Estudo sobre 1 Coríntios 1:18

1 Coríntios 1:18

Mais uma vez Paulo assevera: a palavra proclamada por ele é “a palavra da cruz”. Sua mensagem encontra seu verdadeiro conteúdo na “cruz”, ou seja, no fato de que o Messias, o Filho de Deus, acabou no “madeiro”, no lugar de maldição. Paulo se “decidiu nada saber senão a Jesus Cristo, e a esse como crucificado” (1Co 2.2). Nesse posicionamento Paulo estava sendo determinado por sua própria história de vida. Era a cruz de Jesus que lhe havia causado o maior escândalo.

18 Também para ele havia sido um “escândalo” (v. 23) que um criminoso supliciado fosse o Messias de Israel. Com a mais sincera revolta ele se tornara adversário determinado daqueles que afirmavam uma loucura tão blasfema. Precisam ser trazidos à razão pelo chicote, ou então aniquilados (At 26.10s). Então, porém, diante de Damasco, esse Jesus viera a seu encontro como o Ressuscitado e Exaltado pelo próprio Deus. Confrontou-se com o fato inconcebível de que o Crucificado é o Messias. Disso resultou obrigatoriamente a candente pergunta por que o Messias teve de tornar-se o Crucificado, por que o santo Filho de Deus teve de tornar-se uma maldição? Em breve Paulo nos fornecerá a resposta a essa pergunta. De qualquer forma, porém, a realidade de que o Senhor da glória acabou e “precisou” acabar desse modo é tão assombrosa que ela necessariamente tinha de tornar-se o centro de todo o pensamento sobre Deus e o ser humano, tão logo ela fosse captada pelo olhar. Toda a palavra de proclamação tornou-se “palavra da cruz”.


Essa palavra da cruz derruba subitamente toda a “sabedoria”, todo o pensamento das pessoas sobre si mesmas, sobre o mundo e Deus. O ser humano que tenta dominar todas as coisas com seu pensamento é seguro de si. Acredita estar em ordem e por isso ser capaz de solucionar todos os problemas a partir de si mesmo, também a questão de Deus. Em lugar de toda a sabedoria, a palavra da cruz, porém, lhe oferece “redenção” como a única coisa necessária, dizendo-lhe com isso que ele é um “perdido”. O ser humano não carece de sabedoria, nem de “filosofia da religião”, nem de pensamentos profundos sobre Deus, nem da solução para seus problemas lógicos, mas da redenção. Isso obviamente lança por terra todo o pensamento anterior, sim, toda a existência anterior da pessoa. A “palavra da cruz” representa para o ser humano o desafio extremo, porque o torna um pecador perdido que precisa de salvação. Por isso, não é de admirar que para a pessoa segura de si essa palavra seja ao mesmo tempo “loucura”, incompreensível, desprezível e revoltante. E justamente nessa reação ela se evidencia como aquela que “se perde”. A cegueira para sua perdição justamente a documenta com profundidade total. Nessa cegueira o ser humano rejeita a palavra da cruz também como palavra de sua salvação, selando assim seu caminho de perdição. É esse o sentido da afirmação de Paulo: “A palavra da cruz obviamente é loucura para os que se perdem”.

A salvação, porém, começa quando os olhos da pessoa se abrem para sua perdição. O ser humano nunca consegue romper o profundo equívoco sobre si mesmo, no qual ele vive como pessoa caída e perdida. Tampouco outro ser humano, nem mesmo um pregador ou conselheiro, pode abrir-lhe os olhos e convencê-lo de seu pecado e de sua perdição. Unicamente o maravilhoso poder de Deus é capaz de realizar isso por meio da palavra da cruz. Então, como perdida, a pessoa agarra a salvação na cruz. O sinal seguro de que isso aconteceu na vida de uma pessoa pode ser verificado no fato de que a pessoa agora não constata e enaltece mais nada em si mesma, mas apenas exalta com gratidão e adoração o poder redentor de Deus na cruz de Jesus Cristo. Por essa razão Paulo escreve: “Mas para os que estão sendo salvos, para nós, ela é poder de Deus” [TEB].

Nessa frase sobre os salvos Paulo intercalou um “para nós”. Isso é importante. Não se pode falar de forma objetiva e neutra a respeito da redenção. A salvação somente é conhecida por aquele que a experimentou pessoalmente. O testemunho pessoal desse “para nós” ou “nós”, portanto, não é “orgulho”, “farisaísmo”, “falsa segurança”. Esse é o pensamento precisamente daqueles que, por causa de seu orgulho natural, rejeitam a mensagem da salvação. O testemunho pessoal agradecido, pelo contrário, faz parte da própria questão. Pessoas resgatadas pelo poder de Deus não são pessoas indefinidas, mas somos “nós” que de fato vivenciamos essa redenção. Isso exclui todo o “farisaísmo”. A maravilhosa salvação de alguém totalmente perdido não é motivo para nenhuma forma de orgulho.

A formulação da frase toda é surpreendentemente ilógica e justamente por isso apropriada para a questão. Se a palavra da cruz é “loucura” para os perdidos, ela deveria ser “sabedoria” para os salvos. Porém não é isso que Paulo escreve. Pois a “salvação” não acontece através de “sabedoria”, mas pelo emprego de “poder”. O que “nos” salva da perdição eterna é “poder de Deus”. Por isso a “palavra da cruz” é algo diferente da “doutrina sobre a cruz”. Em toda a “teologia da cruz” há o perigo de explicar e tornar a cruz compreensível, privando-a desse modo de sua “loucura” escandalizadora e inadvertidamente permitindo que ela se torne uma nova “sabedoria” que seja convincente e aprazível para as pessoas. Desse modo, porém, “a cruz do Cristo” é “esvaziada” (v. 17), é justamente assim que ela perde o poder salvador. É preciso que a igreja e cada pregador suportem que a mensagem da cruz “obviamente aos que se perdem” é e continua sendo “loucura”. Somente quando o ser humano se escandaliza com essa mensagem inconcebível e revoltante existe a perspectiva de que ela permaneça cravada em seu coração como um ferrão que não o solta mais, vencendo-o finalmente apesar de tudo, no poder de Deus. Uma doutrina lógica da cruz poderá parecer interessante para a pessoa, e conseguir sua concordância intelectual; mas jamais a “salvará”.

Paulo empregou na frase o tempo verbal do presente e falou daqueles “que se perdem” e daqueles “que estão sendo salvos”, pois ainda não se concluiu a história de nenhuma pessoa. Como ainda leremos mais particularmente em 1Co 14.24s, Paulo conta decididamente com a possibilidade de que também o “incrédulo”, i. é, o que conscientemente rejeita a fé, possa ser atingido e vencido pela palavra. Contudo, também nós, “que estamos sendo salvos”, “somos” definitivamente salvos somente quando comparecermos irrepreensíveis diante do Juiz no dia do Senhor Jesus Cristo (1Co 1.8). Essa constatação, porém, não altera em nada a profunda gravidade da frase. Portanto, de acordo com o testemunho de Paulo, existem somente duas espécies de pessoas: perdidas e redimidas.45


Notas:
45 Precisamos questionar toda a nossa proclamação e nosso aconselhamento cristão, se de fato ainda temos consciência disso e o transformamos no fundamento de nosso serviço. Será que realmente consideramos as outras pessoas como “perdidas”? Será que a salvação das pessoas ainda está em jogo em nosso serviço? Será que nossa proclamação ainda possui a característica de desafio e justamente por isso também de salvação da verdadeira palavra da cruz?