Carta aos Hebreus

Carta aos Hebreus
A Carta aos Hebreus, ou Epístola aos Hebreus, é uma carta inspirada das Escrituras Gregas Cristãs. A evidência indica que foi escrita pelo apóstolo Paulo aos cristãos hebreus na Judeia, por volta de 61 EC. Para aqueles cristãos hebreus, esta carta era muito oportuna. Já se haviam passado uns 28 anos desde a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na primeira parte daquele período, os líderes religiosos judeus lançaram uma severa perseguição contra os cristãos judeus em Jerusalém e na Judeia, que resultou na morte de alguns cristãos e espalhou a maioria dos outros de Jerusalém. (At 8:1) Os espalhados continuaram ativos na divulgação das boas novas aonde quer que fossem. (At 8:4) Os apóstolos haviam permanecido em Jerusalém e haviam mantido unida a congregação que ficara ali, e esta havia aumentado, mesmo sob forte oposição. (At 8:14) Daí, por algum tempo, a congregação entrou num período de paz. (At 9:31) Mais tarde, Herodes Agripa I causou a morte do apóstolo Tiago, irmão de João, e maltratou outros da congregação. (At 12:1-5) Algum tempo depois disso, passaram a existir necessidades materiais entre os cristãos na Judéia, dando àqueles da Acaia e da Macedônia a oportunidade (por volta de 55 EC) de demonstrar seu amor e sua união por enviar ajuda. (1Co 16:1-3; 2Co 9:1-5) De modo que a congregação de Jerusalém sofreu muitas dificuldades.

Autoria

A. Autoria A epístola aos Hebreus é anônima. Esse é o fato isolado mais importante em relação à sua origem. Sua autenticidade não está sendo questionada. Tudo que podemos fazer é observar a evidência externa fornecida pela Igreja e a evidência interna da própria epístola, e a partir delas tirarmos nossas próprias conclusões em relação a quem foi o seu autor.

Exposição: Hebreus 1 Hebreus 2 Hebreus 3 Hebreus 4 Hebreus 5 Hebreus 6 Hebreus 7 Hebreus 8 Hebreus 9 Hebreus 10 Hebreus 11 Hebreus 12 Hebreus 13

Evidência Externa 

Clemente de Roma (95 d.C.) usa Hebreus 3.2; 11.37 em sua primeira epístola aos Coríntios 17.1, 5. O Pastor de Hermas (datada por Goodspeed em 95-100 d.C.) também mostra estar familiarizado com esta epístola. Ela não se encontra no Cânone Muratoriano (final do século II). Westcott escreve: “Perto do final do século II encontram-se evidências de que existia um conhecimento dessa epístola em Alexandria, no norte da África, na Itália, e no Oeste europeu. Desde o tempo de Pantaenus acreditava-se em Alexandria que a Epístola aos Hebreus, pelo menos indiretamente, era obra do apóstolo Paulo e de autoridade canônica; e esta opinião, apoiada em diferentes formas por Clemente e Orígenes, veio a ser aceita de modo geral pelas igrejas gregas orientais no século III”. (B. F. Westcott, The Epistle to the Hebrews, 2s ed.; Londres: Macmillan & Co., 1892, pp. 63-4.) “Aproximadamente na mesma época, uma tradução latina da epístola recebeu um reconhecimento limitado no norte da África, mas não como uma obra do apóstolo Paulo” (Ibid., p. 64). “Na Itália e no Oeste europeu, a epístola não foi reconhecida como sendo de Paulo e, conseqüentemente, pelo que tudo indica, não era reconhecida como canônica” (Ibid). Nas versões siríacas, ela era claramente tratada como um apêndice das epístolas paulinas. Westcott declara mais adiante: “Em resumo, quando o livro começou a circular, três opiniões distintas acerca dele já haviam obtido aceitação local. Em Alexandria, a epístola grega era vista não como um escrito direto de Paulo, mas, indiretamente, como uma tradução livre das suas palavras ou uma reprodução dos seus pensamentos. No norte da África, ela era conhecida até certo ponto como obra de Barnabé e reconhecida como autoridade secundária. Em Roma e no Oeste europeu, não foi incluída na coleção das epístolas paulinas e não tinha peso apostólico” ( Ibid, pp. 65-6).

