Apocalipse 5 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 5 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 5
No capítulo 4, vimos Deus sentado no seu trono
eterno, recebendo louvor perpétuo. No capítulo 5, encontramos Cristo, o
Cordeiro, revelado como Redentor divino.
a) O livro selado (5.1-5). O Eterno,
sentado no seu trono, tinha em sua mão direita um livro (1). A palavra
grega é biblion — lit.: “feito de papiro” — de onde vem a “Bíblia”. Ela
significa um “rolo” ou “pergaminho” (veja comentários em 1.11). Esse rolo foi escrito
por dentro e por fora. Geralmente, a escrita aparecia somente por dentro,
onde as tiras de papiro corriam horizontalmente. Mas, ocasionalmente, também se
escrevia do lado de fora, onde seria difícil escrever nas tiras
perpendiculares. Folhas de papiro (de onde vêm o “papel”) eram elaboradas ao se
colarem tiras de papiro horizontais sobre tiras verticais. Esse é o material no
qual a maior parte do Novo Testamento, se não todo ele, foi originariamente
escrito. Nossos manuscritos gregos mais antigos, do terceiro século, são de
papiro.
Esse rolo foi selado com sete selos. Selado é
o particípio passivo perfeito de um verbo composto, sugerindo que ele foi “completamente
selado”, ou “selado firmemente”. Esse aspecto é reforçado com a menção dos sete
selos, o número da perfeição ou inteireza.
Alguns acreditam que os sete selos se referem
a um costume legal daquela época. Charles os descreve como: “Uma resolução, de
acordo com o Testamento Pretoriano, na lei romana trazia os sete selos das sete
testemunhas nos fios que seguravam as tabuinhas ou o pergaminho [...] Esse
Testamento não podia ser executado até que todos os sete selos tivessem sido
quebrados”.”
Qual livro João tinha visto? Muitas respostas
têm sido apresentadas a essa pergunta. Simcox resume algumas delas. Ele
escreve: “O ponto de vista tradicional, se de fato existe um, desse
livro selado é que ele representa o Antigo Testamento, ou de forma mais geral,
as profecias das Escrituras, que só se tornam compreensíveis com o seu
cumprimento em Cristo”.” Rejeitando isso, ele continua: “Muitos comentaristas
pós-Reforma, tanto romanos quanto protestantes, têm considerado o livro como o
próprio Apocalipse”.' Ele acrescenta: “A maioria dos comentaristas modernos
generaliza e entende que este é o Livro dos conselhos de Deus”.'Simcox prefere
interpretá-lo como o Livro da Vida (20.12; 21.27).
O ponto de vista
mais comumente aceito relaciona esse livro com as “coisas que depois destas
devem acontecer” (4.1); isto é: Apocalipse 4-22. Charles escreve: “O rolo
contém os decretos divinos e os destinos do mundo [...] Em outras palavras, o
livro é uma profecia das coisas que ocorrem antes do fim”.” Ele acrescenta: “Que
esse livro é selado com sete selos mostra que os conselhos e julgamentos
divinos que ele contêm são um segredo profundo [...] que somente pode ser
revelado pela mediação do Cordeiro”.' Swete o chama simplesmente de “Livro do Destino”.25
Erdman diz: “Ele contém todos os decretos de Deus, um esboço de todos os
eventos até o fim dos tempos. Os capítulos seguintes revelarão esses conteúdos”.'
E vi (2)
torna-se uma frase recorrente (cf. 5.1; 6.1; 7.1; 8.2; 9.1; 10.1), introduzindo
novos aspectos. Com grande voz, alcançando todo o universo, um
anjo forte (cf. 10; 18.21) proclamou: Quem é digno de abrir o livro e de
desatar os seus selos? A quebra dos selos necessariamente precederia a
abertura do livro, mas a abertura é colocada primeiro porque é o principal
objeto procurado.
Num primeiro momento, a proclamação em alta voz não
foi respondida: E ninguém no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia
abrir o livro, nem olhar para ele (3). Ninguém (oudeis) claramente
inclui seres angélicos e humanos.
Essa situação desagradável incomodava João
grandemente. Ele diz: E eu chorava muito, porque ninguém fora achado digno (apto)
de abrir o livro (4).
