Lucas 10 — Estudo Devocional

Lucas 10 

Lucas 10 apresenta um capítulo que destaca a importância da compaixão, humildade e missão na vida de um discípulo. Através das histórias do Bom Samaritano e de Maria e Marta, bem como da comissão dos setenta e dois por Jesus, somos convidados a refletir sobre as nossas prioridades, as nossas interações com os outros e o nosso papel na divulgação da mensagem do reino de Deus.

O capítulo começa com a conhecida parábola do Bom Samaritano. Esta história desafia nossa compreensão da compaixão e do amor ao próximo. A disposição do samaritano em ajudar um estranho ferido demonstra a essência da verdadeira compaixão, que transcende as fronteiras sociais, culturais e religiosas. Esta parábola convida-nos a examinar as nossas atitudes para com os necessitados e encoraja-nos a estender amor e cuidado a todos, sem reservas.

O relato de Maria e Marta oferece uma lição sobre prioridades e discipulado. Marta está preocupada em servir, enquanto Maria escolhe sentar-se aos pés de Jesus e ouvir Seus ensinamentos. A resposta de Jesus destaca a importância de focar no eterno e não no temporal. Esta história nos incentiva a cultivar um coração que prioriza passar tempo na presença de Jesus, permitindo que Seus ensinamentos moldem nossas vidas e ações.

A comissão dos setenta e dois discípulos por parte de Jesus enfatiza ainda mais o tema da missão. Ele os envia adiante Dele para preparar o caminho para Sua chegada. Esta missão envolve proclamar o reino de Deus, curar os enfermos e compartilhar a mensagem de paz. As experiências dos discípulos ilustram que o trabalho de difusão do Evangelho requer tanto dependência da provisão de Deus como um sentido de urgência.

Lucas 10 nos convida a avaliar a condição de nossos corações e a direção de nossas vidas. Estamos praticando compaixão e amor genuínos para com os necessitados, independentemente de sua origem? Estamos priorizando passar tempo na presença de Jesus, permitindo que Seus ensinamentos moldem nossas atitudes e ações? Estamos ativamente empenhados na missão de difundir o Evangelho, tanto através das nossas palavras como dos nossos atos?

Ao contemplarmos Lucas 10, abracemos um coração compassivo que alcança aqueles que nos rodeiam, independentemente das diferenças. Cultivemos uma devoção a Jesus que priorize o tempo gasto em Sua presença, absorvendo Seus ensinamentos e permitindo que eles nos transformem. E respondamos ao apelo para participar na missão de partilhar o reino de Deus, sendo agentes de cura, reconciliação e paz num mundo que tanto precisa disso.

Devocional

10.1-9 escolheu... e os enviou de dois em dois. Da mesma forma que os setenta e dois discípulos (ou setenta, em duplas), todo cristão tem uma missão a cumprir. Ter uma missão e ter consciência dela é em si uma bênção, já que ela serve como uma bússola para guiar nossos passos, como um critério para orientar nossas decisões, e proporciona um dos elementos mais importantes para a boa saúde psicológica e espiritual: oferece um sentido para a vida. a fim de que fossem adiante dele. Tal como com João Batista, a missão de um discípulo é preparar o caminho para Jesus. Essa tarefa não se faz sozinho. Os discípulos são enviados em duplas, para cuidarem um do outro, protegerem-se e serem testemunhas da obra de Deus. A missão não é fácil, pode envolver perigo e sacrifício, requer um estilo de vida simples e total dependência de Deus. E seu cumprimento é urgente, porque estamos em pleno tempo de colheita, e também porque Jesus virá em breve. É Deus quem faz o chamado — e a todos nós compete orar para que chame e envie cada vez mais gente.

10.10-16 Ai de você, cidade de Corazim! O que Jesus diz sobre as cidades que não creram não precisa ser interpretado como uma ameaça de vingança da parte de Deus. Ele mesmo manda que amemos nossos inimigos. As palavras duras de Jesus podem ser vistas como a descrição daquilo que acontece a quem — pessoa ou cidade — rejeita seus ensinamentos. Se estes são o caminho para a felicidade, para a vida abundante, rejeitá-los equivale a tentar construir um edifício em completo desprezo pelas leis da engenharia: o resultado será fatalmente a ruína.

