Estudo sobre 1 Coríntios 1:24-25

Estudo sobre 1 Coríntios 1:24-25




Houve pessoas que se deixaram chamar, e “os próprios chamados, judeus como também gregos”, captaram e experimentaram esse “Cristo como poder de Deus e sabedoria de Deus”. Assim travaram conhecimento com o verdadeiro Deus vivo, ao qual nenhuma sabedoria humana foi capaz de alcançar. Tanto “judeus” como “gregos” participam dessa experiência.

Nessas frases torna-se evidente que não é “a cruz” que salva, ou seja, não um objeto ou um processo a ser explicado e justificado, mas uma pessoa. Jesus Cristo em pessoa é o Salvador. Em sua trajetória de obediência até a cruz, ao se deixar transformar, embora sem pecados, em pecado (2Co 5.21), embora santo, em maldição (Gl 3.13), ele tem[adquiriu, no caso da versão corrigida] o pleno poder de salvar os perdidos, revelando nisso o poder e a sabedoria de Deus. Por essa razão a ressurreição de Jesus faz parte integrante da “palavra da cruz” (1Co 15.4; Rm 4.25). Por intermédio da ressurreição o Cristo crucificado é o Salvador presente, ao qual posso realmente chegar hoje e aqui, a fim de experimentar a redenção agora.

“Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” Na cruz Deus de fato é “louco”, de acordo com nossos parâmetros humanos. É tolo quem abre mão de seus direitos, quem entrega sua honra, e tudo isso nem mesmo em favor de pessoas justas e boas, mas de culpados e maculados. Contudo, o Senhor e Rei do universo o fez na cruz de maneira extrema em favor de inimigos e rebeldes. Que “tolice” de Deus! Na cruz Deus de fato é tão “fraco” quanto se pode imaginar. Completamente impotente e indefeso, ele permite que façam de tudo consigo. Privado das roupas, pregado nas mãos e nos pés, escarnecido, sedento, moribundo, como está “fraco” aqui o Deus onipotente! Mas a palavra dessa cruz foi capaz de realizar até hoje o que nenhuma sabedoria de todos os sábios do mundo conseguiu e o que nem sequer a onipotência arrasadora de Deus teria conseguido: convencer pessoas de seu pecado e sua perdição, vencer pecadores obstinados de modo profundo, levar à bendita adoração os mais argutos negadores de Deus, transformar pessoas legitimamente malditas em filhos amados de Deus. Em verdade, “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”.


Nessas frases Paulo não falou do “amor” de Deus. Parece que tinha um certo receio dessa palavra, porque podia ser mal-compreendida e distorcida com tanta facilidade que praticamente se tornava uma palavra perigosa. Como na epístola aos Romanos, também na presente carta ele apenas cita o amor mais tarde (1Co 8.1; 13). Mas aqui o amor está sendo proclamado em sua substância, com toda a sua verdade e glória. Por que o Messias morre na estaca? Por que Deus é tão “fraco” e tão “tolo”? Por causa de um amor insondável e incompreensível por um mundo perdido que o odeia e despreza. Por outro lado, é somente na estaca do Cristo que se pode reconhecer o que é verdadeiramente “amor”, o amor com a máxima e sagrada seriedade, separada por universos de distância de toda a bondade, cordialidade e sentimentalidade que nós confundimos com amor. O “amor” de Deus não significa que Deus faz pouco caso de nosso pecado. O amor de Deus considera nosso pecado com seriedade tão fatal que não lhe resta outra saída para nos salvar do que assumi-lo sobre si mesmo com todo seu ônus e condenação, tornando-se na cruz tão “fraco” e tão “louco”.

Paulo há de nos mostrar nos trechos subsequentes que consequências a “palavra da cruz” precisa ter para a vida da igreja e para o serviço dos pregadores. Afinal, a “palavra da cruz” não é uma teoria que possa ser proclamada objetivamente em si mesma como “doutrina pura”. A própria igreja e seus mensageiros precisam ter a coragem de viver em contraposição resoluta ao ser do mundo, na “fraqueza” e “loucura” que eles reconheceram no próprio Deus na cruz do Cristo. A cruz precisa cunhar a natureza da igreja. A igreja será vitoriosa unicamente no risco da fraqueza e vida sem defesa, do amor sofredor por um mundo perdido que responde a esse amor com escárnio, rejeição e ódio. E toda a proclamação precisa permanecer na “loucura da mensagem” que o próprio Deus escolheu para único caminho para a salvação das pessoas. Sempre há o perigo de que, apesar de tudo, a igreja volte a tentar evangelizar com sabedoria, oratória ou quaisquer outros métodos atraentes e imponentes.55 Ela poderá ser capaz de atrair e entusiasmar grandes multidões de pessoas, mas apenas conseguirá salvar de fato a poucos. Autoridade para evangelizar possuem somente os mensageiros da igreja que arriscam realmente tudo com a fraqueza e loucura de Deus.

Finalmente ainda daremos atenção ao fato de que na presente carta temos o paralelo “grego” às exposições de cunho “israelita” da carta aos Romanos. Na epístola aos Romanos é a “justiça” que está em jogo. Com os coríntios Paulo fala sobre a “sabedoria”. Contudo, em ambos os campos tão distintos a causa é a mesma. O “israelita” busca “a justiça que vale perante Deus”, acreditando que a alcançará em seu próprio agir pelo cumprimento da lei. O “grego” busca a “sabedoria” que abrange a Deus com o conhecimento, esperando encontrá-la em sua própria sabedoria. Porém ambos se enganam radicalmente. Ambos desconhecem a verdadeira condição do ser humano perante Deus, sua perdição total. Ambos carecem do “poder de Deus para a salvação” (Rm 1.16 e 1Co 1.18). Para ambos esse poder redentor de Deus apenas pode ser apreendido na “fé”. O “judeu” precisa crer na “justiça alheia de Cristo” para que de fato se torne justo perante Deus. O “grego” precisa crer na “loucura da proclamação” para que alcance o verdadeiro conhecimento de Deus. No mundo moderno, porém, o “judeu” e o “grego” atuam simultaneamente no coração humano. Por isso necessitamos tanto da carta aos Romanos quanto da aos Coríntios, e somos imensamente gratos a Deus por nos ter presenteado com ambas como fundamento para nossa fé e nossa proclamação.



Notas:
55 Nesse ponto reside o perigo permanente de toda a teologia. Por isso é questionável que a igreja da Reforma tenha concedido ao teólogo de formação acadêmica a posição determinante na igreja de forma tão unilateral. Deus muitas vezes realiza o melhor de tudo por intermédio de simples “leigos”, em cuja “loucura” seu poder e sua sabedoria se tornam eficazes.