Estudo sobre 1 Coríntios 1:16-17

Estudo sobre 1 Coríntios 1:16-17


Por essa razão Paulo reflete e se corrige: “Batizei também a casa de Estéfanas”,41 acrescentando: “Além destes, não me lembro se batizei algum outro”.42

Por que Paulo batizou tão poucos em Corinto? Nessa e em todas as suas demais ações e omissões Paulo não é determinado por suas próprias opiniões e inclinações, mas pela incumbência de seu Senhor. “Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para evangelizar.” Isso não é um menosprezo ao batismo em si. Estaríamos interpretando mal essa palavra de Paulo se a explicássemos e avaliássemos dessa maneira.43 O homem que escreveu Rm 6 não considerava o batismo de pouco valor. Mas é verdade que precisava primeiro ser criada a premissa para o batismo, sem a qual ele nem sequer seria possível. Somente poderia ser entregue ao domínio de Jesus aquele que o conhecia e que reconhecia nele o Salvador indispensável ao qual desejava pertencer de todo coração. Por isso “evangelizar” de fato era a primeira e mais necessária obra, que consumia todo o tempo e todas as energias de Paulo. Quando acontecesse o fato extraordinário, quando os olhos das pessoas fossem abertos para que se convertessem das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus (At 26.18), então outros poderiam e deveriam realizar o batismo desses convertidos.44


Paulo acrescenta uma palavra acerca de sua postura como evangelista: “não com sabedoria de discurso, para que não seja esvaziada a cruz do Cristo” [tradução do autor]. Essa é uma palavra de impactante profundidade. Por meio dela Paulo ataca a segunda dificuldade em Corinto, a causa nefasta que subsistia por trás da dificuldade flagrante dos partidos. “Gregos buscam sabedoria” (v. 22). O termo grego para sabedoria, “sophia”, é conhecido a partir da palavra “filosofia”. Profundamente arraigado na natureza da pessoa desvencilhada de Deus e solitária no mundo está o anseio de obter uma “visão” abrangente deste mundo (“visão de mundo”), de superar e dominar intelectualmente o mundo e a vida, de solucionar as grandes perguntas da vida pela força e razão próprias. Então até mesmo “Deus” pode aparecer como objeto do pensamento humano nessa visão de mundo. Esse anseio humano geral por “sabedoria” era singularmente desenvolvido entre os gregos. Como o “orador” e o “poeta”, o “filósofo” era tido em alto conceito entre eles. Quem trazia “sabedoria” e tinha uma palavra repleta e moldada de sabedoria era admirado e respeitado. Era dessa “sabedoria de discurso” que as pessoas em Corinto sentiam falta em Paulo, motivo pelo qual muitos não o consideravam um grande apóstolo. Será que Paulo não possuía dons suficientes para atender ao anseio dos coríntios? Será que ele não havia adquirido suficiente sabedoria para si mesmo? Não, responde Paulo. De uma forma muito consciente e plenamente intencional, minha evangelização não traz “sabedoria”. Por que não? “Para que não seja esvaziada a cruz do Cristo.” O sacrifício de sangue do Filho de Deus para a salvação do ser humano perdido é o maior contraste imaginável à autoglorificação humana que pretende dar conta de tudo, até de Deus, a partir de si mesmo. Consequentemente, a mensagem da cruz e o discurso de sabedoria são inconciliáveis entre si. Sempre que a “sabedoria” determina a palavra, sempre que as pessoas são conduzidas para um domínio mental das coisas divinas de acordo com seus desejos, a cruz de Jesus se torna “vazia”, insignificante e ineficaz. É marginalizada, sim, por fim ela desaparece debaixo dos elevados raciocínios com que o ser humano se apodera de Deus. A evangelização de Paulo, porém, tinha precisamente essa cruz como centro, motivo pelo qual tinha de rejeitar toda a “sabedoria”. Essas palavras introduzem o grande tema sobre o qual Paulo agora precisa falar aos coríntios.


Notas:
41 O batismo de casas inteiras foi usado como tentativa de demonstrar o batismo infantil no NT. Porém 1Co 16.15 evidencia que pelo menos a “casa de Estéfanas” era formada por adultos.

42 Temos diante de nós uma passagem que revela com clareza muito especial como uma carta do NT continua sendo genuinamente humana, mesmo que seja integralmente redigida no Espírito Santo. A epístola não é um ditado perfeito do Espírito. No entanto, também em tais reflexões e correções conscienciosas o Espírito Santo age, concedendo-nos um “mensageiro autorizado” de Jesus que permanece muito próximo de nós, por ser uma pessoa que precisa se corrigir.

43 Sob esse aspecto também merece importância o teor da frase de Paulo. Ele não diz, de modo polêmico: “Cristo me enviou, não para batizar, mas para evangelizar.” Apenas ressalta sua incumbência especial de forma positiva. Essa sua incumbência não era batizar, mas evangelizar. Desse modo permanece inviolada a importância do batismo como tal.

44 Pelo que se nota, essa também foi a atitude de Pedro (At 10.48), apesar de Mt 28.19. Ele obedeceu à ordem do Senhor e providenciou o batismo dos gentios que haviam abraçado a fé. Também ele, porém, sabia que esse batismo somente era viável depois que a “evangelização” havia realizado sua obra fundamental. Essa “evangelização” na casa de Cornélio era sua incumbência apostólica precípua. O batismo era deixado ao encargo de outros.