Em seguida, nos voltamos diretamente ao testemunho dos antigos Pais da Igreja. Clemente de Alexandria (195 d.C.) acreditava que a epístola aos Hebreus foi escrita por Paulo aos judeus na língua hebraica (aramaica) e, mais tarde, traduzida por Lucas e publicada entre os gregos. Conforme citado por Eusébio, ele escreveu: “Mas é provável que o título, Paulo, o apóstolo, não foi prefixado à epístola. Ao escrever aos Hebreus, que haviam formado um preconceito em relação a ele, e suspeitavam dele, ele sabiamente oculta seu nome, para evitar um prejulgamento do conteúdo da epístola”. (Eusebius, Ecclesiastical History, traduzido por C. F. Cruse, Grand Rapids: Baker Book House, 1955 [reimpressão]), p. 234, VI. 14.) Se Paulo, de fato, escreveu Hebreus, esta é a melhor sugestão que poderia ser feita quanto ao motivo de omitir o seu nome no início da epístola. A opinião de Orígenes (220 d.C.), o maior estudioso bíblico da Igreja Antiga, é citada com freqüência.

Ele disse: “Parece que os pensamentos são do apóstolo, mas o estilo e a fraseologia pertencem a uma outra pessoa que anotava o que o apóstolo dizia, e escrevia, quando lhe convinha, o que o seu mestre havia falado [...] Mas quem de fato escreveu a epístola, somente Deus sabe”. (Ibid., p. 246 (VI.25)) Westcott conclui: “Os alexandrinos ressaltavam o aspecto da canonicidade e, certos dela, colocaram-na junto com os escritos de Paulo. Os Pais orientais enfatizavam o aspecto da autoria e, acreditando que a epístola não era propriamente de Paulo, negaram sua autoridade canônica [...] Acreditamos que a autoridade canônica da epístola independe de ser ou não de autoria paulina. A percepção espiritual do Oriente pode ser unida ao testemunho histórico do Ocidente. E, se entendemos que o julgamento do Espírito se faz sentir por meio da consciência da comunidade cristã, então nenhum livro da Bíblia é mais reconhecido por meio do consentimento universal, ao dar uma visão divina dos fatos do Evangelho repleta de lições para todos os tempos, do que a epístola aos Hebreus.” (Op cit., p. 71.) Quando nos voltamos para o período da Reforma, notamos que Erasmo expressou suas dúvidas, não quanto à autoridade do livro, mas quanto à sua autoria. Lutero negou a autoria paulina e sugeriu que pudesse ter sido escrito por Apoio. Calvino disse que não conseguia aceitar a autoria paulina. Ele acreditava que provavelmente Lucas, ou Clemente, escreveram esse livro.

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Evidência Interna 

Há similaridades no estilo e vocabulário entre a epístola aos Hebreus e os escritos de Lucas e Clemente de Roma. A descrição de Apoio em Atos (18.24-25) encaixa-se no perfil de autoria dessa epístola. Mas a Igreja Antiga não apresenta qualquer pista de que Apoio tenha sido o autor da Epístola aos Hebreus. Devemos deixar o assunto sem solução definida. Muitos estudiosos têm destacado a clara diferença entre as epístolas de Paulo e a epístola aos Hebreus. Paulo escreve num estilo abrupto e com mudanças repentinas. Por outro lado, o estilo de Hebreus é “cuidadosamente polido e ritmicamente construído” (Alfred Wikenhauser, New Testament Introduction, trad. J. Cunningham, Nova York: Herder and Herder, 1960, p. 467). A estrutura também é diferente. Paulo apresenta primeiro a doutrina e então a aplicação prática. Mas Hebreus alterna entre doutrina e exortação pelo menos uma meia dezena de vezes. Também há uma diferença teológica. O livro de Hebreus é construído em torno do sumo sacerdócio de Cristo. A cristologia de Paulo, um dos assuntos mais importantes em suas epístolas, nunca toca nesse aspecto. Este conjunto de fatos tem levado praticamente todos os estudiosos, quer liberais ou conservadores, a descartar a autoria de Paulo para o livro de Hebreus. Mesma a igreja católica romana tem modificado sua posição. Wikenhauser, um estudioso católico, escreveu: “Paulo não pode ter sido o autor imediato”. (Ibid., p. 469.)

