Apocalipse 2 — Comentário Bíblico Online
Comentário Bíblico Online
Apocalipse 2
Em Ap 1, encontramos “as coisas que tens visto”
(1.19) — o passado. Em Ap 2;3, são registradas “as que são” — o presente. É
melhor entender essa seção como que descrevendo condições prevalecentes nas
sete igrejas da Ásia.
Muitos estudiosos encontraram aqui sete períodos
sucessivos da história da igreja. J. B. Smith apresenta um bom resumo dessa
interpretação. Éfeso retrata “o declínio primitivo do cristianismo
vital no término do primeiro século”, a perda do seu primeiro amor. Esmirna descreve
o período da perseguição, nos segundo e terceiro séculos. Pérgamo representa
“a união de igreja e estado sob o império de Constantino” (quarto século) com
sua consequente corrupção eclesiástica e moral. Tiatira descreve “o
domínio da hierarquia romana”, do quinto ao décimo quinto séculos. Sardes aponta
para “os dias da Reforma”, no décimo sexto século, em que “algumas pessoas
[...] não contaminaram suas vestes” (3.4). Filadélfia fala de “um período
de ortodoxia e evangelização por líderes tais como Wesley e Whitefield [século
décimo oitavo], quando todas as nações do mundo estavam de 'portas abertas'
para receber o Evangelho”. Laodiceia mostra “a apostasia do final dos
tempos numa linguagem muito parecida com a que foi apresentada por Jesus e os
apóstolos Paulo, Tiago, Pedro, João e Judas, acerca dos últimos dias”.1
Essa apostasia começou com a alta crítica germânica da Bíblia no décimo nono
século e alcançou o estágio alarmante representado pela posição da “morte de
Deus” reivindicada por teólogos em 1965.
Inquestionavelmente, há uma coincidência marcante
entre as sete cartas e a sequência dos períodos sugeridos. Mas provavelmente é
mais correto afirmar que todas as cartas reunidas constituem um quadro geral
das condições não só nas sete igrejas da Ásia no fim do primeiro século, mas
também em toda a trajetória do cristianismo durante toda a era da Igreja.
Com isso não estamos negando que certas características descritas nessas
mensagens eram mais dominantes em um período do que em outro.
As cartas apresentam uma estrutura bastante
equilibrada. Smith sugere uma divisão em sete partes para cada igreja: 1)
Proclamação; 2) Apresentação; 3) Declaração; 4) Aprovação; 5) Censura; 6)
Exortação; 7) Recompensa. Nós adotamos um esboço semelhante.
Duas das igrejas, Esmirna e Filadélfia, não recebem
uma palavra de desaprovação a respeito delas. Do lado oposto está Laodiceia,
com nenhuma palavra de aprovação. Kiddle observa: Duas igrejas, a primeira e a
última, são ameaçadas com a extinção completa, uma vez que cada uma carece de
qualidades essenciais para a confissão da fé cristã. Louvor inadequado é dado à
segunda e sexta igrejas. As três igrejas centrais são elogiadas e castigadas
em diferentes graus, porque em cada uma delas existe uma mistura de elementos
bons e maus; os fiéis recebem a promessa de recompensas e os infiéis são
ameaçados com os mais severos castigos”.2 Assim, parece haver um
plano propositado elaborado ao apresentar essas sete igrejas como
representantes das condições existentes em todas as igrejas.
A. CARTA À IGREJA DE ÉFESO, 2.1-7
1. Destino (2.1a)
A primeira carta foi escrita ao anjo (veja
comentários em 1.20) da igreja que está em Éfeso. Essa era a cidade principal
da província da Ásia, do lado oeste da Ásia Menor (veja mapa 1). Na época em
que João a escreveu, essa cidade era um grande porto, situado perto da boca do
rio Caister. Caravanas nas estradas romanas do norte, leste e sul convergiam
aqui, para deixar suas cargas em navios que velejavam para o oeste em direção a
Corinto ou mesmo até a Itália. Éfeso era uma metrópole agitada. Essa cidade era
a porta de entrada da Ásia. O procônsul precisava desembarcar aqui quando
iniciava o seu ofício como governador da Ásia. Ao mesmo tempo, ela era a
estrada principal para Roma. No início do segundo século, quando os cristãos
estavam sendo enviados por navio para Roma para alimentar os leões, Inácio
chamou Éfeso de a Rota dos Mártires.'
Politicamente, Éfeso era uma cidade livre. Isso
significava que ela desfrutava de uma medida considerável de autonomia
autônomo. Nessa cidade também ocorriam os famosos jogos anuais.
Na área da religião, Éfeso era o centro de adoração
de Ártemis (veja comentários em Atos 10.24-27, CBB, vol. VII, pp. 482-3). Seu
templo era uma das sete maravilhas do mundo antigo. Éfeso era chamada de “A Luz
da Ásia”. Contudo, ela era uma cidade pagã, repleta de trevas da superstição
pagã. Swete escreve: “A cidade era um canteiro de rituais e superstições, um
local de encontro do ocidente e do oriente, onde gregos, romanos e asiáticos se
acotovelavam nas ruas”.4
Por causa da sua importância estratégica, Paulo havia
passado mais tempo aqui (perto de três anos, At 20.31) do que em qualquer outro
lugar nas suas três viagens missionárias. Ele fez muitos convertidos, tanto
judeus quanto gentios (Atos 19.10) e construiu uma igreja forte. Nos anos 60
d.C., Timóteo foi colocado lá (1 Tm 1.3). A tradição da Igreja Primitiva afirma
que João passou os últimos anos da sua vida nesse terceiro grande centro do
cristianismo (depois de Jerusalém e Antioquia).
Hoje essa metrópole poderosa do passado é um monte de
ruínas. O rio Caister encheu o porto com lodo, de maneira que a cidade é
somente um pântano de juncos. O mar fica a cerca de dez quilômetros de
distância.
Há três razões lógicas para João escrever primeiro
para a igreja de Éfeso. a) Ela era a principal igreja na Ásia e estava situada
na principal cidade da província. b) Ela era a cidade mais próxima de
Patmos, a cerca de 100 quilômetros. Ela seria a primeira cidade a ser
alcançada pelo mensageiro que levava essas cartas. c) Ela era a
igreja-mãe de João. Nesse domingo pela manhã, o idoso apóstolo estava
indubitavelmente pensando acerca das necessidades e problemas dessa igreja, bem
como das outras seis igrejas que podem ter estado sob a sua jurisdição.
2. Autor (2.1b)
O Autor divino dessas sete cartas é Jesus Cristo. No
início de cada epístola, após a saudação, Ele é descrito de uma maneira
singular e que se ajusta à mensagem dessa carta. Cada vez o Autor é apresentado
com as palavras: Isto diz. Então segue a descrição do Senhor
glorificado. Swete diz o seguinte a respeito dessa fórmula introdutória: “Ela é
seguida em cada caso por uma descrição de um Locutor, em que Ele é caracterizado
por um ou mais dos aspectos da visão do capítulo 1 [...] ou por um ou mais dos
seus títulos [...] os aspectos ou títulos escolhidos parecem corresponder com
as circunstâncias da igreja a que a carta está sendo dirigida”.5
Mas, ele também observa: “Para a Igreja de Éfeso, a mãe das igrejas da Ásia, o
Senhor escreve debaixo de títulos que expressam sua relação com as igrejas em
gerar.'