10.17-20 os setenta e dois voltam muito alegres. O  cumprimento da missão produz alegria e reconhecimento. Os discípulos são reassegurados por Jesus de seu cuidado e proteção, do poder que receberam para triunfar contra as forças do mal e, acima de tudo, de que seus nomes estão escritos no livro da vida. Essa missão não é impossível: pode ser cumprida porque aquele que envia também prepara, e o reconhecimento do trabalho feito já está documentado de antemão, está escrito no céu. Jesus afirma que ter o nome escrito no céu, ou seja, ser reconhecido como um cidadão do Reino de Deus, é muito mais importante, e é motivo de maior alegria do que qualquer sinal, milagre ou outra demonstração de poder — afinal, estes são feitos por Deus, não pelos discípulos. Nosso vínculo com Deus merece ser festejado.

10.21-24 Jesus ficou muito alegre. A beleza da natureza de Deus se mostra no fato de que ele se revela aos pobres, humildes e desfavorecidos, e não aos eruditos e estudiosos, e Jesus, num encontro da Trindade, sente muita alegria por isso. Não é necessário anos de estudo para ter um relacionamento com Deus. Por causa de Jesus, aqueles pescadores galileus eram mais privilegiados do que todos os heróis do Antigo Testamento!

10.25-28 Ame o Senhor... ame o seu próximo. Jesus aprova a afirmação do mestre da Lei de que amar a Deus e ao próximo constituem o resumo e o fundamento de tudo o que as Escrituras Sagradas ensinam. Sem esse amor, como o apóstolo Paulo também enfatizará (ICo 13), qualquer forma de prática religiosa será apenas uma casca vazia. Veja o quadro "O que é o amor" (IJo 3).

10.29-37 querendo se desculpar. O problema é que não amamos tanto assim a Deus, muito menos ao próximo; ciente disso, o mestre da Lei tenta com uma pergunta desviar o foco de si. Como resposta, ouve a parábola do bom samaritano, que ilustra com riqueza de detalhes o significado do amor ao próximo, indicando inclusive quem pode ser esse próximo, ou seja, alguém que pertence a um grupo de pessoas que o meu próprio grupo despreza. E não podemos amar a Deus sem amar ao próximo. Para podermos ser próximos, necessitamos de olhos para ver, ouvidos para ouvir, um coração compassivo para sentir a dor do outro, uma mão pronta para ajudar ao necessitado — sem levar em conta sua cor de pele, condição social ou religião — e estarmos dispostos a investir nosso tempo e recursos a favor do próximo.

10.38-41 Marta o recebeu na casa dela. As duas irmãs desejam fazer duas coisas que são importantes para todo discípulo: servir e escutar ao Mestre. Já tinham feito isso antes, mas esta ocasião é especial, com a visita de Jesus. Marta, na preocupação por servir bem a Jesus, não se dá conta do que ele realmente quer: Jesus preferia comer com mais simplicidade e ter mais tempo com ambas sentadas a seus pés. O que foi que Maria notou que Marta não conseguiu perceber para corresponder à necessidade do Mestre? A comunicação sem palavras do olhar, o tom e calor da voz, o modo de andar e falar? Um dos fatores mais importantes para a saúde mental é ter uma noção sobre o que é realmente importante na vida. Isso não é fácil e alcançá-lo requer oração, reflexão, capacidade de parar para ouvir. Vivendo em uma sociedade que atribui excessivo valor às atividades produtivas, precisamos estar atentos ao ensino de Jesus, que nos revela como escolher — como Maria — aquelas coisas que são as melhores e que ninguém pode nos tomar. É interessante observar como essas duas irmãs foram transformadas por sua amizade com Jesus, como se pode notar em outro jantar que lhe oferecerão cerca de um ano depois, narrado em Jo 12 (veja Jo 12.2-3 nota). Veja o quadro "Como Jesus cuidava das pessoas".

Como Jesus cuidava das pessoas
Cuidado-surpresa

Uma das características do cuidado que Jesus praticava era o de surpreender a pessoa com suas atitudes — relembrem Marta e Maria (Lc 10.38), Zaqueu (Lc 19.1), a mulher que ungiu Jesus (Lc 7.36), a samaritana no poço (Jo 4). Isto quer dizer que ele não se deixa prender pelas expectativas que as pessoas projetam sobre ele.

