Estudo sobre 1 Coríntios 1:26-29

Estudo sobre 1 Coríntios 1:26-29



O que Paulo expôs aos coríntios como um princípio pode ser visto refletido na configuração peculiar apresentada por sua igreja. “Pois estais vendo56 vossa vocação” [tradução do autor]. A igreja não se formou por resoluções pessoais, mas foi “chamada” à existência. Ela é formada por pessoas “chamadas para ser santas” (v. 2). Contudo, que aspecto curioso ela possui: “Não muitos sábios, não muitos fortes, não muitos de origem nobre” [tradução do autor] podiam ser encontrados nela.

Essa composição da igreja não corresponde a desejos e interesses humanos. Quem não preferiria pertencer a uma igreja magnífica e imponente, na qual se pode apontar para uma série de pessoas famosas?

O “chamado de Deus”, porém, realizou uma “seleção” muito diferente e estranha. O Deus, cuja loucura e fraqueza são mais fortes do que as pessoas, escolheu para si, em consonância com seu modo de ser,57 “as coisas loucas do mundo, as coisas fracas do mundo, as coisas não-nobres do mundo e as desprezadas”, tudo aquilo que Paulo sintetiza na expressão “as que não são”. E ao fazê-lo Deus tem um objetivo bem claro e determinado. Desse modo visa “envergonhar” os sábios e “aniquilar” as coisas que são.


Entretanto, por que Deus quer isso? Será que dessa maneira não está sendo totalmente injusto com os sábios, fortes e nobres? Quem destes receber seus dons e forças com gratidão da mão de Deus com certeza não será “envergonhado” por Deus. Porém Paulo na verdade está pensando nos “sábios segundo a carne” e nos fortes e nobres do “mundo”. “Carne”, no entanto, é o ser humano segundo sua natureza separada de Deus, autocrático e egoísta. É isso que marca e determina o que Paulo chama “o mundo”. A “carne”, porém, não quer “receber” e “agradecer”, mas deseja ser alguma coisa e “gloriar-se”. O pecado essencial do ser humano caído é que ele não mais “honra a Deus como Deus, nem lhe dá graças” (Rm 1.21), mas que diante de Deus tenta ser grande em si mesmo e gloriar-se. Deus não pode nem quer tolerar isso. É contra isso que realiza o juízo. Deus o executa pelo fato de que, ao emitir seu “chamado”, ele passa de largo pelos sábios, fortes e nobres, “envergonhando-os” e “aniquilando-os” desse modo, “a fim de que não se glorie qualquer carne perante Deus” [tradução do autor]. Se fossem escolhidos por Deus, atribuiriam essa escolha a seu próprio mérito e valor, acabando confirmados no “gloriar-se perante Deus”. Porém tudo “o que não é” pode tão somente ver no chamado de Deus sua graça soberana e espontânea, admirando-a com gratidão. Isso, porém, é fomentado pela “loucura da proclamação”, que é rejeitada com desprezo pelos sábios, fortes e nobres e que é vista com indignação pelos que em si mesmos são “devotos”.58

No presente trecho ouvimos três vezes consecutivamente: “Deus escolheu.” Deparamo-nos com o mistério da escolha. É um mistério, não uma teoria racional, contra a qual poderíamos lançar outras passagens da Bíblia. É impossível não reconhecer a realidade. Deus chamou dentre toda a população da cidade portuária esse pequeno grupo de pessoas em geral insignificantes e passou de largo em muitas outras. Será que Deus não tem o direito de agir assim? Será que Deus tem “obrigação” com alguma pessoa, de presenteá-la com sua graça, se ela realmente ainda for “graça”? Porventura um rebelde merecedor da pena de morte tem algum direito de ser agraciado por seu rei? Quem se descobre escolhido e salvo unicamente consegue agradecer com admiração e adoração. E quem se considera deixado de lado pela escolha de Deus pode ficar assustado e buscar a graça de Deus com muito maior ardor. Com certeza a encontrará em Cristo e, então, se conscientizará de sua escolha com admiração e gratidão.




Notas:
56 A palavra grega “blepete” é entendida pela maioria das traduções como imperativo: “Observai!” No entanto, não combina com isso a conjunção causal “gar” (“pois, afinal”), que segue ao “blepete”. Paulo pretende explicar o enunciado anterior por meio daquilo que os coríntios podem ver pessoalmente. Combina melhor com essa intenção a tradução “pois estais vendo”.

57 Como Deus é o mesmo em todos os tempos, ele já agiu do mesmo modo na Antiga Aliança ao escolher Israel e ao escolher seus instrumentos. Recordamo-nos do impactante relato de Ez 16.ss e Dt 7.6-8, mas também de passagens como Jz 6.15; 1Sm 9.21; 15.17; 16.7,11; Is 41.14; Sf 3.12; Zc 9.9.

58 Sem dúvida a mensagem também desafiará sempre os “sábios, fortes e nobres”. E também entre eles sempre acontecerá que haja alguém mais humilde e disposto a ouvir do que muitos “fracos” que, autocomplacentes, se consideram os bem-quistos de Deus. Da parte de Deus não existe um esquema de validade geral. Mas na imagem da igreja de Jesus sempre aparecerá como fato: “Não muitos sábios, não muitos fortes, não muitos de origem nobre.” Afinal, a igreja do Crucificado não impressionará ninguém. Tampouco pode nem deve jamais ser diferente.