Nesse versículo, Ele é descrito da seguinte maneira: aquele
que tem na sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de
ouro. Isso nos leva de volta à descrição de Cristo em 1.12-20. Embora os castiçais
(candelabros) sejam claramente identificados por Jesus como que
simbolizando as igrejas, a interpretação das estrelas como “anjos” é
explicada de maneira variada (veja comentários em 1.20). Devemos confessar que
temos uma forte afinidade com o ponto de vista apresentado por Richardson.
Depois de identificar os “anjos” como mensageiros e sete como que significando
“totalidade”, ele diz: “Todos os verdadeiros ministros de todas as igrejas
estão nas mãos de Cristo [...] À medida que Cristo se move no meio das igrejas,
Ele segura os ministros nas suas mãos”: Se essa interpretação pode ser aceita,
ela fornece grande consolo ao pastor sobrecarregado.
3. Aprovação (2.2-3, 6)
Deus nunca está desatento ao que fazemos por Ele.
Jesus diz à igreja de Éfeso: Eu sei (2). Sempre é um conforto lembrar
que nosso Senhor nos conhece corretamente.
A igreja de Éfeso é primeiramente elogiada por suas obras.
Encontramos isso novamente em Ap 2.19; 3.1, 8, 15. Trabalho (tropos)
é um termo forte. Barclay diz que ele descreve “trabalho até suar;
trabalho até ficar exausto; o tipo de labuta que suga toda a energia e mente
que um homem possui”.8
Paciência dificilmente é uma tradução adequada para a palavra grega aqui, que
significa “persistência imperturbável” (veja comentários em 1.9). Barclay
comenta: “Hupomone não é a paciência inflexível que resignadamente aceita as coisas, que curva sua cabeça quando preocupações
aparecem. Hupomone é a bravura corajosa que aceita sofrimento, privação
e perda e os transforma em graça e glória”.9
Smith faz uma observação interessante acerca desses
três termos usados aqui. Ele escreve: “Fé, esperança e amor lamentavelmente
estão faltando aqui. Contraste essa igreja com a de Tessalonicenses: Éfeso
tinha obras, mas não obras de fé; trabalho, mas não trabalho de amor;
paciência, mas não paciência de amor” (1 Ts 1.3).1° Ele então torna
essa declaração significativa: “Não é demais dizer que uma igreja pode ter
todas essas virtudes mencionadas e mesmo assim estar destituída de vida
espiritual”.” Poderíamos acrescentar o seguinte: e o mesmo vale para cada
indivíduo.
A igreja de Éfeso não era apenas diligente, mas
também cautelosa em termos de disciplina: ela não podia sofrer (“suportar”,
ARA; “tolerar”, NVI) os maus. Diferentemente de Corinto, ela não
tolerava o pecado dentro da igreja. Ela havia colocado à prova os que dizem
ser apóstolos e o não são e os havia achado mentirosos. A íntima
conexão dessas cláusulas sugere que os maus devem ser identificados com os
falsos apóstolos. Swete explica quem eram essas pessoas: “Os falsos mestres
afirmavam ser apostoloi num sentido mais amplo, mestres itinerantes com
uma missão que os colocava num nível mais elevado do que os anciãos locais”
(cf. 1 Co 12.28; Ef 4.11).12
Esses apóstolos itinerantes se tornaram um
verdadeiro problema na Igreja Primitiva. Evidentemente, era requerido que
levassem “cartas de recomendação” de alguma igreja estabelecida (2 Co 3.1). Em
sua primeira epístola, João adverte: “provai [testai] se os espíritos são de
Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1 Jo 4.1). O
Didaquê, escrita em meados do segundo século, relata como esses
itinerantes deveriam ser testados: “E cada apóstolo que vem a vocês, que seja
recebido como o Senhor; mas ele não deverá permanecer mais do que um dia; se,
no entanto, for necessário, que fique mais um dia; mas se permanecer três dias,
ele é falso profeta”.” Em outras palavras, ele não deve se aproveitar da
hospitalidade da igreja.
No melhor manuscrito grego, tens paciência (3)
vem antes de sofreste, que está conectado com pelo meu nome; ou
seja: “Vocês têm pacientemente sofrido por causa do meu nome”. E trabalhaste
pelo meu nome e não te cansaste no grego significa simplesmente: “e vocês
não têm desfalecido”. Os cristãos de Éfeso eram obreiros incansáveis.
Acerca da descrição da igreja em Éfeso, Ramsay
escreve: “O melhor comentário disso é encontrado na carta de Inácio aos
Efésios [...] As características que ele elogia na Igreja de Éfeso são as
mesmas que São João menciona [...] 'Devo ser treinado para a disputa convosco
na fé, na admoestação, na perseverança e na longanimidade' (v. 3): `porque
todos vós viveis de acordo com a verdade e nenhuma heresia tem se alojado no
meio de vós' (v. 6)”:4
A igreja em Éfeso é também aprovada porque aborrece as
obras dos nicolaítas (6). Não se sabe ao certo quem eram essas pessoas
(Eles são mencionados novamente no v. 15). Irineu (cerca de 180 d.C.) diz que
eles foram estabelecidos por Nicolau de Antioquia, mencionado em Atos 6.5. Mas
Clemente de Alexandria questiona isso. Depois de discutir as várias teorias,
Swete conclui: “Como um todo parece melhor aceitar a suposição de que um
partido levando esse nome existia na Ásia quando o Apocalipse foi escrito, quer
devesse sua origem a Nicolau de Antioquia, que não é improvável [...] ou a
algum outro falso mestre com esse nome”.”
Na expressão as quais eu também aborreço, Swete
faz esta observação pertinente: “Aborrecer obras más [...] é uma verdadeira
contrapartida do amor ao bem e ambos são divinos”.'
4. Censura (2.4)
O grande Cabeça da Igreja viu apenas uma coisa errada
na congregação em Éfeso. Embora essa congregação fosse ortodoxa, perseverante e
zelosa, ela carecia do amor. Sem isso, tudo o mais era em vão.
A tradução da KJV minimiza a seriedade da acusação ao
inserir em itálico a palavra somewhat (depois substituída por something,
que quer dizer “algo” ou “alguma coisa”). Isso distorce a afirmação do
original. O grego diz: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu
primeiro amor” (cf. ARA). Isso não era um insignificante “alguma coisa”. O
texto seguinte mostra que a situação era uma completa tragédia, requerendo um
remédio drástico.
