Estudo sobre 1 Coríntios 1:11-12

Estudo sobre 1 Coríntios 1:11-12


Na sequência Paulo declara aos coríntios por que está tão preocupado com eles. É verdade que ainda não aconteceram “divisões”, porém há “contendas” que rapidamente poderão levar a verdadeiras “cisões” (cf. 1Co 11.18). “Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado pelos (membros da casa) de Cloe, de que há contendas entre vós.” Não sabemos quem é Cloe. No entanto, é evidente que os coríntios a conhecem. O nome Cloe (“ a loira”) era comum entre escravas. Será que Cloe era uma “alforriada”, que havia conquistado posses e fama? Será que vivia na própria Corinto ou em Éfeso? Será que filhos ou escravos haviam vindo da casa dela em Corinto até Paulo? Ou será que obtiveram notícias em Éfeso, acerca de Corinto? Ignoramos tudo isso. Não é decisivo. Importante para nós é apenas a abertura com que Paulo cita a fonte de suas informações. Não deixa nada oculto ou indefinido.30 Essa atitude parecia muito necessária para Paulo pelo fato de que a própria igreja, por quaisquer que tenham sido os motivos, não havia comunicado essas dificuldades ao apóstolo. O termo grego “delóo”, traduzido por “fui informado”, refere-se à revelação de algo oculto. Nessa formulação reside algo como uma repreensão: por que vocês, a igreja, não me informaram disso abertamente? Ao mesmo tempo Paulo está agradecido porque o pessoal de Cloe teve coragem de lhe comunicar o que não devia permanecer oculto a ele, o pai da congregação.

De imediato Paulo caracteriza melhor as “contendas” sobre as quais foi informado. A princípio são causadas por um processo perfeitamente natural. Depois que a igreja em Corinto foi fundada por Paulo (e seus colaboradores Silas e Timóteo), a atuação de Apolo trouxe um novo crescimento em Corinto. Era plenamente compreensível que as pessoas se apegassem com gratidão especial àquele por meio de quem haviam recebido o melhor de sua vida. Da mesma forma, outros membros da igreja consideram Cefas31 como a pessoa que lhes trouxe o acesso a Jesus. Diversos intérpretes opinam que nesse caso Pedro também deve ter estado em Corinto, assim como Paulo e Apolo, tendo ali conquistado pessoas para Jesus. Porém não temos nenhuma notícia a este respeito. No entanto, tampouco saberíamos da visita de Pedro a Antioquia se Paulo não tivesse narrado um episódio dessa visita em Gl 2.1ss. Por outro lado, também pode tratar-se de cristãos israelitas que se converteram no leste, por intermédio de Pedro, e depois se mudaram para Corinto. Talvez eles, por sua vez, tenham encaminhado membros da sinagoga em Corinto para Jesus, de modo que esse grupo agora considerava Pedro como o verdadeiro e legítimo apóstolo de Jesus. Seja como for, agora “cada um” em Corinto “diz” a que mensageiro de Jesus está especialmente apegado. “Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas.” Uma declaração desse tipo pode ser feita com gratidão alegre e satisfeita. O perigo começou apenas quando essa gratidão passou a ter um peso errado e os mensageiros de Jesus se tornaram mais importantes que o próprio Jesus. Agora não estavam mais unidos em Jesus e não mais “falavam todos a mesma coisa”, mas contendiam uns com os outros sobre a magnitude e importância dos mensageiros.32 A palavra de amor e apreço agradecidos tornou-se uma ciumenta exclamação de luta que ameaçava dividir a igreja.33