Destinatários

A visão tradicional é que o livro de Hebreus foi escrito para os cristãos judeus na Palestina. Mas Theodor Zahn sugere que ele se destinava ao grupo de cristãos judeus em Roma. Os cristãos de Jerusalém eram pobres e dependiam das ofertas das igrejas gentílicas. No entanto, Hebreus 6.10 indica que os leitores de Hebreus muitas vezes ajudaram os cristãos pobres. Alguns sugerem que Hebreus foi escrito para Alexandria. Mas essa ideia tem pouco apoio. Em 1836 sugeriu-se pela primeira vez que Hebreus foi dirigido basicamente aos gentios. A maioria dos estudiosos protestantes hodiernos defende essa posição, junta mente com os católicos. Wikenhauser escreve: “Precisamos admitir que as evidências hoje deixam claro que a Epístola aos Hebreus não foi dirigida aos cristãos judeus em primeiro lugar”.( Paul Feine e Johannes Behm, Introduction to the New Testament. Completamente reeditado por W. G. Kuemmel e traduzido por A. J. Mattill, Jr., Nashville: Abingdon Press, 1966, p. 468.) Kuemmel concorda. Mas J. Cambier diz: “No entanto, a ênfase ao longo da carta acerca da superioridade da nova dispensação religiosa comparada com a antiga é melhor explicada se pensarmos na epístola como sendo enviada aos cristãos judeus”. (The Epistle of the Hebrews”, Introduction to the New Testament, ed. A. Robert and A. Feuillet, traduzido do francês por P. W. Skehan, et al., Nova York: Desclee Co., 1965, p. 529) Para nós, este argumento parece irrefutável. Concordamos com Donald Guthrie quando escreve: “Um claro contrapeso a favor dos cristãos judeus precisa ser admitido, se o título tradicional do livro deve merecer algum crédito”. (New Testament Introduction: Hebrews to Revelation (Chicago: InterVarsity Press, 1962, p. 29) Everett F. Harrison diz: “O caráter hebraico-cristão da epístola parece suficientemente provado”. (Introduction to the New Testam ent (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1964), p. 351.) “Os da Itália vos saúdam” (13.24) é mais corretamente traduzido por: “Aqueles que vêm da Itália enviam saudações” (RSV). O texto grego traz: “aqueles longe de” (apo). O fato de a primeira notícia de Hebreus vir de Roma (1 Clemente) é um suporte considerável para a ideia de que esta epístola foi escrita para Roma. Esta é a posição da maioria dos estudiosos hoje. Guthrie e Harrison deixam esta questão em aberto. Harrison parece favorecer a ideia dos destinatários serem os cristãos da Palestina. 


Data da Escrita

A última data possível de composição é fornecida pela citação virtual de partes de Hebreus em 1 Clemente, convencionalmente datada de cerca de 95 c.e. A data mais próxima possível é mais difícil de determinar. Vários dados sugerem que uma data anterior a 60 c.e. é muito improvável. O autor descreve-se entre aqueles que receberam a mensagem da salvação em segunda mão (2: 3). Seus destinatários foram crentes por um tempo considerável (5:12). Eles já experimentaram perseguição, reprovação e prisão (10: 32-34). Tudo isso indica que algum tempo se passou desde a sua conversão inicial (6: 4).

Dentro da ampla gama dos anos 60-95, por exemplo, várias conjecturas foram feitas sobre uma datação mais precisa. Referências ao culto sacrificial judeu no tempo presente (9: 6-10; 10: 1-4), juntamente com a falta de qualquer menção à destruição do templo, foram tomadas como prova de uma data anterior a 70 ce quando o templo de Jerusalém foi destruído. Este argumento, no entanto, é inconclusivo, uma vez que nosso autor não está de forma alguma preocupado com o templo de Herodes. Em vez disso, ele lida com o tabernáculo do deserto e argumenta exegeticamente a partir de dados bíblicos. Além disso, os autores que escrevem depois de 70 c.e., como Josefo, Clemente de Roma e os compiladores da Mishnah, referem-se frequentemente ao templo como uma realidade presente.