Muitas vezes é dito que a igreja de Éfeso tinha “perdido”
seu primeiro amor. Mas, não é isso que o texto diz. Lemos: que deixaste [o
teu primeiro amor]. O verbo é aphiemi, que significa “deixar ir, mandar
embora, desistir, abandonar”. Tudo isso sugere uma negligência voluntária. É
por isso que se exigiu o arrependimento. Pecados de omissão podem ser tão
fatais em suas consequências quanto que pecados de ação.
O que era essa primeira caridade que a igreja
de Éfeso havia deixado? Quase todos os comentaristas concordam que a palavra primeira
precisa ser interpretada cronologicamente: esse era o amor da igreja primitiva em
Éfeso, especialmente durante os dias do ministério de Paulo ali (cf. At 19.20; 20.37).
A tentativa de alguns de interpretá-la qualitativamente como que significando “amor
de primeira classe” não parece encontrar apoio adequado na palavra grega usada
aqui. É verdade que ela pode significar “principal” ou “superior”. Mas a ideia
é de prioridade e não de qualidade.
O termo caridade (ou “amor”) é interpretado
pela maioria como significando “amor fraternal”. Os Pais gregos da Igreja
Primitiva acreditavam que a referência era à falta
de cuidado pelos irmãos pobres. Outros associam essa
passagem a Jeremias 2.2, em que Deus acusa Israel de ter esquecido “do teu amor
quando noiva”. Isto é, os Efésios haviam deixado o seu amor por Cristo. A
melhor proposta é a posição inclusiva de Charles R. Erdman: “Esse era o amor
por Cristo e o amor pelos companheiros cristãos. Os dois aspectos são
inseparáveis”.'
Inevitavelmente aparece uma pergunta: Porventura, o
zelo da igreja de Éfeso na sua defesa pela ortodoxia contribuiu para a perda do
amor? Isso é bem provável. Ao
defender a verdade e disciplinar membros instáveis, é
fácil desenvolver um espírito severo e crítico que acaba destruindo o amor. E,
com frequência, quando o calor do amor divino desaparece, as pessoas tornam-se
mais zelosas na luta por doutrinas e padrões ortodoxos. Esse é um perigo contra
o qual todos devem vigiar.
5. Exortação (2.5)
O primeiro passo de volta para Deus é: Lembra-te (5).
Lembra-te dos dias passados de bênção espiritual. Essa igreja tinha caído, não
meramente tropeçado. Ela estava abatida. Esse era o caso do filho pródigo, de
um modo geral. Mas ele lembrou-se (Lc 15.17) e voltou.
De que maneira essa igreja poderia se levantar outra
vez? A resposta é: arrepende-te. Isso significa “mude sua mente” (veja
comentários em Mt 3.2, BBC, vol. VI, pp. 42-3). Então pratica as
primeiras obras; isto é, creia e obedeça. Hebreus 6.1 fala do “fundamento
do arrependimento [...] e de fé em Deus”. Essa é evidentemente a combinação
aqui. Swete ressalta que lembra-te, arrepende-te e pratica “obedecem
aos três estágios na história da conversão”.'
Se a igreja de Éfeso rejeitasse ou falhasse em se
arrepender e praticar as primeiras obras, Jesus advertiu: brevemente
a ti virei e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres. Isto
é, a igreja de Éfeso deixaria de existir como congregação cristã. Isso
finalmente ocorreu em uma época posterior, mas a advertência foi evidentemente
anunciada naquela época. Cerca de 20 anos mais tarde Inácio escreveu aos
Efésios: “Dei as boas-vindas à sua igreja que se tornou tão estimada entre nós
por causa da sua natureza honesta, marcada pela fé em Jesus Cristo, nosso Salvador,
e pelo amor a Ele”.19
A igreja teria uma oportunidade justificada de se
arrepender. Swete observa que a palavra grega para tirarei pode ser
entendida como indicando “ponderação e calma judicial; não haveria um
extermínio em um momento de raiva, mas um movimento que acabaria na perda do
lugar que a Igreja tinha sido chamada a cumprir; a não ser que houvesse uma
mudança para melhor, as primeiras sete lâmpadas da Ásia desapareceriam”.20
6. Convite (2.7a)
A exortação Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito
diz às igrejas ocorre em cada uma das sete cartas. Nas três primeiras, a
exortação precede a promessa ao vencedor. Nas últimas quatro, a exortação vem
após a promessa. Veja também 13.9.
Esse é um eco das palavras de Jesus nos evangelhos,
quando ele diz: “Quem tem ouvidos para ouvir ouça” (Mt 11.15; 13.9, 43; Mac 4.9,
23; Lc 8.8; 14.35).
7. Recompensa (2.7b)
Em cada carta há uma promessa para aquele que vence. O
verbo ocorre frequentemente no livro de Apocalipse, cujo tema principal é a
Igreja, por meio de Cristo, vencendo todo mal. Swete diz que o termo indica “
'o vencedor', o membro vitorioso da Igreja, como tal, à parte de todas as circunstância”.21
A promessa aqui para o vencedor é que ele terá o
direito de comer da árvore da vida. Adão falhou quando testado e perdeu
esse direito. Agora esse direito é prometido àqueles que serão fiéis diante da
tentação. Swete comenta: “Comer da árvore é desfrutar de tudo o que a vida
futura tem a oferecer para a humanidade redimida”.22
A palavra paraíso obviamente nos leva de volta
ao Éden, onde a árvore da vida é mencionada primeiramente como estando “no meio
do jardim” (Gn 2.9). Agora lemos que ela está no meio do paraíso de Deus. Acerca
do significado desse termo Swete observa: “O 'Paraíso' do N.T. ou é o
estado dos mortos abençoados (Lc 23.43) ou uma esfera supramundana identificada
com o terceiro céu para o qual as pessoas chegam em um êxtase (2 Co 12.2ss);
ou, como aqui, a alegria final dos santos na presença de Deus e de Cristo” 23
Na mensagem para Éfeso vemos: 1) A insuficiência das
obras (vv. 2,3); 2) A necessidade do amor (v. 4); 3) A natureza do
arrependimento (v. 5).
B. CARTA À IGREJA DE ESMIRNA, 2.8-11
1.
Destino (2.8a)
Esmirna concorria com Éfeso pela honra de ser chamada “a principal cidade da
Ásia” e a “metrópole”. Assim, ela logicamente vem em segundo lugar na lista
aqui. A cidade, chamada “a Beleza da Ásia”, estava situada na ponta do bem
protegido golfo, com um excelente porto (veja mapa 1). Ela se aproximava de
Éfeso no que tange ao volume do comércio de exportação. Ela continua sendo uma
grande cidade, a única das sete que atualmente é próspera. Hoje, “os figos de
Esmirna” são vendidos em todo o mundo.
A igreja lá foi aparentemente fundada quando Paulo
estava pregando em Éfeso (Atos 19.10). Ela continuou sendo um forte centro
eclesiástico por vários séculos. A Izmir moderna tem uma população de cerca de
trezentos mil habitantes.
2.
