Estudo sobre Filipenses 3:15-16

Estudo sobre Filipenses 3:15-16


A tradução visa tornar perceptível a brevidade das expressões que dificulta o entendimento pleno. Não causa surpresa que a curta frase final deu origem a uma série de variantes nos manuscritos, que devem ser todas consideradas como explicitação ou explicação das concisas palavras originais.

Sobre “perfeitos” Paulo também falou em 1Co 2.6; 14.20; Cl 1.28. Nos cultos de mistério, amplamente difundidos naquele tempo, téleios era um termo técnico para designar a pessoa que havia passado por todas as iniciações. É possível que essa terminologia de cunho peculiar esteja subentendida nas igrejas da região helenista quando se fala de “perfeitos”. Porém seria tolo tentar derivar desse fato qualquer interpretação para o conteúdo do termo nos lábios de Paulo. Justamente na igreja de Jesus não havia tais “iniciados” especiais! Paulo somente poderia ter usado esta palavra da religião dos mistérios entre aspas, justamente para lhe dar, em termos de conteúdo, um sentido muito diferente. É verdade: mesmo entre nós, cristãos, existem “iniciados”, mas entre nós eles são aqueles que se encontram nessa incansável trajetória de fé rumo ao prêmio da vitória da vocação celestial! Muito mais plausível, porém, é supor que a linguagem bíblica use o conceito téleios justamente quando não se pode falar de qualquer parentesco com a prática dos mistérios: Mt 5.48; 19.21; Tg 1.4; 3.2; Hb 5.14. Mesmo depois que o termo “perfeito” recebeu um sentido peculiar no contexto dos mistérios, ele obviamente manteve seu significado básico e simples no linguajar comum do povo, um significado cujo entendimento específico precisa resultar do respectivo contexto. Se todo o bloco anterior se volta contra a possível ou já iminente invasão de opiniões judaístas também em Filipos, então cumpre lembrar que a propaganda judaísta – como fica explícito na carta aos Colossenses – trabalha com a alegação de que a mera fé em Jesus seria somente uma etapa inicial, além da qual seria necessário passar para conhecimentos mais profundos e por uma “santificação” orientada pela lei em direção de uma condição cristã “perfeita”. Aliás, até hoje é essa a característica principal da propaganda de todas as seitas: vossa fé é muito bela e boa, mas “perfeita” ela se tornará somente quando cumprirdes o sábado, quando vos deixardes selar por nossos apóstolos, quando acrescentardes os conhecimentos antroposóficos de mundos superiores, etc. Diante disso Paulo afirma que ele também não deseja cristãos imaturos e parciais, mas completos e “perfeitos”. Contudo, a verdadeira completude e “perfeição” do cristão não estão em pensar que ficará “pronto” (“perfeito”) rapidamente, em “ter o suficiente” (“captado”), na aposentadoria precoce, mas persiste na incansável corrida para o alvo, em se alegrar sem cessar com o “conhecimento” sempre renovado do Cristo e da força de sua ressurreição, bem como em participar dos sofrimentos dele. Ou seja, “tantos quantos somos perfeitos, consideremos isso”. “Isso”, a saber, “esquecer-nos das coisas que para trás ficam”, “avançar para o que está diante de nós”, “correr mirando o alvo do prêmio da vitória”. Nessa afirmação Paulo –consciente ou involuntariamente – contrapôs o teteleiomai = “fui aperfeiçoado” e o téleios = “perfeito”. Não existem cristãos “prontos”: podem e devem existir “cristãos integrais”!

Na frase seguinte não devemos ignorar a pequena palavra ti = “algo”. “Se em algo pensais de outro modo, também isso Deus vos revelará.” Depois da intensa e insistente descrição da verdadeira condição cristã Paulo de forma alguma pode afirmar: se o vosso julgamento sobre a vida cristã for muito diferente, isso poderá ser tranquilamente aceito por enquanto. Um dia Deus vos iluminará a esse respeito. Não foi esta sua posição nem em Corinto, nem na Galácia, nem em Colossos diante das ameaças que a igreja enfrentava por causa de visões errôneas! Por que agiria assim agora frente aos filipenses? Em nenhum lugar da carta há indícios de que esta igreja já tivesse concepções significativamente divergentes do cristianismo. Não, no “pensar de outro modo” de fato se trata apenas de “algo”, um disso e daquilo secundário. Como exemplo poderíamos pensar em 1Co 7.25,40. Paulo sempre foi uma pessoa a favor da liberdade, e não da uniformização, e até mesmo nas mais ardentes controvérsias (Galácia, Corinto) ele não se limitou a dar ordens, mas se empenhou pelo entendimento próprio das igrejas. Estando garantido o principal, sendo os filipenses “cristãos integrais”, “visando a mesma coisa” com Paulo, então poderão divergir de Paulo em diversos pontos. Nisso ele pode deixá-los seguir tranquilamente, até Deus os iluminar também acerca dessa questão.

Trata-se de uma importante palavra também para nós. Ao lado das grandes e necessárias linhas principais da Escritura existem diversos entendimentos bíblicos que não deveríamos impor a ninguém. Se aquilo que compreendemos de fato for “bíblico”, de fato for verdade e orientação divinas, então certamente será revelado ao outro no tempo certo. Podemos conceder muita liberdade uns aos outros, evitando com isso cisões e separações desnecessárias.

“Todavia: ao que alcançamos, o mesmo também seguremos!” Diversos manuscritos acrescentam, seguindo Gl 6.16, a “o mesmo” ainda a palavra kanon = “linha diretriz”, “regra”. Com certeza isto é muito lógico. A alternativa de percebermos no verbo stoichein mais o “segurar” ou mais o “andar de conformidade” não traz excessivas mudanças no conteúdo da afirmação. De qualquer maneira, essa breve frase novamente não versará sobre questões essenciais de conhecimento fundamental. Paulo não teria falado disso com uma observação tão sucinta. A pequena frase também precisa estar conectada com a afirmação precedente. Desde que os filipenses permaneçam como “cristãos integrais” na corrida intensa rumo ao alvo do prêmio da vitória, eles têm a liberdade de organizar a vida eclesial e o comportamento de cada cristão de forma diferente do que Paulo fazia. Devem ter liberdade nisso até que o próprio Deus lhes mostre algo diferente. Mas obviamente não podem recuar novamente diante da construção da igreja que já foi realizada - é preciso segurar com firmeza e unanimidade nestes pontos! É enfatizada a locução “o mesmo”. Aqui (assim como antes em Fp 2.2 e como em Gl 6.16; 1Co 1.10 e também em 1Pe 3.8) está em jogo a unidade e concórdia na vida da igreja. Justamente para essa igreja que se encontra em luta (Fp 1.17-30), que em breve talvez perca seu apóstolo Paulo (Fp 2.17), revestem-se de tamanha relevância a coesão e a concórdia. Por isso eles de certo modo precisam “se alinhar”, como também se poderia traduzir aqui, até mesmo quando têm ideias divergentes em vários pontos.