Com este surpreender, Jesus traz para a frente o que estava na margem: a "boa parte" de Maria, irmã de Marta; o coração sofredor de Zaqueu; o amor da mulher que o ungiu; a sede interna da mulher do poço. Mostrar o que está oculto lembra as parábolas que Jesus contou sobre encontrar o que estava perdido em Lc 15.

As ações de Jesus Cristo consagram-no como aquele que cuida do nosso ser, e resgata em nós o que estava perdido, oculto pelas aparências, pelas defesas. Podemos dizer que Jesus ressalta coisas que as pessoas já não percebem mais. Mas atenção: o cuidado de Jesus não é no sentido de revelar o pecado oculto; não, muito pelo contrário: seu alvo é revelar o afeto que estava oculto — a capacidade de amar, a sede de ser amado — como em todos aqueles exemplos.

Como consequência, o pecado até aparece, mas em outra dimensão que não a da acusação: o pecado é ligado com o amor oculto, interpretado como desvio do alvo original, como tentativa falhada de buscar o que faltava — este é o significado do dinheiro de Zaqueu e dos maridos da samaritana (Jo 4).

Na psicanálise se diz que a cura acontece quando o sintoma é ligado ao conteúdo que estava reprimido, porque desta forma o sintoma perde o sentido. Algo semelhante acontece com as pessoas que são cuidadas por Jesus: Zaqueu devolve o dinheiro, a samaritana sabe do que tem sede, Marta reorienta seu desejo de adorar pelo servir.

O cuidado pela via do amor desmancha a carcaça de defesa que estas pessoas montaram ao redor de si e, desta forma, "pega-as pelo contrapé". Pode-se imaginar o que teria acontecido se Jesus tivesse ido pelo caminho — infelizmente muito comum nos meios cristãos — de denunciar diretamente o pecado: como seria a conversa com Zaqueu? E com a mulher do poço? Teria levado a este impacto? Resultaria em mudança de vida?

Mas o que estava por trás da atitude de Jesus? Será que é algo que podemos aprender, ou faz parte de capacidades sobrenaturais que só ele tem?

O Evangelho de João registra na oração de despedida de Jesus uma espécie de resumo do seu ministério e do que realmente importa: a vida eterna é esta: que eles conheçam a ti, que és o único Deus verdadeiro; e conheçam também Jesus Cristo, que enviaste ao mundo (Jo 17.3). O cuidado ministrado por Jesus tinha como objetivo maior revelar a Deus como aquele que tem o poder de reconectar a pessoa com sua essência e, desta forma, saciar a sede interior. Jesus não usava seu tempo para revelar o pecado em si, mas para mostrar o amor do Pai, e deixar que a percepção deste amor iniciasse a restauração e livrasse a pessoa dos caminhos insensatos.

Na verdade, muitas pessoas têm dificuldades em receber e dar amor. Este olhar crítico é característico de uma das doenças mais comuns dos tempos atuais: a neurose obsessiva. Teoricamente, trata-se de uma pessoa que regrediu na sua forma de lidar com o amor. Isto porque experimentou impulsos amorosos e agressivos intensos, que foram sentidos como ameaçadores, a ponto de precisarem ser reprimidos. Da combinação do amor reprimido e das defesas contra o reaparecimento do mesmo, resultaram estas características estranhas: a pessoa trata a si própria com um rigor torturante, preocupando-se até as minúcias para cumprir regras, acusa-se de tudo nos mínimos detalhes, controla a si e também aos outros, leva tudo para o plano intelectual, e assim não sente nem expressa afeto (veja o quadro "A neurose do medo de Deus", Lc 19).

Essa deformação neurótica também contamina a religiosidade: em vez de amor e alegria, há controle, repressão, medo do pecado, sufocamento do afeto, culpabilização de si e dos outros. Esse quadro combina com as denúncias feitas por Jesus contra os fariseus, a quem chamou de "sepulcros caiados" — pessoas que sufocaram os impulsos e descobriram sua vida. Por dentro há morte, há enrijecimento da vida, restando apenas o controle mecânico e o apego às regras. Esta é uma forma de distorção do amor. A religiosidade obsessiva, tão controladora de si e dos outros, expressa doentiamente, na forma de sintoma, a perda da conexão íntima com o "Aba Pai", o pai querido.

O cuidado de Cristo, portanto, quer ajudar a pessoa a perceber o amor do Pai e a reconectar-se com esta fonte de amor maior. Neste sentido Jesus se apresenta como via de religação: Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém pode chegar até o Pai a não ser por mim (Jo 14.6).