Autor (2.8b)
Cristo é aqui identificado como o Primeiro e o
Último. Já encontramos essa expressão em 1.17. Ele então é descrito como
Aquele que foi morto e reviveu, ou “que esteve morto e tornou a viver”
(ARA). Isso também lembra 1.18: “fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o
sempre”. A referência claramente é à crucificação e ressurreição de Cristo.
Mas essas palavras tinham uma relevância peculiar na
carta à igreja de Esmirna. Porque essa cidade havia morrido e tornou a viver.
Strabo diz que os lídios destruíram o lugar e por cerca quatrocentos anos não
houve cidade ali, apenas algumas vilas espalhadas. Ramsay observa: “Todos os
leitores de Esmirna certamente seriam sensibilizados à impressionante analogia
com a história primitiva de sua própria cidade”.'
3.
Aprovação (2.9)
Mais uma vez Cristo diz: Eu sei. Essas
palavras descrevem tanto conforto quanto advertência.
A palavra obras não está no melhor manuscrito
grego. Duas coisas são mencionadas: tribulação e pobreza. Aparentemente,
tribulação gerou pobreza (cf. v. 10). Hebreus 10.34 diz: “Porque também vos
compadecestes dos que estavam nas prisões e com gozo permitistes a espoliação
dos vossos bens, sabendo que, em vós mesmos, tendes nos céus uma possessão
melhor e permanente”. Em uma situação semelhante em Esmirna, parece que bandos
judeus e pagãos estavam saqueando a propriedade dos cristãos.
A palavra grega para tribulação (thlipsis)
é forte, significando “pressionado” ou “espremido”. Tribulação vem do latim
tribulum, que significa uma debulhadora, usada para debulhar os grãos.
Assim, temos duas figuras. A palavra grega sugere a figura de um lagar, no qual
o suco das uvas era espremido. A palavra latina transmite a figura do grão
sendo batido com urna vara, para tirar os grãos da casca. Juntos, eles sugerem
a natureza da tribulação. É uma questão de pressão e golpes.
Embora exteriormente a igreja em Esmirna fosse
caracterizada pela pobreza, ela era, na verdade, rica. Materialmente
pobre, espiritualmente rica — essa combinação é observada mais de uma vez no
Novo Testamento.
Jesus também conhecia a blasfêmia dos que se dizem
judeus e não o são. Paulo escreveu aos Romanos: “Porque não é judeu o que o
é exteriormente [...] Mas é judeu o que o é no interior” (Rm 2.28-29). Esses
perseguidores em Esmirna eram judeus por raça e religião, mas não eram
verdadeiros filhos de Abraão. Que os judeus perseguiram os cristãos é
amplamente evidenciado no livro de Atos, bem como nos escritos do segundo
século de Justino, o Mártir, e Tertuliano. Os judeus odiavam de uma maneira
especial os convertidos do judaísmo ao cristianismo.' Ao se opor ao evangelho,
eles com frequência recorriam à blasfêmia (cf. Atos 13.45). A palavra
grega blasphemia significava “difamação” quando dirigida aos homens,
mas blasfêmia quando dirigida a Deus. Aqui provavelmente significava as
duas coisas.
A história do martírio de Policarpo em Esmirna é
especialmente relevante. Os judeus chegaram a superar os pagãos em seu ódio e
zelo. Eles acusaram Policarpo de hostilizar a religião do estado. Esses
inimigos, “com uma ira incontrolável gritavam em alta voz: 'Esse é o mestre da
Ásia, o pai dos cristãos, o demolidor dos nossos deuses, que ensina a muitos
que não se deve sacrificar nem adorar' “. Embora fosse num sábado, eles
juntaram madeira para queimar Policarpo vivo.”
À luz dessa atitude hostil não é de surpreender que
os judeus sejam chamados de a sinagoga de Satanás. Por causa da oposição
dos judeus, os cristãos evitaram o uso da palavra sinagogue e preferiram
ecclesia (gr., assembleia) para suas congregações. O único texto no
Novo Testamento em que sinagogue é usado para identificar uma assembleia
cristã se encontra em Tiago 2.2. Isso pode ter sido escrito antes que a
perseguição judaica aos cristãos se tornasse generalizada.
É uma coincidência interessante que a expressão sinagoga
de Satanás ocorra somente aqui e na carta à igreja de Filadélfia. Essas
são as duas únicas cartas sem uma palavra de censura. Assim, na mensagem a essa
igreja passamos diretamente da aprovação para a exortação.
4. Exortação (2.10)
A igreja em Esmirna é admoestada: Nada temas das
coisas que hás de padecer. Coisas piores aguardavam essa congregação: Eis
que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados. Isso
mostra que os judeus se uniriam às autoridades pagãs na perseguição. Ambos
seriam instigados pelo diabo. Era ele que, em última análise, lançava os
cristãos na prisão. Tentados significa “testados”. O verbo grego era
usado para testar metais no fogo, para certificar-se de que não apresentavam
impurezas. Da mesma maneira, as almas dos crentes seriam testadas na fornalha
da aflição.
A tribulação (perseguição) duraria dez
dias. Essa expressão indica um breve período (cf. Dn 1.12, 14). Swete
comenta: “O número dez provavelmente é escolhido porque, embora seja suficiente
para sugerir a continuidade do sofrimento, ele aponta para um final que está se
aproximando”.” Deus cuidaria para que não sofressem acima do que poderiam
suportar. Se fossem fiéis até à morte — provavelmente uma alusão
ao martírio — receberiam a coroa da vida. A palavra grega para coroa
não é diadema, significando coroa real, mas stephanos, a
coroa do vitorioso. Apropriadamente, Estêvão (gr., Stephanos), o
primeiro mártir cristão, tinha esse nome. Provavelmente, a frase coroa da
vida significa que a coroa é vida eterna (genitivo epexegético).”
5. Convite (2.11a)
Aqui novamente encontramos a exortação-convite: Quem
tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. A mensagem de advertência era
necessária não só para os crentes em Esmirna, mas para todos os cristãos em
todos os lugares.
6. Recompensa (2.11b)
A promessa para o vencedor aqui, como no caso de
todas as sete cartas, é apropriada para a mensagem visando a uma igreja em
particular. Mesmo se esses fiéis de Esmirna tivessem de sofrer morte física por
causa de Cristo, eles nunca seriam feridos pela segunda morte — isto é, a
morte espiritual. Essa expressão impressionante ocorre novamente em 20.6, 14 e
21.8, onde ela é identificada como o lago de fogo, o lugar do castigo eterno. A
frase também é encontrada nos Targuns judaicos (paráfrases aramaicas do
Hebraico do AT). Não receberá o dano é negativo duplo no grego: “de modo nenhum”.
Tem sido sugerido (Pulpit Bible) que essa
carta transmite “Palavras de Regozijo de um Salvador Reinante para uma Igreja
Sofredora”: 1) Um Salvador vivo acima de todos (v. 8); 2) Um Salvador vivo
conhecendo tudo (v. 9a); 3) Um Salvador vivo avaliando a todos: tu és rico; 4)
um Salvador vivo antevendo tudo (v. 10); 5) Um Salvador vivo limitando tudo:
dez dias; 6) Um Salvador vivo encorajando a todos (v. 10a); 7) Um Salvador
prometendo vida no fim de tudo (v. 10b).
