Amém — Enciclopédia da Bíblia Online

AMÉM

Hebraico אָמֵן (ʾāmēn) ← do verbo ʾāman (“ser confiável, firme, estável”; niphal “ser estável/confiável); advérbio com valor “verdadeiramente, por certo”, e substantivo/atributo no título “Deus do ʾāmēn” (Is 65:16). No uso cultual, sela oração, maldição, doxologia, como ratificação pública (Dt 27:15–26; 1Cr 16:36; Sl 41:13; Sl 72:19; Sl 106:48). Cf. NIDOTTE 1:427–33. Sobre o adjetivo “firme/fiél” e o emprego adverbial “certamente”, ver também Ap 3:14; Isa 65:16.

Em grego, ἀμήν (amēn) é a transliteração direta do hebraico; nas versões, frequentemente vertido por “em verdade / verdadeiramente / com certeza”, ou paráfrases enfáticas (“Eu lhes digo a verdade” etc.), mantendo função de confirmação/ênfase. Na LXX: translitera “ἀμήν” em alguns lugares, e verte por “γένοιτο” (“assim seja”) ou “ἀληθινός/ἀληθῶς” (“verdadeiro/verdadeiramente”) em outros.

Comparativamente nos ramos semíticos, “amém” cristaliza o radical proto-semítico ʾ-m-n (estabilidade, confiabilidade): no hebraico bíblico lê-se אָמֵן (ʾāmēn), a partir da raiz א-מ-נ com o sentido “confirmar, sustentar, ser fiel”; na escrita paleo-hebraica, a sequência consonantal correspondente é 𐤀𐤌𐤍 (ʾmn); no ugarítico, cujo alfabeto cuneiforme tem letras específicas para ʾaleph, mēm e nūn, a mesma tríade aparece como 𐎀𐎎𐎐 (ʾmn), o que, somado à proximidade histórica e lexical entre ugarítico e hebraico, reforça a continuidade semântica; no aramaico/siríaco litúrgico, mantém-se ܐܡܝܢ (ʾamīn); no árabe litúrgico, a forma é آمِين (ʾāmīn), integrada ao vocabulário religioso com valor de ratificação; e no acádio (ramo oriental), o cognato verbal amānu — grafável silabicamente como 𒀀𒈠𒉡 (a-ma-nu) — situa o mesmo campo de “ser firme/ digno de confiança” em tradição já milenar. Em conjunto, essas formas mostram um contínuo semântico que vai de “firme/verdadeiro” a “que se confirme/assim seja”, explicando por que “amém” funciona, nas tradições judaica, cristã e islâmica, como selo de veracidade e anuência.

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I. Antigo Testamento: assentimento, pacto e doxologia

No AT, “amém” funciona primariamente como resposta congregacional ou individual que corrobora palavras proferidas por outrem — oração, maldição, doxologia —, reconhecendo sua validade vinculante: “Sim, assim é/assim seja!” (1Cr 16:36; Dt 27:14–26; Sl 41:13; 72:19; cf. 3Mb 7:23). O redobro “amém, amém” intensifica a ênfase (Nm 5:22; Ne 8:6) e é o formato atestado também em Qumran (1QS 1:20; 2:10, 18). O termo raramente abre um dito (1Rs 1:36; Jr 28:6) e não é usado para autenticar as próprias palavras do locutor. Como título/atributo divino, “Deus do amém” = “Deus de verdade/fidelidade” (Is 65:16). Casos narrativos mostram que o “amém” pode implicar compromisso prático: Benaia responde “Amém; o Senhor... diga também” em apoio à sucessão de Salomão (1Rs 1:36). Sobre a função pactual/jurídica (“quem diz ‘amém’ se vincula à maldição/termos”), ver Nm 5:22; Dt 27:15–26; Ne 5:13; 8:6.

II. Da sinagoga à assembleia cristã: o “amém” responsorial

A instrução mosaica em Siquém (“todo o povo dirá: Amém!”) funda o uso responsorial (Dt 27:15-26), que transita à sinagoga e passa às igrejas cristãs: ao fim de leitura, discurso ou oração solene, a assembleia responde “amém”, apropriando-se do conteúdo (1Co 14:16). Testemunhos patrísticos descrevem o vigor do coro congregacional (Jerônimo), e as Constituições Apostólicas prescrevem o “Amém” do comungante após “O corpo de Cristo / O sangue de Cristo, cálice de vida”.

III. O uso singular nos Evangelhos: “Amém, eu lhes digo” (criação de Jesus)

Nos Evangelhos, “amém” nunca fecha a fala como resposta do povo; aparece só no início da fórmula “Amém, eu lhes digo”, e só nos lábios de Jesus, sublinhando a autoridade e o peso do que vai declarar. Não há exemplo de apóstolo ou profeta da igreja primitiva que adote essa mesma fórmula (cf. 1 Coríntios 7:12 em outro registro).