Tentativas foram feitas para datar o trabalho identificando a perseguição mencionada. Assim, se os destinatários estavam em Roma, as referências à aflição e à perda material (10: 32-34), juntamente com a observação de que os destinatários ainda não “resistiram a sangue” (12: 4), poderiam indicar uma data entre a expulsão de judeus e cristãos judeus de Roma sob Cláudio e a sangrenta perseguição sob Nero. No entanto, mesmo que a hipótese de um destino romano seja aceita, o texto poderia ter sido destinado a um segmento da comunidade que não sofreu o peso total da perseguição de Nero.

Tentativas também foram feitas para datar o trabalho com base em sua posição dentro do desenvolvimento da doutrina cristã primitiva. Evidências inequívocas para os princípios doutrinários ou organizacionais pós-apostólicos, “católicos primitivos”, são, no entanto, inexistentes. Daí apenas um período de tempo geral, de 60 a 90 c.e. pode, com qualquer grau de certeza, ser determinado como a data para Hebreus. 


Gênero Literário

Embora Hebreus contenha uma conclusão epistolar (13:18-25), o restante do livro tem um caráter totalmente diferente da tradição epistolar cristã que começou com Paulo. Falta-lhe a abertura epistolar, os tópicos epistolares comuns e a estrutura argumentativa das epístolas paulinas. De fato, o autor refere-se à sua mensagem como uma “palavra de exortação” (13:22), um termo que é usado em outro lugar (Atos 13:15) para um sermão da sinagoga. Essa era uma forma retórica que havia se desenvolvido na sinagoga judaica helenística consistindo de 1) uma seção indicativa ou exemplar na forma de citações de escritura ou pontos teológicos; 2) uma conclusão baseada na seção exemplar; e 3) uma exortação à comunidade. Ao contrário das epístolas paulinas, Hebreus segue o padrão comum da palavra de exortação. A conclusão epistolar é adicionada à homilia porque o sermão do autor teve que ser enviado.

Propósito da Carta

A congregação em Jerusalém compunha-se quase que inteiramente de judeus e daqueles que haviam sido prosélitos da religião dos judeus. Muitos destes obtiveram conhecimento da verdade depois da época da mais amarga perseguição. Na ocasião em que se escreveu a carta aos hebreus, a congregação usufruía comparativa paz, porque Paulo lhes disse: “Ainda nunca resististes até o sangue.” (He 12:4) Todavia, o abrandamento da perseguição física, direta, até a morte, não significava que cessara a forte oposição dos líderes religiosos judeus. Os membros mais novos da congregação tinham de enfrentar a oposição do mesmo modo que os demais. E alguns outros eram imaturos, não tendo feito progresso em direção à madureza, o qual, em vista do tempo, já deveriam ter feito. (5:12) A oposição da parte dos judeus, com que se confrontavam diariamente, punha sua fé à prova. Eles tinham de desenvolver a qualidade da perseverança. — 12:1, 2.

O tempo estava-se esgotando para Jerusalém. Nem o apóstolo Paulo, nem os da congregação de Jerusalém, sabiam quando ocorreria a predita desolação, mas Deus sabia. (Lu 21:20-24; Da 9:24, 27) A situação exigia que os cristãos ali ficassem atentos e exercessem fé, para fugir da cidade quando vissem Jerusalém cercada por exércitos acampados. Todos na congregação precisavam fortalecer-se para estes eventos momentosos. Segundo a tradição, foi apenas uns cinco anos depois da escrita desta carta que as tropas de Céstio Galo atacaram a cidade e depois se retiraram. Quatro anos mais tarde, Jerusalém e seu templo foram arrasados pelos romanos sob o General Tito. Mas, antes de estes eventos ocorrerem, Deus havia providenciado o conselho inspirado de que seus servos precisavam.

Oposição judaica

Os líderes religiosos judeus, por meio de propaganda mentirosa, haviam feito tudo para suscitar ódio contra os seguidores de Cristo. Sua determinação de combater o cristianismo com todas as armas possíveis é demonstrado pelas suas ações, conforme registradas em Atos 22:22; 23:12-15, 23, 24; 24:1-4; 25:1-3. Eles e seus apoiadores hostilizavam constantemente os cristãos, pelo visto usando argumentos no empenho de quebrantar a lealdade deles a Cristo. Atacavam o cristianismo com o que para o judeu pareciam ser fortes argumentos, difíceis de refutar.