C. CARTA À IGREJA DE PÉRGAMO, 2.12-17
1. Destinatário (2.12a)
Esmirna ficava a cerca de 55 quilômetros de distância
de Éfeso. A rota adiante é descrita por Swete: “Depois de deixar Esmirna, a
estrada de Éfeso seguia a costa por cerca de 65 quilômetros e então subia em
direção ao nordeste para o vale de Caicus, por mais 25 quilômetros, onde ficava
a cidade de Pérgamo [veja mapa 1]”.”
A localização física de Pérgamo era notória. Ramsay
escreve: “Mais do que qualquer outro lugar na Ásia Menor, essa cidade dá ao viajante
a impressão de uma cidade majestosa, o lar da autoridade; o monte rochoso no
qual se localiza é enorme e domina a imensa planície do Caicus de maneira
orgulhosa e ousada”3° Charles diz: “A cidade mais antiga foi
construída num monte, a 350 metros de altura, que se tornou o lugar da acrópole
e de muitas das principais construções da cidade posterior”.31
No início do século terceiro a.C., foi fundado o
reino de Pérgamo. Em 133 a.C., o rei Atalus III deixou seu reino para os
romanos. Eles o transformaram na província da Ásia. Ramsay diz: “Pérgamo era a
capital oficial da província por dois séculos e meio: a tal ponto que a sua
história como a base de autoridade suprema sobre um imenso país durou cerca de
quatro séculos e não havia chegado ao fim quando as sete cartas foram escritas”.”
2. Autor (2.12b)
Dessa vez Cristo é descrito como aquele que tem a
espada aguda de dois fios (cf. 1.16). A razão dessa referência à espada é vista
claramente em 1.16. Ela deve ser o instrumento de julgamento contra os hereges
na igreja de Pérgamo.
Há também uma outra razão para essa identificação do
autor. Ramsay observa: “Na avaliação romana a espada era o símbolo da ordem
mais elevada de autoridade oficial com a qual o procônsul da Ásia era
investido. O 'direito da espada' [...] podia ser equivalente ao que
chamamos hoje de poder sobre a vida e a morte”.'
3.
Aprovação (2.13)
Mais uma vez (cf. v. 9) tuas obras não se
encontra no melhor texto grego, que traz: “Eu sei onde habitas”. Lá ficava o
trono de Satanás. A palavra grega para trono é thronos.
Por que Pérgamo é chamado de lugar do trono de
Satanás? A resposta é que era o centro de adoração ao imperador da Ásia.
Ramsay escreve: “O primeiro (e por um tempo considerável o único) templo provincial do culto
imperial na Ásia foi construído em Pérgamo em honra a Roma e Augusto (provavelmente 29
a.C.). Um segundo templo foi construído ali em honra a Trajano e um terceiro em
honra a Severo. Assim, Pérgamo, foi a primeira cidade a ter a honra de ser a guardiã do
templo uma ou duas vezes na religião do Estado; e mesmo a terceira vez como
guardiã do templo ocorreu alguns anos antes do que a vez de Éfeso”.' Assim,
aqui Satanás representa “o poder e a autoridade oficial que está em oposição
com a Igreja”?'
R. H. Charles resume bem a situação. Ele diz: “Atrás
da cidade no primeiro século d.C. ergueu-se um enorme monte cuniforme, com 350
metros de altura, coberto de templos e altares pagãos, que, em contraste com o “monte
de Deus”, de acordo com Isaías 14.13 e Ezequiel 28.14, 16 e chamado de “o trono de
Deus” em 1 Enoque 25.3, apareceu ao vidente como o trono de Satanás, uma vez
que era o lugar de muitos cultos idólatras, mas acima de todo o culto imperial, que ameaçava com
aniquilação a própria existência da Igreja. Recusar-se a participar desse culto
constituía uma séria traição ao Estado”?' O segundo item na aprovação ou
louvor da igreja em Pérgamo é: e reténs o meu nome e não negaste a minha fé.
Quando as autoridades romanas exigiram que os cristãos proclamassem: “César é Senhor”, eles
respondiam: “Jesus é Senhor” (cf. 1 Co 12.3). Eles permaneceram firmes, ainda
nos dias de Antipas, minha fiel testemunha (martys, “meu fiel
mártir”, KJV). No segundo século, martys (genitivo, martyros) recebeu o significado técnico de “mártir”. Há uma
discussão em torno do significado dessa palavra nesse texto. Alguns entendem
que martys deveria ser traduzido por mártir, ao passo que outros
entendem que ela deveria significar testemunha. De qualquer forma, essa
testemunha foi morta. Apesar das lendas, nada se sabe ao certo a respeito de
Antipas além do que é informado nessa passagem.
O qual foi morto entre vós não indica necessariamente que Antipas era um membro
da igreja de Pérgamo. Ramsay diz que “muitos mártires foram levados a juízo e
condenados ali que não eram de Pérgamo. Prisioneiros eram
trazidos de todas as partes da província de Pérgamo para julgamento e
condenação diante da autoridade que possuía o direito da espada [...] o poder
da vida e da morte, a saber, o procônsul romano da Ásia”.'
4.
Censura (2.14,15)
O Cabeça da
Igreja tem algumas coisas contra a congregação de Pérgamo. A primeira é: tens
lá os que seguem a doutrina de Balaão (14). Como em todo o Novo Testamento,
doutrina (didache) deveria ser traduzida por “ensinamento”.
Balaão é
descrito como aquele que ensinava Balaque a lançar tropeços diante dos
filhos de Israel para que comessem dos sacrifícios da idolatria e se prostituíssem.
Essa declaração preenche um pequeno hiato no relato do Antigo Testamento.
Lá lemos que Balaão foi chamado por Balaque, rei de Moabe, para amaldiçoar os
israelitas, a quem temia (Nm 22.1-24.25). Quando Deus não permitiu que o
profeta amaldiçoasse seu povo, evidentemente Balaão sugeriu uma maneira
indireta de trazer a maldição divina sobre Israel. Isso é indicado em Números
21.16, em que Moisés disse às mulheres de Moabe: “Eis que estas foram as que,
por conselho de Balaão, deram ocasião aos filhos de Israel de prevaricar contra
o SENHOR, no negócio de Peor, pelo que houve aquela praga entre a congregação
do SENHOR”. O “negócio de Peor” era uma combinação de idolatria e imoralidade (Nm
25.1-9), como podemos ler em Apocalipse. O que o relato deixa mais claro aqui é
o fato de Balaão ter aconselhado Balaque a fazer com que suas mulheres seduzissem
os homens israelitas nesses dois pecados. O esquema funcionou bem demais.
Balaão também é mencionado em 2 Pedro 2.15 e Judas 11.