A crítica observa: (1) não há equivalente hebraico exato conhecido para “Amém, eu lhes digo”; (2) a fórmula ocorre em todos os Evangelhos; (3) atravessa todas as camadas da tradição — conclusão: trata-se de “criação de uma nova expressão por Jesus” e “lembrança autêntica” de sua voz (Jeremias, 36; Brown, 84). A analogia veterotestamentária mais próxima é “Assim diz o Senhor”; com “Amém, eu lhes digo”, Jesus fala com a autoridade do Enviado, “cheio do Espírito sem medida” (João 3:34), exigindo audição obediente.

Âmbitos temáticos introduzidos pela fórmula: reino e entrada nele (Mt 13:17; Mt 18:3; Mc 10:15; Jo 3:3–5), horizonte escatológico (Mt 10:23; 16:28 // Mc 9:1; 25:40, 45), desafio a ênfases religiosas do seu tempo (Mt 6:2, 5, 16; Mt 8:10) e afirmações ético-teológicas de grande densidade: reconciliação (Mt 5:26), generosidade (Mt 10:42), fé (Mt 17:20; Jo 5:24), alegria pelo achado do perdido (Mt 18:13), humildade versus autossuficiência (Mt 21:31), proibição de atribuir o bem ao mal (Mc 3:28).

IV. Duplo “amém” em João; variações sinóticas; contagens

João emprega sempre o duplo: “Amém, amém, eu lhes digo” (25x: Jo 1:51; 3:3; 5:19, 24, 25; 12:24; 14:12 etc.), com força superlativa.

Nos Sinópticos, há dezenas de ocorrências (p.ex., na KJV: Mt 31; Mc 14; Lc 9) introduzidas por “verdadeiramente”, enquanto Lucas às vezes substitui por alēthōs (“verdadeiramente”) ou por “Eu lhes digo”, etc. Em vários paralelos, Marcos traz “Amém, eu lhes digo” e Mateus/Lucas omitem ou modificam: “Por isso eu lhes digo” (Mt 12:31 // Mc 3:28), “Verdadeiramente (alēthōs), eu lhes digo” (Lc 21:3 // Mc 12:43), “Eu lhes digo” (Lc 22:34 // Mc 14:30).

Observação textual-tradutória. Edições baseadas no Textus Receptus mantêm “Amém” como fecho em alguns pontos (Mt 6:13; 28:20; Mc 16:20; Lc 24:53; Jo 21:25), ao passo que traduções críticas tendem a verter o valor enfático sem repetir a palavra.

V. NT fora dos Evangelhos: doxologias, bênçãos, resposta congregacional

O restante do NT retoma o perfil veterotestamentário: “amém” sela doxologias e bênçãos (Rm 1:25; 11:36; 15:33; 16:27; Gl 1:5; 6:18; Ef 3:21; Fp 4:20; 1Tm 6:16; Hb 13:21), e marca a resposta da igreja à oração (1Co 14:16). Alguns manuscritos concluem a Oração do Senhor com “Amém” (Mt 6:13), costume prevalente na prática cristã. É frequente o próprio autor acrescentar “amém” ao louvor (p.ex., Ef 3:21).

VI. Culminância em Apocalipse: “o Amém” como título cristológico

Apocalipse emprega “amém” de modos variados e culmina no título de Cristo: “o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus” (Ap 3:14), em harmonia com a tese paulina de que em Cristo reside o “sim” que estabelece as promessas (2Co 1:20). As criaturas viventes e os anciãos bradam “amém” (5:14; 7:12; 19:4), e o livro se fecha com o duplo selo: “Amém. Vem, Senhor Jesus!” e o “Amém” final da bênção (22:20–21) (NIDNTT 97–99).

VII. Valor teológico-performativo (Deus diz / o povo responde)

“Dito por Deus”, “amém” significa: “é e será assim”; “dito pelos homens”, significa: “assim seja” — assentimento sob a palavra validada (“Assim, ‘Amém’ dito por Deus ‘é e será assim’, e pelos homens, ‘seja assim’.”). Por isso, nos lábios de Jesus, a fórmula inaugural não é mero enfático, mas ato de autoridade (“Amém, eu lhes digo”), paralelo elevado de “Assim diz o Senhor” (Jeremias, 36; Brown, 84).

Bibliografia

SILVA, Moisés (ed.). New International Dictionary of New Testament Theology and Exegesis. 2. ed., vols. 5. Grand Rapids: Zondervan, 2014.
VANGEMEREN, Willem A. (ed.). New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, 5 vols. Grand Rapids: Zondervan, 2012.

GALVÃO, Eduardo. Amém. In: Enciclopédia da Bíblia Online. [S. l.], set. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].

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