Cuidado-iconoclasta
O convite para se deixar amar nos leva para outra questão — qual é a imagem de Deus que construímos em nós? O terceiro mandamento, de não fazer para si imagens de Deus, tem de ser compreendido também simbolicamente: talvez não façamos esculturas de pedra ou metal, mas por vezes construímos imagens mentais de Deus mais duras que a rocha, tão frias que impedem que nós e as pessoas ao nosso redor percebam o amor do Pai.

No Templo de Jerusalém, o lugar da morada de Deus — o Santo dos Santos — era completamente escuro. Lá dentro acontecia o encontro com o Sagrado. Será que conseguimos nos despir das velhas imagens e encontrar Deus totalmente no escuro? Foi o que Maria fez ao aceitar a proposta aparentemente "indecente" do anjo de ficar grávida enquanto noiva, e dizer: "Faça-se em mim segundo a tua palavra."

Para experimentar a ausência de imagens, imagine-se caminhando de olhos vendados durante alguns minutos. Qual a sensação? Que temores e fantasias sobrevêm?

É difícil abrir mão das representações visíveis e seguras, ligadas a buscas de consolo durante o desamparo infantil. O convite da escuridão é para abandonarmos os canais de percepção costumeiros e nos abrirmos para outros modos de escutar, cheirar, tatear e saborear a presença de Deus.

O desafio maior será convidar outras pessoas a fazerem o mesmo, sem precisar que adorem a imagem mental esculpida por nós. Cuidar do desenvolvimento espiritual não é mostrar a nossa representação de Deus para o outro — isto somente Jesus podia fazer com fidedignidade — mas ajudar esta pessoa a se abrir para que Deus mesmo se revele pelo seu Espírito. O Espírito testifica ao nosso espírito quem é Deus.

Por causa destes riscos é muito arriscado nos fixarmos em práticas definidas por 'aconselhamento' — estas implicam muitas palavras da nossa parte; Maria disse: que aconteça comigo o que o senhor acabou de me dizer, mostrando a abertura para o novo.

Em psicanálise encontramos o alerta para que o terapeuta não influencie a pessoa com seu desejo, pois ela está depositando nele muito do seu amor e ódio infantil — está "transferindo" sobre ele estes sentimentos antigos, em clima de muita dependência. Isto coloca o terapeuta num lugar de muito poder e responsabilidade, e é preciso lidar com cuidado com este feixe de afetos.

Richard Rohr ressalta que o Deus-Pai do filho pródigo se parece mais com uma mãe — sempre disposta a acolher e a perdoar. O autor conclui que muitas atitudes de Jesus se mostram mais próximas do universo feminino que do masculino, e justamente por aparecerem num homem é que surpreenderam: untar o olho do cego com saliva e barro, tocar a língua com saliva, contar parábolas sobre situações domésticas, como fermento, lâmpada, se alegrar com as vizinhas, acolher o filho que estava perdido.

Considerando esse resgate das dimensões femininas do Evangelho, podemos nos perguntar: permitimos que nossa ternura seja usada para expressar os aspectos mais maternos de Deus? Encarnamos o "enxugar toda lágrima do olho" (Ap 21.4); o "colocar debaixo das asas como uma galinha" (Lc 13.34), o "deixar a alma amamentada" (Sl 131)? Veja quadro "Aprendendo a perfeição do Pai" (Mt 5).

Deus nos encontra no escuro das crises, e também ele próprio, através do seu Filho, passou por situações de extrema escuridão e desamparo. Cabe perguntar: quando estamos conversando com uma pessoa feita à imagem e semelhança de Deus, deixamos que nossa fala e gestos remetam ao processo materno de cuidar? Pela psicanálise, este é o caminho para o desenvolvimento da capacidade de gerar vida. Para crescer, a menina precisa abandonar a fantasia infantil de casar com o pai, renunciando a tê-lo exclusivamente para si. Ali inicia um longo caminho que consiste em voltar-se novamente para a mãe e identificar-se com ela e com sua fecundidade. Desta forma, a menina solidifica as características femininas e forma a base para crescer como mulher e mãe.