A palavra grega para tropeços (scandalon; cf.
escândalo) foi primeiramente usada para a isca de uma armadilha e, em seguida,
para a própria armadilha. Isso se encaixa perfeitamente na figura aqui. Balaque
preparou uma armadilha para os israelitas e eles foram apanhados nela. Swete
comenta: “As mulheres de Moabe foram deliberadamente lançadas no caminho dos
homens israelitas, que não suspeitavam de nada, na esperança de causar a ruína
deles”.' Lenski traduziu a expressão aqui: “lançar uma armadilha diante dos
filhos de Israel”.39
Pelo que tudo indica, havia alguns membros na igreja
em Pérgamo que procuraram convencer os membros a aceitar os costumes pagãos
para evitar perseguição. Eles defenderam a ideia de comer nos templos pagãos e
participar na adoração aos ídolos, o que incluía prostituir-se com as “virgens”
do templo. É possível que tenham dito que o que alguém faz com o corpo não
afeta a sua alma. O fato de comer carne sacrificada aos ídolos já tinha se
tornado um problema em Corinto, onde Paulo tratou disso (1 Co 8). Essa era uma
questão vital no primeiro século.
Como em Éfeso,” havia em Pérgamo alguns nicolaítas
(15). Em relação à sua doutrina (ensinamento) veja os comentários
no versículo 6. Smith acredita que nicolaítas significa “aliciadores dos
leigos” e que a descrição de Pérgamo prefigura o surgimento da hierarquia papal
na igreja católica romana.'
5. Exortação (2.16)
Os cristãos de Pérgamo, como também os de Éfeso, são
ordenados a arrepender-se (veja comentários acerca do versículo 5). O
arrependimento era a única coisa que poderia evitar o julgamento severo — quando
não, em breve virei a ti e contra eles batalharei com a espada da minha boca. Swete
escreve: “O Cristo glorificado nesse livro é um Guerreiro, que batalha com a
espada afiada da palavra” (cf. 1.16; 19.13-16).42
A situação em Pérgamo era pior do que em Éfeso. Jesus
disse o seguinte à igreja de Éfeso: “que aborreces as obras dos nicolaítas” (v.
6). Para Pérgamo Ele escreveu: “tens também os que seguem a doutrina dos
nicolaítas, o que eu aborreço”. A mudança de “aborreces” para “tens” e de “obras”
para “doutrinas” provavelmente é significativa. Agora os nicolaítas estavam
dentro da igreja e seus ensinamentos destrutivos estavam sendo aceitos por
alguns. Se a igreja não se arrepender imediatamente (aoristo), Cristo virá (lit.: “Eu estou vindo”, presente profético) em
breve para o julgamento. Não havia tempo para perder. Batalharei (futuro)
literalmente significa: “promoverá guerra”. Esses nicolaítas eram os inimigos
de Cristo e do cristianismo. Tanto Lenski43 quanto Charles' entendem
que os seguidores de Balaão e os nicolaítas constituíam o mesmo grupo.
6.
Convite (2.17a)
Joseph Seiss apresenta um tratamento tríplice em
relação ao texto: Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. 1)
“Uma repreensão solene àqueles que se chamam de cristãos, mas raramente, ou
nunca, abrem a sua Bíblia para estudá-la”; 2) “Tudo que diz respeito à salvação
depende de profunda atenção à palavra divina e o uso diligente dos nossos
privilégios, de ouvir, assinalar, aprender e digerir interiormente o que ela
contém”; 3) “Todos têm a capacidade de prestar atenção e, assim, cabe a cada um
usar essa capacidade”.”
7.
Recompensa (2.17b)
Alguns dos crentes professos de Pérgamo evidentemente
estavam celebrando nos templos pagãos. Mas aos vencedores fiéis, Cristo promete
que irão comer do maná escondido. A alusão parece referir-se ao vaso de
ouro de maná na arca no antigo Tabernáculo (Êx 16.33; Hb 9.4). Havia uma
tradição entre os judeus de que a arca foi escondida por Jeremias na caverna do
monte Sinai, onde não seria descoberta “até que Deus reunisse novamente as
pessoas e mostrasse a sua misericórdia” (2 Macabeus 2.7).46
Charles acredita que o texto aqui se refere ao maná
celestial descrito pelos rabis como sendo moído para os justos. Ele diz: “De
acordo com 2 Baruque 29.8, o tesouro do maná deveria descer do céu durante o
Reino Messiânico, e os bem-aventurados deveriam comer dele”.” Ele também
escreve: “O 'maná escondido' provavelmente significa os dons espirituais
diretos que a Igreja triunfante receberá em uma medida excelente da comunhão
íntima com Cristo”.” Mas, será que esse maná escondido não significa
também “comunhão íntima com Cristo” no presente, alimentando nossas almas do
Pão da Vida?
Ao vencedor também se promete uma pedra branca. O
que essa expressão significa? Charles alista cinco interpretações que têm sido
sugeridas: “1) A pedra branca usada pelos jurados, significando absolvição...
2) A psephos que permitia àquele que a recebia um acolhimento livre
[...] [nas] assembleias reais [...] Portanto, ela era considerada um bilhete de
admissão para a festa celestial. 3) As pedras preciosas que, de acordo com a
tradição rabínica, caíam junto com o maná... 4) As pedras preciosas no peitoral
do sumo sacerdote levando os nomes das Doze Tribos. 5) A pedra branca era
considerada um símbolo da felicidade”.”
Charles não acha qualquer uma dessas explicações
satisfatória: “Ou a psephos não é branca ou não tem nenhuma inscrição
nela”.” Ele busca analisar o pano de fundo das superstições populares daquela
época.
Incluído no problema está o significado do novo
nome inscrito na pedra. Swete faz a sugestão útil de que a referência pode
ser às “pedras gravadas que eram empregadas para propósitos mágicos e traziam
nomes misticos”.51 Atos 19.19 indica que a magia era comum na cidade
de Éfeso. Swete acrescenta: “A mágica divina, que grava na vida e no caráter
humano o Nome de Deus e de Cristo, é colocado em contraste com as imitações
baratas que fascinavam a sociedade pagã”.52 Em 3.12, Jesus diz para
o vencedor da igreja de Filadélfia: “E escreverei sobre ele o nome do meu Deus”.
Ramsay acha que a pedra significa o aspecto
imperecível do nome. Ele escreve: “O nome que foi escrito na pedra branca se
tornava imediatamente o nome do cristão vitorioso e o nome de Deus [...]
Pérgamo e Filadélfia são as duas igrejas elogiadas. Delas se diz
respectivamente: 'retens o meu nome' e: 'não negaste o meu nome'; e elas são
recompensadas com o novo nome, que é ao mesmo tempo o nome de Deus e o seu próprio
nome, uma possessão eterna, conhecida somente por aqueles que o possuíam [...]
eles não serão meramente 'cristãos', o povo de Cristo; eles serão o povo da
sua nova personalidade como Ele é revelado daqui por diante em glória, levando
esse novo nome da sua gloriosa revelação”.” A palavra grega para novo não
é neos, que significa “recente” em origem, mas kainos, que
significa “fresco” em qualidade. “O 'nome' cristão, i.e., o caráter da vida
interior que o evangelho inspira, possui a propriedade da eterna juventude,
nunca perdendo seu poder e sua alegria”.”