Mas o problema agonizante foi logo resolvido. Um dos
anciãos disse a João para parar de chorar. Havia boas-novas: o Leão da tribo
de Judá, a Raiz de Davi [...] venceu para abrir o livro (5). O primeiro
desses títulos para Cristo nos leva de volta ao tempo em que Jacó abençoou seus
doze filhos. Ele descreveu Judá como um “leãozinho” ou filhote (Gn 49.9). Mas
Jesus foi o supremo Leão dessa tribo. Ele também foi a Raiz de Davi (cf.
22.16). Essa expressão é um eco de Isaías 11.1,10; também citado em parte em Romanos
15.12. E um termo messiânico. No período intertestamentário parecia que a casa
de Davi tinha morrido. Em Cristo reapareceu.
Venceu (enikesen) vem de nike,
“vitória” (cf. Phillips — “obteve a vitória”). Charles comenta: “Enikesen
deve ser entendido aqui, como sempre na LXX e no NT, de forma absoluta.
Esse termo expressa que de uma vez por todas Cristo venceu [...] e o propósito
dessa vitória era capacitá-lo a abrir o livro do destino e levar a história do
mundo até os seus estágios finais [...] A vitória tinha sido obtida por meio da
sua morte e ressurreição”.”
b)
O Cordeiro
morto (5.6-7). Um Leão tinha sido anunciado, mas uni
Cordeiro (6) apareceu. Esse é um dos paradoxos de Cristo. Os judeus
esperavam que seu Messias fosse “o Leão da tribo de Judá”. O que eles não
perceberam foi que Ele precisa ser primeiro “o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (Jo 1.29).
Por causa da menção do Cordeiro [...] morto, alguns
interpretam o “livro” desse capítulo como que se referindo à redenção. Straus
declara: “O assunto do rolo selado é a redençao”.28
A palavra grega para Cordeiro (arnion) é usada
para Cristo vinte e sete vezes no Apocalipse. Literalmente, ela significa “cordeirinho”.”
No entanto, Jeremias observa que nos tempos do Novo Testamento ela não tem mais
a força de um diminuitivo.30
Embora um cordeiro geralmente traga consigo a ideia
de desamparo e fraqueza, esse Cordeiro tinha sete pontas, significando
poder perfeito, e sete olhos, indicando conhecimento perfeito. Ele é
onipotente e onisciente. Os sete olhos são então identificados como
sendo os sete Espíritos de Deus enviados a toda a terra.” Isso significa
o Espírito Santo (veja comentários em 1.4).
O versículo 7 é traduzido literalmente da seguinte
forma: “E veio e tomou da mão direita do que estava sentado no trono”. Assim
João descreve com bastante realismo a ação enquanto ela ocorre. Mas, obviamente
o livro precisa ser suprido como objeto e algum copiador posterior o
inseriu.
c)
A companhia que
canta (5.8-14). Quando o Cordeiro pegou o rolo, as quatro
criaturas viventes e os vinte e quatro anciãos (veja comentários em 4.4, 6) prostraram-se
diante dele (8). Todos eles — talvez apenas os anciãos” — tinham harpas.
O melhor texto grego está no singular: “Cada um tendo uma cítara” (ou
lira). Eles também tinham salvas de ouro cheias de incenso. O incenso
simboliza as orações dos santos. Swete nota que o uso de incenso em
algumas igrejas nos tempos modernos, talvez com base nessa passagem, não tem
apoio dos Pais da igreja dos três primeiros séculos.
Eles cantavam um novo cântico (9). Christina
Rossetti habilmente disse: “O céu é revelado à terra como a pátria da música”.”
A expressão um novo cântico ocorre uma série de vezes nos Salmos (33.3;
40.3; 96.1; 98.1; 144.9; 149.1). Ela também é encontrada em Isaías 42.10.
O hino que se segue é um hino de adoração a Cristo, o
Redentor. Ele era digno (cf. v. 2) de tomar o livro e de abrir os
seus selos. Por quê? Porque foste morto e com o teu sangue compraste
para Deus. A ideia de que somos comprados da escravidão do pecado com o
sangue de Cristo é de grande importância no Novo Testamento. Essa é a redenção,
o tema central da Bíblia. Somos comprados para Deus; portanto,
pertencemos a Ele. Não está escrito de quem fomos comprados; a ênfase
está por quem e para quem. Essa redenção se estende a toda a
humanidade, às pessoas de toda tribo, e língua, e povo, e nação — “representantes
de cada nacionalidade, sem distinção de raça ou posição geográfica ou política”.'