Naquele tempo, o judaísmo tinha muito para oferecer em sentido de coisas materiais, tangíveis, e de aparência externa. Os judeus talvez dissessem que estas coisas provavam que o judaísmo era superior e que o cristianismo era tolo. Ora, haviam dito a Jesus que a nação tinha por pai a Abraão, a quem se deram as promessas. (Jo 8:33, 39) Moisés, com quem Deus falara “boca a boca”, era o grande servo e profeta de Deus. (Núm 12:7, 8) Os judeus tinham desde o começo a Lei e as palavras dos profetas. ‘Não confirmaria a própria antiguidade que o judaísmo era a verdadeira religião?’ poderiam perguntar. Por ocasião da inauguração do pacto da Lei, Deus falara por meio de anjos; de fato, a Lei fora transmitida por meio de anjos, pela mão do mediador Moisés. (At 7:53; Gál 3:19) Nesta ocasião, Deus dera uma atemorizante demonstração de poder, por abalar o monte Sinai; o som alto de buzina, fumaça, trovões e relâmpagos acompanharam a demonstração gloriosa. — Êx 19:16-19; 20:18; He 12:18-21.

Além de todas estas coisas antigas, lá estava o magnífico templo, com seu sacerdócio instituído por Deus. Sacerdotes oficiavam no templo, manejando diariamente muitos sacrifícios. Junto com estas coisas, havia dispendiosas vestes sacerdotais e o esplendor dos ofícios realizados no templo. ‘Não ordenara o Senhor que os sacrifícios pelo pecado fossem trazidos ao santuário, e não entrava o sumo sacerdote, descendente do próprio irmão de Moisés, Arão, no Santíssimo, no Dia da Expiação, com um sacrifício pelos pecados da nação inteira? Nesta ocasião, não se chegava ele representativamente à própria presença de Deus?’, talvez argumentassem os judeus. (Le 16) ‘Além disso, não estavam os judeus de posse dum reino, com alguém (o Messias, que viria mais tarde, como diziam) para se sentar no trono em Jerusalém, a fim de governar?’

Se a carta aos hebreus estava sendo escrita para equipar os cristãos a responder a objeções realmente feitas pelos judeus, então os inimigos do cristianismo haviam argumentado do seguinte modo: ‘O que podia esta nova “heresia” apresentar como evidência da sua genuinidade e de ter o favor de Deus? Onde estava o seu templo, e seu sacerdócio? Ora, onde estava seu líder? Fora ele alguém de importância entre os líderes da nação durante a sua vida — este Jesus, um galileu, filho de carpinteiro, sem instrução rabínica? E não teve ele uma morte ignominiosa? Onde estava o reino dele? E quem eram seus apóstolos e seguidores? Meros pescadores e cobradores de impostos. Além disso, na maior parte, quem era atraído pelo cristianismo? Os pobres e humildes da terra, e, ainda pior, aceitavam-se gentios incircuncisos, que não eram da descendência de Abraão. Por que confiaria alguém neste Jesus, que fora morto como blasfemador e sedicioso? Por que escutar os discípulos dele, homens indoutos e comuns?’ — At 4:13.

A Superioridade do Cristianismo

Alguns cristãos imaturos talvez se tornassem negligentes para com a sua salvação por meio de Cristo. (He 2:1-4) Ou talvez fossem influenciados pelos judeus descrentes que os cercavam. O apóstolo, vindo em auxílio deles com argumentos magistrais e usando as Escrituras Hebraicas, nas quais os judeus afirmavam basear-se, mostra irrefutavelmente a superioridade do sistema de coisas cristão, e do sacerdócio e da realeza de Jesus Cristo. Demonstra biblicamente que Jesus Cristo é o Filho de Deus, maior do que os anjos (1:4-6), do que Abraão (7:1-7), do que Moisés (3:1-6) e do que os profetas (1:1, 2). De fato, Cristo é o designado herdeiro de todas as coisas, coroado de glória e honra, e designado sobre as obras das mãos de Deus. — 1:2; 2:7-9.

