenda para sacrifício, levou Jesus Cristo, de acordo com a vontade de Deus, à cruz. Desta maneira, a revelação da vontade de Deus no AT, “o obedecer é melhor do que o sacrificar” (1Sm 15.22), obteve sua potenciação e último aprofundamento. Cristo foi “obediente até à morte” (Fp 2.8) e entregou-se a si próprio como sacrifício. Nesta obediência extrema de Jesus à vontade de seu Pai explica-se também o mistério de sua autoridade na oração. Somente porque Jesus cumpriu integralmente a vontade de Deus, ele também possui agora plenos poderes ilimitados, a fim de, como nosso eterno Sumo Sacerdote, intervir perante Deus em nosso favor, pela intercessão, sem cessar.

A disposição total de Jesus para cumprir a vontade de Deus, a concordância da sua vontade com a do Pai, traz consequências impossíveis de serem ignoradas pela igreja. Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas. A vontade de Deus e de Jesus, por quem fomos resgatados do poder do pecado, e que deseja a nossa salvação (Gl 1.4), inclui ao mesmo tempo a nossa santificação (Jo 17.19; 1Ts 4.3) e o nosso aperfeiçoamento (Hb 10.14). A auto-entrega voluntária de Jesus na morte de cruz não apenas produziu a nossa redenção, o perdão de todos os nossos pecados. Ela igualmente submete a Deus a vida daquele que aceita o sacrifício de Jesus para si. Através do sacrifício de Jesus somos “santificados”, somos tornados pessoas que pertencem a Deus. Esta nova condição constitui a premissa para a transformação do nosso ser na imagem de Jesus pela eficácia do Espírito Santo (Rm 8.29; 2Co 3.17,18). O sacrifício de Jesus e a santificação de nossa vida estão inseparavelmente ligados350.


Mais uma vez o apóstolo se reporta aos dolorosos limites e à imperfeição do serviço sacerdotal do AT, a fim de deixar reluzir, diante deste pano de fundo, com tanto maior brilho, a maravilhosa grandeza do sacrifício único de Jesus Cristo. Todo sacerdote se apresenta, dia após dia, a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados. Como já ocorreu tantas vezes, também desta frase do autor depreendemos o som de palavras do AT: “Isto é o que oferecerás sobre o altar: dois cordeiros de um ano, cada dia, continuamente. Um cordeiro oferecerás pela manhã e o outro, ao pôr-do-sol” (Êx 29.38,39). Nenhum dia deveria começar sem a força santificadora e protetora do sangue sacrificial, e o fim de cada dia devia ser colocado sob a força perdoadora e purificadora do sangue. A cada manhã e a cada entardecer, dia após dia, ano após ano, os sacerdotes tinham de sacrificar um cordeiro sem defeito – até que viesse a morrer o “Cordeiro de Deus” como sacrifício de validade plena, para romper o cerco férreo do pecado e trazer a todas as pessoas a redenção perfeita. O que nenhum sacrifício era capaz de realizar, foi alcançado por Jesus junto de Deus, por meio de sua paixão e morte: perdão de todos os nossos pecados. O Único ofereceu o único sacrifício. Como confirmação de seu sacrifício, Deus exaltou a Jesus. Ele está para sempre entronizado à direita de Deus. Com uma só frase o apóstolo sintetiza, agora, o acontecimento da Sexta-Feira da Paixão, Páscoa e Ascensão: Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus. Os sacerdotes estavam diariamente a postos diante do altar, sacrificavam repetidamente, porém, apesar disso, em última análise seus sacrifícios eram em vão. Eles estavam parados como os anjos no incessante serviço perante Deus (cf. Is 6.2; Lc 1.19; Ap 7.11). Cristo, em contrapartida, depois de seu sacrifício realizado de uma vez por todas, sentou-se à direita de Deus. Após ter consumado a obra redentora para todos os humanos, tomou posse da soberania que Deus lhe concedeu (cf. Mc 16.19).


Notas:
350 O. Michel, pág 225: “O que era impossível para os sacrifícios de animais – uma metamorfose do ser humano em uma nova existência perante Deus – tornou-se realidade através da obra de Cristo (Hb 2.11; 9.13; 10.14,29; 13.12). – O sacrifício de Cristo nos santifica de uma vez por todas, sendo, pois, único, singular, irrepetível e, por isto, conclusivo. Em decorrência, passou o mundo da repetição, da sombra, dos sacrifícios humanos, sacerdotais, legais.”