Pela sua redenção graciosa, Cristo os fez reis e
sacerdotes para o nosso Deus (10). Essa combinação das funções real
e sacerdotal do crente é encontrada diversas vezes no Novo Testamento. Ela já
ocorreu em 1.6 e voltará a ocorrer em 20.6. Pedro usa a expressão “o sacerdócio
real” (1 Pe 2.9). Que privilégio sublime!
Eles reinarão sobre a terra parece apontar para o reino do milênio. A KJV traz: “Nós
reinaremos sobre a terra”. Mas muitos estudiosos (incluindo Swete e Charles) entendem
que a tradução aqui deve ser: Eles reinarão. Mesmo isso poderia ser
tomado como um presente profético. Há um sentido no qual os santos reinam com
Cristo agora. Mas o cumprimento mais amplo olha para o futuro.
Swete ressalta o significado dos versículos 9-10: “O
'novo cântico' reclama para Jesus Cristo o lugar singular que Ele tomou na história
do mundo. Por meio de um ato supremo de abnegação Ele comprou homens de todas
as raças e nacionalidades para o serviço de Deus, fundou um vasto império
espiritual e transformou a vida humana em um serviço sacerdotal e uma dignidade
real”.'
Os versículos 9,10 mostram “A Morte de Jesus Cristo”
como: 1) Uma morte sacrificial — com o teu sangue; 2) Uma morte
libertadora — nos compraste; 3) Uma morte universalmente expiatória — de
toda tribo; 4) Uma morte eficaz — os (nos) fizeste.
E olhei (11) é o mesmo no grego que “e vi” nos versículos 1 e 2. Dessa vez o
vidente também ouviu a voz de muitos anjos ao redor do trono. O número
deles era de milhões de milhões (gr., myriadas myriadon, “dez
milhares de dez milhares”) e milhares de milhares (chiliades chiliadon).
As mesmas duas expressões, só que na ordem inversa, são encontradas em
Daniel 7.10. É uma típica linguagem apocalíptica, ressaltando a grandeza e
majestade de Deus.
A grande voz (12) sugere um grito em vez de um
cântico. As miríades de anjos clamavam: Digno é o Cordeiro, que foi morto,
de receber o poder, e riquezas, e
sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de
graças. Essa expressão é quase duplicada em 7.12. Uma sétupla
descrição semelhante de honra é encontrada em 1 Crônicas 29.11-12. A lista de sete
itens sugere perfeição de poder e glória.
Toda criatura (13) participou nessa adoração a Deus e ao Cordeiro. Quatro habitações
são mencionadas — que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e [...]
no mar. O último item é acrescentado ao “universo de três andares”
costumeiro (cf. v. 3). Toda criação estava engajada em louvar o Pai e o Filho.
Charles comenta: “Assim, o universo de coisas criadas, os habitantes do céu, da
terra, do mar e do Hades, se unem na parte final do louvor diante do trono de
Deus”.”
Quatro itens de louvor são mencionados aqui, em
comparação com os sete mencionados no versículo 12. Mas no grego, o artigo é
repetido com cada um dos quatro itens, dessa forma ressaltando os diversos
itens para a ênfase individual. Ações de graça é eulogia. Quando
aplicada a Deus, como aqui, essa palavra significa “louvor”. Honra (time)
sugere primazia. Glória (doxa) fala do “esplendor” de Deus,
um brilho que irradia da sua presença. Poder não é dynamis, mas kratos,
que significa “força” ou “vigor” (“might” em inglês).
As quatro criaturas viventes disseram: Amém (14),
confirmando a doxologia anterior. Os vinte e quatro anciãos tomaram parte da
adoração ao Eterno no trono.
Charles sugere que
há quatro maneiras de o Amém ser usado no livro de Apocalipse: 1) “O amém
inicial no qual as palavras do falante anterior são referidas e aceitas como se
fossem as suas próprias palavras”, como em 5.14; 7.12; 19.4; 22.20; 2) “o amém
separado”, como aqui; 3) “o amém final sem mudança de orador”, como em 1.6,7;
4) “o Amém”, como um nome aplicado a Deus em 3.14.
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