Quanto ao sacerdócio, o de Cristo é muito superior ao sacerdócio arônico da tribo de Levi. Não se baseia numa herança de carne pecaminosa, mas num juramento de Deus. (He 6:13-20; 7:5-17, 20-28) Então, por que suportou ele tantas dificuldades e teve uma morte de sofrimento? Isto foi predito como essencial para a salvação da humanidade, e para habilitá-lo como Sumo Sacerdote e como aquele a quem Deus sujeitaria todas as coisas. (2:8-10; 9:27, 28; compare isso com Is 53:12.) Ele tinha de se tornar carne e sangue, e tinha de morrer, a fim de emancipar todos aqueles que, pelo temor da morte, estavam em escravidão. Por meio da sua morte, ele pode reduzir a nada o Diabo, algo que nenhum sacerdote humano podia fazer. (He 2:14-16) Tendo sofrido assim, ele é um Sumo Sacerdote que pode compadecer-se das nossas fraquezas e pode vir em nosso auxílio, tendo sido posto à prova em todos os sentidos. — 2:17, 18; 4:15.

Além disso, argumenta o apóstolo, este Sumo Sacerdote “passou pelos céus” e apareceu na própria presença de Deus, não numa mera tenda ou construção terrestre, que apenas era representativa de coisas celestiais. (He 4:14; 8:1; 9:9, 10, 24) Ele precisava comparecer só uma vez com seu sacrifício perfeito, sem pecado, não vez após vez. (7:26-28; 9:25-28) Não tem sucessores, assim como tiveram os sacerdotes arônicos, mas vive para sempre, para salvar completamente aqueles a quem ministra. (7:15-17, 23-25) Cristo é o Mediador do pacto melhor, predito por meio de Jeremias, sob os quais os pecados podem realmente ser perdoados e a consciência purificada, coisas que a Lei nunca podia realizar. As Dez Palavras, as leis básicas do pacto da Lei, foram escritas em pedra; a lei do novo pacto, em corações. Esta palavra profética de Deus, por meio de Jeremias, tornava o pacto da Lei obsoleto, fazendo-o desaparecer com o tempo. — 8:6-13; Je 31:31-34; De 4:13; 10:4.

É verdade, continua o escritor de Hebreus, que em Sinai se manifestou uma exibição atemorizante de poder, demonstrando a aprovação do pacto da Lei por Deus. De forma muito mais vigorosa, porém, Deus deu testemunho na inauguração do novo pacto, com sinais, portentos e obras poderosas, junto com distribuições de espírito santo a todos os membros reunidos da congregação. (He 2:2-4; compare isso com At 2:1-4.) E, quanto ao Reinado de Cristo, seu trono está no próprio céu, muito acima daquele dos reis da linhagem de Davi, que se sentavam no trono na Jerusalém terrestre. (He 1:9) Deus é a base do trono de Cristo, e o seu Reino não pode ser abalado, assim como foi o reino em Jerusalém, em 607 AEC. (1:8; 12:28) Além disso, Deus tem ajuntado seu povo perante algo muito mais espantoso do que a exibição milagrosa no monte Sinai. Ele tem feito os cristãos ungidos chegar-se ao Monte Sião celestial, e ainda abalará não só a terra, mas também o céu. — 12:18-27.

A carta aos hebreus é de inestimável valor para os cristãos. Sem ela, muitas das realidades referentes a Cristo, conforme prefiguradas pela Lei, não estariam claras. Por exemplo, os judeus sempre souberam das Escrituras Hebraicas que, quando seu sumo sacerdote entrava no compartimento Santíssimo do santuário a favor deles, ele os representava perante Deus. Mas eles nunca souberam avaliar a seguinte realidade: Algum dia, o verdadeiro Sumo Sacerdote havia de aparecer nos céus na própria presença de Deus! E, ao lermos as Escrituras Hebraicas, como poderíamos dar-nos conta do enorme significado do relato do encontro de Abraão com Melquisedeque, ou entender tão claramente o que este rei-sacerdote tipificava? Isto, naturalmente, são apenas dois exemplos dentre as muitas realidades que chegamos a visualizar ao ler a carta.

A fé edificada pela carta ajuda os cristãos a se apegarem à sua esperança por meio da “demonstração evidente de realidades, embora não observadas”. (He 11:1) Numa época em que muitos se estribam na antiguidade, na riqueza material e no poder de organizações, no esplendor de ritos e cerimônias, e recorrem à sabedoria deste mundo, em vez de a Deus, a divinamente inspirada carta aos hebreus ajuda admiravelmente a tornar o homem de Deus “plenamente competente, completamente equipado para toda boa obra”. — 2Ti 3:16, 17.