Estudo sobre 1 Coríntios 1:21

1 Coríntios 1:21

Na sequência Paulo fornece a verdadeira justificativa para suas declarações sucintas. Confronta-nos com uma realidade inabalável: “O mundo não reconheceu a Deus mediante a sabedoria” [tradução do autor]. A “filosofia”, a busca por “sabedoria”, certamente não é nada desprezível. Faz parte da magnitude do ser humano não ser capaz de viver sem indagações como todas as demais criaturas, mas precisar perguntar por si mesmo, por sua verdadeira natureza, pelo sentido de sua vida e, por isso, também pelo fundamento e rumo do mundo e, em tudo isso, por “Deus”. É comovente constatar como o ser humano de todas as raças e povos, em mitos e lendas, em concepções religiosas e sistemas filosóficos, luta por respostas para suas perguntas. Contudo, é muito impressionante ter de admitir que ele não é capaz de encontrar o que busca com tanto ardor. O grande número e variedade de “visões de mundo”, de religiões e imagens de Deus já são prova disso. Quando uma pergunta obtém cem respostas diferentes, na verdade não obteve resposta. Por essa razão também falta a todas as pessoas uma certeza real e definitiva.49

Qual é o motivo disso? Será Deus culpado disso? Será ele o “enigmático irreconhecível”, de modo que somente podemos venerá-lo em silêncio, como o inescrutável?50 Não, Deus deveria ter sido encontrado por nós “em sua sabedoria”, cuja profundidade Paulo adora em Rm 11.23. Na realidade, porém, “na sabedoria de Deus o mundo não reconheceu Deus mediante a sabedoria”.

Nesse ponto torna-se explícita nossa separação de Deus, que representa nossa morte e nos torna pessoas perdidas. Por meio da queda do pecado, por nos desvencilhar de Deus estamos naquela situação que Paulo coloca perante os efésios: “não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). Nessa situação também foi incluída toda a nossa razão e todo o nosso pensamento. Não apenas a nossa vontade, também nosso pensamento foi deturpado pela queda, obscurecido e cego para Deus.51 Nossa razão não é uma força autônoma existente de forma isolada, mas está entrelaçada com nosso ser e é determinada por toda a nossa natureza. O ser humano distanciado de Deus e hostil contra Deus no mais profundo âmago – afinal, é isso que a expressão bíblica “mundo” pretende dizer – não consegue mais reconhecer a Deus na sabedoria de Deus. Nessa situação todas as religiões, até mesmo a mais nobre e sublime, todas as filosofias, até mesmo a mais metódica e profunda, em vista de Deus necessariamente levam ao descaminho.52


Todos os caminhos da sabedoria humana não levaram a Deus. Por isso Deus abre um caminho completamente diferente e “decidiu salvar pela loucura da proclamação os que creem” [tradução do autor]. Essa é a inversão total de todo o relacionamento anterior entre Deus e o ser humano. Até aqui era o ser humano que agia pela religião e filosofia, que “procurava por Deus”, que tentava alcançar o objeto “Deus”. Agora, porém, toda a atividade acontece da parte de Deus: Deus age e busca o ser humano perdido. Até aqui os humanos se consideravam basicamente em ordem, apenas Deus era algo muito questionável e duvidoso; Deus tinha de se justificar perante o tribunal do ser humano. Agora é o ser humano que está perdido e condenado perante o juízo de Deus, que carece de somente uma coisa: salvação! Até aqui, nas religiões, nos mitos, nas filosofias estava em jogo a “sabedoria”, que deveria ser plausível ao ser humano, parecer-lhe profunda e bela. Agora Deus emite uma mensagem, que para redimir as pessoas obcecadas e perdidas precisa ser tão desafiadora e arrasadora que ela a princípio não pode ser outra coisa que somente “loucura” ou “escândalo”. Uma mensagem assim somente pode ser rejeitada com indignação ou “crida”. Quem “crê” no chamado de Deus, quem, assustado com esse chamado, percebe sua perdição e se lança nos braços do Cristo crucificado por ele, desse momento em diante faz parte do “nós”, dos “salvos”. Deus não se interessa por “sábios” que o “compreendem” em pensamentos profundos, Deus se interessa por aqueles “que crêem”, que dão razão ao juízo e à graça em contraposição a todo pensamento e opinião próprios.


Notas:
49 Não foi outro do que Goethe que expressou isso no “Fausto”, quando coloca nos lábios do Dr. Fausto as palavras dirigidas à caveira em seu escritório: “Que me sorris, caveira oca, de troça / como se, confusos, nossos cérebros vagassem, / no crepúsculo em busca do dia da graça, / mas na ânsia por verdade nada achassem.”

50 É o que diz Goethe numa palavra a Eckermann, muitas vezes citada.

51 Otto Rodenberg chamou sincera atenção para essa corrupção da razão, mencionando Hamann em sua obra “Der Sohn”, p. 95ss (R. Brockhaus Verlag, 1963).

52 Toda a filosofia da religião de cunho idealista, que o cristianismo considerou com satisfação porque pensava ter corroborada e confirmada por meio dela sua “fé”, anuvia de forma perigosa a verdadeira situação do ser humano. O “ateísmo”, diante do qual nós, cristãos, em geral estamos tão indignados e assustados, está sensivelmente mais próximo da verdade bíblica. “O mundo não reconheceu a Deus” – o ateísmo confirma essa sentença fundamental.