Para o menino; o desafio consiste em renunciar à pretensão infantil de ter a exclusividade do amor da mãe, e passar a se identificar com o pai e a desenvolver afetos mais maduros para com ambos. Alguns estudiosos apontam que o homem estaria mais inteiro se resgatasse sua ligação de ternura com a mãe, pois assim não precisaria mais desvalorizar o feminino como defesa perante ela. Se a característica divina de misericórdia se apoia na raiz da palavra útero, há um percurso a fazer no homem e na mulher, no resgate da capacidade procriadora e geradora.

Será que no desenvolvimento da fé madura conseguimos que a representação de Deus faça este longo caminho? Permitimos unir aos aspectos mais racionais também o nosso afeto? Deixamos que nosso ser — tanto homem quanto mulher — se vista de misericórdia (Cl 3.12)? Desenvolvemos estas qualidades de Jesus para que possamos cuidar amorosamente dos outros (como, por exemplo, Tito em 2Co 7.15)?

Nossa vida emocional está fundada em representações; o mandamento de não fazer imagens de Deus é uma tarefa impossível no plano mental, mas podemos nos conscientizar destas imagens ligadas à nossa história infantil e transformá-las, ao chegarmos sempre mais a Deus e conhecermos melhor quem ele é. Neste sentido ajudam a fala e o conhecimento dos próprios impulsos e idéias. Tornar consciente nossa representação de pai e de mãe, inclusive com suas deformações, pode ser um fator libertador, pois possibilita mudanças nos relacionamentos com o mundo interno e externo.

O cuidado cristão, isto é, o cuidado em nome de Cristo, trabalha para tornar consciente o amor que se escondeu em meio aos temores infantis, e assim possibilita que se chegue a imagens de Deus menos ligadas aos medos de retaliação e castigo. O cuidado cristão quer ajudar a aprofundar a ligação com o ABA-PAI — paizinho.

O pastor Oscar Pfister comentava que o acolhimento amoroso de Deus na parábola do filho pródigo mostrava uma regressão para aquela fase na infância quando a criança ainda não é tratada segundo o bem ou o mal que praticou, mas simplesmente é tratada com amor e bondade. São tempos nos quais pai e mãe apenas cuidam, sem impor condições. Este cuidado básico, cuidado-matriz, se situa no tempo e no espaço próximo à matriz--útero, e é a forma que melhor representa a misericórdia de Deus.

Cuidado de Consoladora
Como desenvolver esta capacidade? Jesus deu a conhecer o Pai por suas palavras, histórias, mas principalmente por estas atitudes surpreendentes. O falar corre o risco de alimentar a neurose obsessiva, pela racionalização, intelectualização e isolamento. É verdade que Deus nos deu a sua Palavra, mas além disso ele deixou algo bem mais vivo — primeiramente Jesus, a Palavra que se fez carne, e em seguida o seu Espírito.

Estranho à linguagem patriarcal, o Espírito Santo na verdade nunca é do gênero masculino: é um termo feminino na língua do Antigo Testamento, e de gênero neutro no Novo Testamento. Na falta de um termo ideal em português, vamos considerar com sendo a Consoladora que revela ao nosso espírito quem Deus é. Atitude feminina terna, um sopro, que remete a outro — o Pai. Ruah ("espírito" — feminino em hebraico), a Consoladora, remete ao papel de cuidador, de aconchego, de sopro de vida. Quem tem o Espírito não precisa de conselhos: precisa de alguém que o ajude a ouvir este Espírito falando a seu espírito, precisa de silêncio para escutar em si mesmo e na Palavra a voz que lhe ensina quem é Deus.

Neste sentido, a atitude de escutar mais do que falar parece mais indicada, pois ela confia que a pessoa tenha capacidade própria de discernir, e com isto deixa livre caminho para o Espírito Santo convencer o espírito humano.

Vale a pena reler os evangelhos e procurar neles o modo como Jesus revelou o Pai — temos nos preocupado com tantas coisas menos essenciais do que "crescer na graça e no conhecimento de Deus." A finalidade maior do cuidado de Cristo era de que o amor do Aba-Pai estivesse em nós. Isto foi dito por Jesus às vésperas de morrer, de transformar em atos o maior amor. Foi este o modo supremo de dar a conhecer ainda mais: "Eu fiz com que eles te conheçam e continuarei a fazer isso para que o amor que tens por mim esteja neles e para que eu também esteja unido com eles." (Jo 17.26, também vs. 3,6)