D. CARTA À IGREJA DE TIATIRA,
2.18-29
1. Destinatário (2.18a)
Cerca de 65 quilômetros a sudeste de Pérgamo ficava Tiatira.
Era uma cidade da Lídia, perto da fronteira com a Mísia (veja mapa 1).
Construída por Seleuco I, fundador da dinastia dos Selêucidas, ela foi povoada
pelos veteranos das campanhas de Alexandre, o Grande, na Ásia. Em torno de 190
a.C., Tiatira foi tomada pelos romanos. Embora tivesse um centro comercial
próspero, era muito inferior ao de Éfeso, Esmirna, e Pérgamo. Charles observa: “A
carta mais longa foi dirigida à cidade menos importante das Sete Cidades”.55
Evidentemente, havia judeus ali, porque Atos 16.14 menciona “Lídia, vendedora
de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus”. Parece que na época ela
era uma prosélita convertida ao judaísmo.
A igreja em Tiatira evidentemente era pequena.
Fala-se que ela desapareceu no fim do segundo século.
2. Autor (2.18b)
O autor dessa carta se identifica como o Filho de
Deus, uma frase encontrada somente aqui no livro de Apocalipse. Jesus
reivindicou esse título durante o seu tempo aqui na terra (Mt 11.27; Lc 10.22)
e aprovou Pedro por professá-lo (Mt 16.16,17). Foi por causa dessa afirmação
que Jesus foi condenado pelo Sinédrio (Mt 26.63; Jo 19.7).
Cristo é descrito como Aquele que tem os olhos
como chama de fogo e os pés semelhantes ao latão reluzente. Encontramos
aqui um eco de 1.14,15. A adequação da caracterização dupla é expressa da
seguinte forma por Swete: “Essa menção dos olhos que flamejam com indignação
justa e os pés que podem pisotear os inimigos da verdade prepara o leitor para
o tom severo da declaração que se segue”.' Erdman se expressa de forma ainda
mais sucinta: “Assim, ele é capaz de penetrar nos segredos de todos os corações
e ele tem poder para castigar e subjugar”.57 Esses olhos flamejantes
penetram e descobrem todo engano da hipocrisia. Nas Escrituras, o latão frequentemente
é o símbolo do julgamento.
3. Aprovação (2.19)
As palavras desse versículo na KJV obviamente estão
incorretas, porque apresentam uma lista começando e terminando com tuas
obras — uma repetição sem significado. Além disso, o melhor texto grego
traz fé antes de serviço. A RSV apresenta uma tradução correta: “Conheço
as suas obras, o seu amor, a sua fé, o seu serviço e a sua perseverança, e que
suas últimas obras excedem as primeiras”.” A New English Bible traz: “Vocês
agora estão fazendo ainda melhor do que no princípio”.
Cristo tinha elogiado a igreja de Éfeso pelas suas obras.
Mas a igreja de Tiatira estava um passo à frente. Ela é cumprimentada pela
sua caridade. A palavra grega é ágape e sempre deveria ser
traduzida por “amor”. Caridade representa os caritas da Vulgata
latina, a Bíblia oficial da igreja católica romana. Hoje, caridade significa
um espírito de tolerância ou dar aos necessitados. Ágape é um termo
muito mais rico do que isso. As pessoas do mundo também podem ser filantrópicas
ou tolerantes. Mas ágape é o amor divino implantado no coração humano e
que flui em um serviço abnegado e sacrificial aos outros.
A palavra grega pistis pode significar ou fé
ou “fidelidade” (NEB). Não se sabe exatamente qual das duas palavras se tem
em mente aqui. Talvez a melhor saída é permitir os dois significados (cf.
Phillips, “lealdade”).
Serviço é diakonia. Beyer diz que
essa palavra significa “qualquer 'realização de serviço' feito com amor genuíno”.”
Lenski define diakonia como “serviço voluntário para o beneficio e a
ajuda daqueles que precisam dele e realizado liberalmente”.”
Paciência (hypomone) significa mais
do que o suportar passivo de privações ou provações. Essa palavra significa, na
verdade, uma constância ou persistência (“perseverança”, NASB) positiva.
Devido à prolongada censura que se segue, é
surpreendente que uma aprovação tão entusiástica é dada a essa igreja. Swete
comenta: “É digno de observação que nessas cartas às igrejas o elogio é
apresentado com mais liberalidade, se é que pode ser feito com justiça, quando
segue a censura; diz-se mais acerca das boas obras das igrejas de Éfeso e
Tiatira, do que das igrejas de Esmirna e Filadélfia, em que não se encontra
falta alguma”.61 Essa característica está de acordo com a
psicologia sadia, que aconselha a dizer tudo que é positivo antes de se chamar
a atenção das faltas da outra pessoa.
4. Censura (2.20-23)
A primeira parte do versículo 20 deveria ser
traduzida da seguinte forma: “No entanto, contra você tenho isto: que você
tolera a mulher Jezabel” (RSV, NASB).” A tolerância do mal era o pecado
constante da igreja de Tiatira. Jezabel é provavelmente um nome
simbólico — “Essa mulher, Jezabel”.” A referência é obviamente à esposa de Acabe,
que seduziu os israelitas a adorar Baal (1 Rs 16.31). Também são mencionados
suas “prostituições” e “feitiçarias” (2 Rs 9.22). Uma vez que alguns
manuscritos e versões antigas trazem “tua mulher Jezabel” (i.e., “tua esposa
Jezabel”), Grotius (século dezessete) sugere que o autor fala da esposa do
bispo de Tiatira. Mas essa noção é hoje quase universalmente rejeitada.
Duesterdieck diz que se tem “uma mulher específica em mente; não a esposa de um
bispo, nem uma mulher que é, de fato, chamada Jezabel, mas uma determinada
mulher que diante da ambição de ser uma profetisa tinha aprovado as doutrinas
dos nicolaítas e por esse motivo foi escolhida a nova Jezabel”.' Isso provavelmente
representa a opinião da maioria hoje.
Não era incomum ter uma profetisa na Igreja
Primitiva (cf. Act 21.9). No Antigo Testamento, diversas mulheres recebem esse
título (e.g., Miriã, Débora, Hulda). O único lugar no Novo Testamento em que prophetis
(fem.) ocorre é Lucas 2.36 (Ana).
A falsa profetisa de Tiatira estava sendo
tolerada para que ensine e engane os meus servos, para que se prostituam e
comam dos sacrifícios da idolatria. Essas duas coisas são atribuídas aos
seguidores de Balaão (e nicolaítas?) em Pérgamo (v. 14; veja comentários).