Nesse caso, porém, será que o quarto grupo, que se distanciava completamente de Paulo, Apolo e Cefas e simplesmente declarava: “Eu sou de Cristo”, não estava com a razão? Será que Paulo não deveria ter-se alegrado, uma vez que ele próprio fala da mesma maneira em 1Co 3.23: “E vós sois de Cristo”? Justamente nesse ponto, porém, transparece a profunda diferença. Com essa expressão Paulo se refere indistintamente à igreja toda. Aquelas “pessoas de Cristo”, porém, formam conscientemente um “grupo” oposto aos demais. Aqui acontece o pior possível: o próprio “Cristo” se torna nome de partido. Talvez o ponto de partida ainda tenha sido autêntico. Não queriam apegar-se a quaisquer pessoas, mas queriam pertencer a Cristo. Porém em 2Co 10.7 fica muito claro que isso evoluiu para uma arrogante posição distinta, que atribuía somente a si mesmo esse “Eu pertenço a Cristo”, negando-o aos outros.34
Aflorava ao mesmo tempo uma questão bem fundamental: existe a possibilidade de pertencer a Jesus diretamente, sem a palavra apostólica? É possível pertencer a Jesus, e ao mesmo deixar Cefas e Paulo de lado, considerando-os insignificantes? Nesse caso, “Cristo” não é transformado numa imagem arbitrária de meus pensamentos? Será que posso conhecer o Jesus Cristo verdadeiro de outro modo que não pela palavra de seus mensageiros autorizados?


Essa é a verdadeira pergunta, sempre tão importante da história da igreja: há um relacionamento com Jesus Cristo ao lado ou além da Escritura, quer por intermédio do “Espírito”, quer por meio de um “magistério” infalível que estabelece dogmas que não possuem base na Escritura? De forma biblicamente correta, a Reforma decidiu-se pelo princípio “unicamente pela Escritura!”, unicamente por meio da palavra apostólica.

Paulo indica um caminho claro entre a perigosa supervalorização e o igualmente questionável menosprezo do apóstolo. De modo enfático, ele adianta, no começo da carta: “Chamado para ser apóstolo do Cristo Jesus pela resolução da vontade de Deus.” Cumpre-lhe dizer à igreja a palavra decisiva do Cristo Jesus como seu mensageiro autorizado, e à igreja cumpre ouvi-la. Contudo, ele se volta com profunda seriedade exatamente àqueles em Corinto que se exaltavam de forma errônea por ele (ou por Apolo ou Cefas).


Notas:
30 Quantas vezes enfrentamos problemas pelo fato de que pessoas que nos trazem informações sobre assuntos questionáveis não desejam assumir abertamente suas palavras!

31 Cefas é o nome aramaico do discípulo que na língua grega se chamava Petros, em latim Petrus.

32 Ao que parece, o próprio Apolo era inocente quanto a essa atitude de seus adeptos. Em momento algum Paulo o critica, mas sente-se plenamente concorde com ele (1Co 4.6). A formação de grupos e discórdia consequente parece ter surgido apenas recentemente, ou seja, um bom tempo depois que Apolo saiu de Corinto.

33 Também entre nós é tênue e aguçada a divisa entre a gratidão correta à pessoa que nos conduziu a Jesus e o destaque errôneo e perigoso de personalidades em favor das quais eu me exalto. Quanta desunião e desgraça são suportadas na igreja por causa da transgressão dessa tênue divisa! Deveríamos ficar muito mais precavidos quando o nome da pessoa ecoa com maior intensidade do que o nome de Jesus em evangelizações ou em locais especiais de bênção.

34 Obviamente foi observado que em toda esta carta Paulo não volta mais a mencionar esse “grupo de Cristo”, o que gerou uma outra tentativa de explicação para esse “Eu pertenço a Cristo”. Um copista da carta o teria anotado à margem, como testemunho contra os arrogantes em Corinto, e a partir daí a formulação teria penetrado nas cópias do texto. Contudo, isso não passa de uma mera conjetura que não se apoia em nenhum elemento dos manuscritos. E em 2Co 10.7 Paulo seguramente está lidando com pessoas que fazem uso equivocado do fato de pertencerem a Cristo. Será que essas tendências não poderiam ter-se evidenciado já na época da redação da primeira carta?