Estudo sobre Romanos 8:1-2

Romanos 8:1-2

Com o agora, Paulo reata com o ponto em que as coisas já haviam chegado em Rm 7.67: “Estamos livres da lei” (BLH). Dessa forma também foi silenciada a acusação da lei. O desespero que, conforme Rm 7.24, onera como chumbo o eu adâmico, é traspassado pela exclamação: nenhuma condenação. “Ressoa que a vida está justificada”74. Os que creem estão aí ornados com justiça. Isto vale desde o momento de despertamento para a fé até o juízo final.

Inicialmente Paulo vincula essa afirmação ao salutar agora (cf o exposto sobre Rm 3.21). Fica pressuposta a mudança das eras, exposta da forma mais nítida em 2Co 3: O serviço de Moisés, que “conduz à condenação”, acabou em favor do serviço apostólico, que concede o Espírito e conduz à justiça (2Co 3.7-9). Em segundo lugar, essa salvação tem uma localização definida em Cristo Jesus. Como primeira tentativa de entender essa expressão pode servir uma comparação com outras descrições de nosso relacionamento com o Senhor, p. ex.: Cristo junto de nós, conosco, sobre nós, diante de nós, no meio de nós ou em nós. Todas elas têm em comum a ideia da proximidade. Em contraposição, a expressão “nós em Cristo” é presidida pelo fato de pertencermos a ele. Em virtude do implante (Rm 6.5), formamos uma associação com ele, uma única aliança de vida, ou, nas palavras de Lutero: “um bolo”. Sua morte, sepultamento e ressurreição não são meras informações que apenas ouvimos como fatos acontecidos fora de nós, mas de que nós participamos. O que sucedeu a Cristo e ainda lhe sucederá, aconteceu e acontece também a nós. A libertação por estar em Cristo forma um contraste radical com a solidão do eu de Rm 7.25: Eu estou sozinho, eu quero sozinho, eu sei sozinho, eu me desespero e morro sozinho!

Paulo retoma outra vez esse “em Cristo Jesus” do v. 1, desdobrando-o como experiência do Espírito Santo. A lei do Espírito da vida… te livrou. Como no mais Paulo fala simplesmente do “Espírito” ou do “Espírito de Deus” ou “Espírito de Cristo”, ele deve ter retirado “Espírito da vida” do seu AT grego (lxx). Lá se encontra a expressão no contexto da criação, mas acima de tudo da nova criação, a saber, na grande visão de Ez 37.1-14. Segundo ela, o Israel morto deverá “viver” novamente (seis menções) por meio do “Espírito” (lá nove vezes), precisamente por meio do “Espírito da vida”, como rebrilha ali no v. 5 (lxx). O trecho excede em dramaticidade todas as visões de Ezequiel e seguramente cativava judeus e cristãos. No v. 11, Paulo tangencia mais uma vez esse capítulo, e lemos diversas vezes como fala do “Espírito que vivifica”e. Quando escreveu em 1Co 15.45: Cristo “é espírito vivificante”, “é o Espírito que dá vida” (BLH), ou em 2Co 3.17: “O Senhor é o Espírito”, é possível que ele tivesse na mente precisamente essa profecia. Paulo, portanto, introduz aqui o testemunho do Espírito, sem causar um afastamento de Cristo. Pelo contrário, é dessa maneira que ele atesta o poder de Jesus que pode ser experimentado hoje e aqui. A palavra de 2Co 3.17, há pouco citada, prossegue assim: “e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”. Isso confere com a afirmação sobre o Espírito feita nesse texto de Rm: o Espírito te livrou da lei do pecado e da morte.

No entanto, a exposição feita até aqui desconsiderou um adendo. Paulo está falando da “lei do Espírito da vida” – com certeza um adendo devido à oposição com a “lei do pecado e da morte” (sobre isso, cf Rm 7.21,23,25). Dois sistemas legais fechados em si se contrapõem. O segundo é quebrado pela supremacia do primeiro. Essa conexão de Espírito e lei evidencia que Paulo praticamente não experimenta o agir do Espírito apenas como “espasmo” ocasional. Pelo contrário, ele se sabe permanentemente carregado por um elemento confiável. O Espírito constitui, nas pequenas e grandes coisas, o construtor circunspecto da nova criação segundo os planos eternos de Deus.

Quanto às duas ocorrências de “lei” neste versículo, cabe ouvir e examinar ainda outra explicação. Ela tende a excluir qualquer uso figurado da “lei” em Paulo e a ter em mente todas as vezes lei de Moisés (no hebraico torá). Em concordância com essa visão, também na segunda metade do versículo a “lei do pecado e da morte” se referiria à torá, à semelhança do que já teria ocorrido em Rm 7.23,25. Contudo, seria a torá desvirtuada pelo pecador. Porque, interagindo com o pecado, ela gera a morte (Rm 7.5,11,13), seria possível designá-la de forma tão assutadora. Da mesma forma, porém, na primeira metade do versículo o “mandamento (a lei) que me devia trazer a vida” (BLH) também não seria outra coisa senão a torá, apenas que nesse caso Cristo teria retirado dela a capa que a cobria conforme 2Co 3.14, entregando-a novamente ao seu uso original de acordo com Rm 7.10, a saber, de proporcionar a vida.

É difícil encaixar essas idéias no quadro geral de Paulo. Em lugar algum Paulo ensina o que, nesse v. 2, traria como resultado que a lei de Moisés seria a libertadora dos fiéis da condenação. Se ele escreve em Rm 7.10 da “lei dada para a vida”, isso é válido no sentido de Gl 3.12: originalmente, antes da penetração do pecado, todos os mandamentos de Deus tinham a incumbência de proteger a vida. Contudo, não se pensa numa função salvadora da lei de Moisés para o fim da história. Se Paulo tivesse pregado a torá como ressurreição e vida, os escribas jamais teriam tentado matá-lo. No mesmo capítulo de Gl ele afirmou (Gl 3.21b): “Se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente de lei”. Agora ela procede “sem a lei” (Rm 3.21). A lei não deixa de ser espiritual, conforme Rm 7.14, porém ela não concede o Espírito (Gl 3.1-5). De acordo com Rm 7.12 ela é santa, justa e boa, mas não torna ninguém santo, justo e bom.

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Estudo sobre Romanos 8:1-8