Estudo sobre Hebreus 10:32-34

Estudo sobre Hebreus 10:32-34


O cristão não vive somente de sua conversão, mas das forças vitais do Cristo presente. Não obstante, há uma razão e uma necessidade de recordar reiteradamente o passado e conscientizar-se do começo da jornada de fé. É por isto que o apóstolo exorta: Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores! Esta lembrança é descrita em Jo 14.26 como a obra do Espírito Santo (cf. Lc 24.6). A memória da conversão e do renascimento (“depois que fostes iluminados”, em grego: photisthéntes, cf. Hb 6.4), dos primeiros dias de sua vida de fé, tem a finalidade de ser uma ajuda espiritual para os cristãos hebreus em sua situação atual (cf. 1Pe 1.3-9). Sua trajetória de fé caracterizou-se desde o começo por luta e sofrimento. De modo exemplar para toda a igreja de Jesus em todos os tempos cumpriu-se na vida deles aquilo que Jesus mencionou muitas vezes em seus discursos (Mt 10.17-22,34-39), resumindo-o nas seguintes palavras: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mt 16.24,25). O que Paulo sofreu em seu próprio corpo na sua atividade missionária, na prática da proclamação, também não foi poupado aos cristãos hebreus: “Através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22). Em sua paixão e morte Cristo tornou-se um “espetáculo público” (Lc 23.48), e seus seguidores de forma alguma têm sorte melhor. Ora expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto de tribulações, ora tornando-vos co-participantes com aqueles que desse modo foram tratados. Os cristãos hebreus, aos quais o autor dirige seu escrito, foram estigmatizados publicamente por causa de seu nome de cristãos. Também neste aspecto cumpre-se a palavra de Jesus: “o servo não é maior do que seu senhor”. “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós” (Jo 13.16; 15.20). Deus não torna fácil o caminho de seus filhos. Contudo o sofrimento por amor a Jesus é sofrimento vicário (Cl 1.24), que serve ao amadurecimento e ao aperfeiçoamento da igreja toda, e compromete os fiéis a se tornarem partícipes do destino de seus irmãos sofredores370.


Justamente no sofrimento devem ser comprovadas a fé, a esperança e o amor, de que o apóstolo falara. Fé genuína confirma-se em que o ser humano é capaz de receber também a realidade difícil com alegria da mão de Deus. Porque não somente vos compadecestes dos encarcerados, como também aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens. Pelo que se evidencia o martírio ainda não aconteceu (cf. Hb 12.4), mas sim o confisco de suas posses371. O apóstolo não apenas faz uma constatação, mas revela igualmente as fontes misteriosas das quais jorra a força para sofrer para os fiéis, e das quais é nutrida a sua alegria de fé. Os fiéis vivem na ciência de que possuem patrimônio superior e durável. A vida eterna, a declaração da glória vindoura de Deus, nos foram concedidas sem qualquer contribuição humana. Ninguém pode adquirir por si próprio a certeza de fé, ela é o presente da livre graça divina. No entanto, aquilo que pessoa alguma é capaz de conferir a outro ser humano, tampouco um pode tirar do outro. Quem crê possui um patrimônio espiritual imperecível. Constitui uma certeza dos primórdios cristãos o que Martinho Lutero formulou assim (cf. Cantor Cristão, Juerp: Rio de Janeiro, 1971, Hino 323 [tradução de J. Eduardo von Hafe]):

Se temos de perder
Os filhos, bens, mulher,
Embora a vida vá
Por nós Jesus está
E dar-nos-á seu reino.

Atrás dessa disposição para sofrer está a certeza de saber que sofrer por amor a Jesus Cristo é graça: “Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem. Regozijai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu” (Lc 6.22,23, cf. 1Pe 2.19). Em decorrência, na perseguição e na tribulação não acontece nada de estranho aos fiéis (cf. 1Pe 4.12,13), mas precisamente neste caminho aprendem que fé viva sempre é fé atribulada (cf. Sl 40.13-18; Tg 1.2,10). E justamente sob as mais pesadas cargas é decisivo que permaneçamos constantes.



Notas:
370 Encontra-se somente aqui no NT a fórmula idiomática “em parte… e parte”, em grego toúto mentoúto de.

371 O. Michel, pág 239: “Segundo o direito romano, o confisco dos bens é intensificação e penalidade adjunta de outro castigo. Logo a autoridade está do lado dos adversários da comunidade.”