Tiatira era conhecida pelas suas inúmeras associações
comerciais. Isso gerava um problema especial. Charles escreve: “Agora, visto
que a participação de alguma dessas associações [...] não significava essencialmente
nada além de participar de uma refeição em comum, que era dedicada
indubitavelmente a algum deus pagão, mas que era exatamente por isso sem
sentido para o cristão iluminado; beneficiar-se desse tipo de participação era
considerado em certos círculos liberais algo bastante justificável.'
Por razões comerciais ou sociais, parecia quase
imperativo pertencer a alguma associação. Mas, acredita-se que essas reuniões
comerciais frequentemente acabavam em orgias e bebedeiras. Por isso, a
referência à prostituição. Essa profetisa estava defendendo uma atitude
moral e religiosamente liberal.
Evidentemente, uma advertência peremptória foi dada a
essa Jezabel, mas ela tinha se recusado a se arrepender (v. 21), i.e., mudar
sua opinião e caminhos. Portanto, o Senhor deve lidar com ela severamente. Por
causa da sua prostituição Ele a colocaria numa cama (22). Essa
expressão é somente uma de muitas, que mostram a tendência de João, que, embora
escrevesse em grego, pensava em formas hebraicas. (Cf. nota de rodapé 12 na
Introdução). Referente a essa frase, Charles escreve: “Se a traduzirmos
literalmente para o hebraico, descobriremos que temos aqui uma expressão
idiomática hebraica [...] 'ficar preso à cama', 'ficar doente' (Êx 21.18):
consequentemente, 'colocar numa cama' significa 'colocar num leito de
enfermidade”.'
E sobre os que adulteram com ela virá grande
tribulação, deve provavelmente ser
entendido como um paralelismo hebraico. Adulteraram provavelmente
significa adultério espiritual. Mas a porta da misericórdia continua aberta --
se não se arrependerem das suas obras. Arrependimento genuíno sempre
coloca o julgamento de lado.
Recusa contínua de se arrepender resulta em mais
castigo severo: E ferirei de morte a seus filhos (23). Provavelmente, seus
filhos significa: “sua descendência espiritual, como distintos daqueles
que foram enganados por um tempo”.' Ferirei de morte é um hebraísmo
típico. Ele significa “matar” (ARA, NVI).
Essa seria uma advertência para todas as igrejas. Elas
saberão que eu sou aquele que sonda as mentes e os corações (cf. Jr
11.20; 17.10). Mentes (palavra grega somente encontrada aqui no NT)
literalmente significa “os rins”; isto é, “os movimentos da vontade e afeições”.”
Corações na psicologia hebraica referia-se especialmente aos
pensamentos. O olhar do Onisciente penetra até o mais profundo do intelecto,
emoções e vontade do homem.
O julgamento divino sempre é justo. Cada um receberá
segundo as suas obras (cf. Rm 2.6).
5. Exortação (2.24,25)
Há uma palavra de conforto aos restantes que estão
em Tiatira (24) — talvez a maior parte dos membros — e que não aceitaram a doutrina
(ensinamento) de Jezabel, e não conheceram [...] as profundezas de
Satanás. Para os gnósticos do segundo século, a expressão “as coisas
profundas” era uma frase favorita. Eles reivindicavam um conhecimento esotérico
que era desconhecido pelas pessoas não iniciadas.
Duas interpretações têm sido apresentadas acerca das profundezas
de Satanás. Uma é que os nicolaítas escarneciam do restante dos cristãos
como aqueles que não conheciam as coisas profundas de Deus; mas essas, na
verdade, se referiam às coisas profundas de Satanás. A outra diz que os
seguidores de Jezabel, na realidade, se vangloriavam em conhecer as
profundezas de Satanás. “Esses falsos mestres entendiam que o homem
espiritual deveria conhecer as coisas profundas de Satanás e que ele deveria
tomar parte da vida pagã da comunidade. Duas das características mais salientes
dessa vida pagã eram suas festas sacrificiais e suas práticas imorais.” Muitos
gnósticos de épocas posteriores afirmavam que, visto que toda a matéria é má e
somente o espírito é bom, não importa o que alguém faça com o seu corpo; sua
alma continua pura. As duas interpretações acima podem ser aplicadas às
doutrinas de mestres imorais de Tiatira.
Como dizem significa “como as chamam”. Paulo falou dos mistérios profundos da
verdade divina (cf. Rm 11.33; Ef 3.18). Esses falsos mestres estavam
distorcendo essa ideia.
Para aqueles que permaneceram leais à fé, Cristo
declarou: outra carga vos não porei. Provavelmente, isso esteja
relacionado com o versículo 25: Mas o que tendes, retende-o até que eu
venha. Charles interpreta isso assim: “Definitivamente, dominem (kratesate)
com firmeza as tarefas incumbidas a vocês, e afastem-se completamente das
festas sacrificiais dos pagãos e das perversidades morais que praticam”.” Ele
acha que outra carga se refere aos decretos apostólicos de Atos 15.28.
Mas muitos comentaristas questionam isso. Parece duvidoso que esses decretos
ainda seriam mencionados numa época bem posterior.
6. Recompensa (2.26-28)
À frase recorrente ao que vencer (26) é
acrescentado aqui: e guardar até ao fim as minhas obras. Swete observa: “Em
Tiatira, a batalha precisava ser vencida pela adesão resoluta às 'obras de
Cristo', i.e., à pureza da vida cristã, em oposição às 'obras de Jezabel'
A recompensa prometida é: eu lhe darei poder (exousia,
autoridade) sobre as nações. O Cristo glorificado compartilhará a
sua autoridade com seus seguidores fiéis. A linguagem dessa cláusula e o
que segue no versículo seguinte são tirados de Salmos 2.8-9, que era
interpretado como um salmo messiânico pelos judeus do século I a.C., de acordo
com Salmos de Salomão (uma obra apócrifa).
A palavra regerá (27) literalmente significa “pastorear”.
Assim, a vara de ferro se refere ao cajado do pastor, com a ponta de
ferro para torná-la uma arma adequada contra os inimigos ou animais selvagens.
Os ímpios são comparados com vasos de oleiro que serão quebrados. Embora
essas palavras possam ter alguma aplicação à influência da Igreja no mundo
atual, é óbvio que o seu cumprimento final aguarda o retorno de Cristo. Como
também recebi de meu Pai é um eco de Salmos 2.7 e Atos 2.33.
Na declaração dar-lhe-ei a estrela da manhã (28),
há uma expectativa de 22.16: “Eu sou a Raiz e a Geração de Davi, a
resplandecente Estrela da manhã”. A maior recompensa que qualquer cristão
vitorioso pode receber é o próprio Cristo. Sua presença será o céu em sua glória
mais elevada.
7. Convite (2.29)
Nas três últimas cartas, esse convite precedeu a
promessa ao vencedor. Nessa e nas três cartas seguintes ela segue a promessa. Alguém sugeriu (Pulpit
Commentary) que essa carta revela “A Ira do Cordeiro”: 1) Sua realidade (v.
18); 2) Sua severidade (vv. 22-23); 3) Sua omissão (v. 21); 4) Sua justiça (v.
20); 5) Sua discriminação (vv. 24-25).
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