Estudo sobre 1 Coríntios 1:1

1 Coríntios 1:1

Paulo tinha suficiente grandeza para não visar peculiaridades pessoais no formato de suas cartas, seguindo simplesmente o costume da época. O início da carta típica da Antiguidade cita o remetente e o destinatário, ligando os dois com uma saudação. Isso pode ser formulado da forma sucinta mostrada em At 23.26, na carta de Cláudio Lísias ao procurador Félix. No entanto, o remetente e o destinatário também podem ser caracterizados com mais detalhes e as palavras de saudação propriamente ditas podem ser ampliadas. Paulo fez uso diversificado dessas possibilidades. Já a elaboração dos cabeçalhos de suas cartas mostra como ele está ocupado com aqueles aos quais escreve, permitindo depreender claramente o que o move no tocante a eles.

É o que ocorre também na presente carta. Em Corinto se questiona a autoridade apostólica de Paulo. Por essa razão Paulo imediatamente confirma essa autoridade, de forma enfática, por meio das primeiras palavras de sua missiva. Quem escreve não é um cristão qualquer de nome Paulo, mas um “apóstolo do Cristo Jesus”. O ouvido grego depreende o envio e a autorização1 da palavra “apóstolo”. Cabe compreender a palavra a partir do direito estatal e internacional. O “emissário autorizado” de um país fala e age com autoridade máxima. Por trás dele estão toda a vontade e o poder do país que o enviou. A formulação “apóstolo do Cristo Jesus” nos lembra de que “Cristo” não é um nome próprio, e sim um título, o título real de Jesus. Paulo é “emissário autorizado do Rei Jesus”. Por meio dessa autorização, a palavra de Jesus vale também com plena seriedade para Paulo: “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar a mim me rejeita” (Lc 10.16). Também a nós, leitores atuais, cabe considerar a presente carta não apenas como documento interessante de um homem importante da Antigüidade. Deparamo-nos aqui com uma palavra, que também para nós possui autoridade suprema, uma palavra que o próprio Senhor nos comunica por intermédio de seu enviado. Com quanto cuidado temos de lê-la!


Paulo salienta sua autoridade por meio de dois acréscimos. Ele não podia nomear-se pessoalmente emissário do Rei, mas precisava ser “chamado” para isso. Esse chamado, porém, aconteceu de modo bem diferente do que quando um rei terreno chama alguém para um cargo elevado e de grande responsabilidade. O soberano terreno escolhe para isso a pessoa mais apta, competente e proeminente. Paulo, no entanto, ao olhar em retrospecto para sua conversão e seu envio, apenas conseguia constatar uma misericórdia incompreensível no fato de que justamente ele, esse “aborto”, esse “blasfemo, perseguidor e violento” fora convocado para apóstolo (1Co 15.8; 2Co 4.1; 1Tm 1.13 [TEB]). O motivo da vocação não reside nele pessoalmente, não em suas qualidades, mas unicamente na soberana decisão da “vontade de Deus”, daquele Deus maravilhoso “que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rm 4.17). Foi isso que Paulo salientou em 2Co 3.5s.

Mesmo como “apóstolo chamado” Paulo não pretende apresentar-se perante a igreja sozinho em seu escrito, mas coloca também nesta epístola (cf. 2Co 1.1;Gl 1.2; Fp 1.1; Cl 1.1; 1 e 2Ts 1.1) uma segunda pessoa a seu lado no cabeçalho da carta. A participação de um “co-remetente” numa carta podia ser muito diversa. Em 1Ts o uso frequente do “nós” faz com que os três mensageiros de Jesus de fato falem à igreja em conjunto. Na presente carta, Paulo consistentemente fala apenas na primeira pessoa do singular. Porém “Sóstenes, o irmão” compartilha a responsabilidade pela carta diante dos coríntios. O conteúdo da carta foi discutido entre Paulo e ele. Sóstenes também ouve enquanto a carta é ditada. Por meio de sua citação no início da epístola ele demonstra sua concordância expressa com o que Paulo diz aos coríntios. Estão sendo simplesmente confrontados com a pessoa Paulo.

Nesse caso Sóstenes precisava ser alguém que conhecia muito bem a situação em Corinto e também gozava de respeito e confiança na igreja. Por isso, repetidamente se pensa no Sóstenes que aparece em At 18.17 como o presidente da sinagoga e o seguidor do Crespo que abraçou a fé (At 18.8) e defende as acusações judaicas contra Paulo perante Gálio. Talvez ele tenha sido conquistado para Jesus por Apolo, durante a atuação deste em Corinto (cf. At 18.24-28). Neste caso, para os coríntios o fato de ele assinar ao lado de Paulo (de acordo com o costume da época, a assinatura era no alto, não embaixo do documento) daria um enorme peso a tudo o que Paulo tinha a explicitar em relação aos muitos problemas e questionamentos. Obviamente não é possível comprovar que o “irmão Sóstenes” era idêntico ao Sóstenes de At 18.17. O nome não era raro naquela época. Também é possível que tenha havido outro membro importante da igreja em Corinto com esse nome.

É compreensível que Paulo não solicite a Timóteo que este se co-responsabilize pela carta, como em 2Co 1.1. Em sua visita pessoal, Timóteo devia defender os interesses de Paulo em Corinto (1Co 4.17). De acordo com At 19.22, na época da redação da carta ele já havia partido de Éfeso, de modo que nem sequer podia ser chamado para ajudar na carta. Por que Paulo não pediu ao próprio Apolo, que se encontrava em Éfeso, que escrevesse a carta em conjunto com ele? Paulo se relaciona com ele de maneira transparente e boa, como precisamente esta carta evidencia, em 1Co 3.4-8. Os próprios coríntios também sabem disso, tanto que haviam dirigido a Paulo o pedido de convencer Apolo a tornar a visitar Corinto (1Co 16.12). Nessa questão, porém, revela-se que Apolo era e queria continuar sendo um evangelista versátil, não mais podendo vincular-se por um tempo maior a uma igreja só. Assim, ele não era homem que pudesse opinar e exortar responsavelmente em todas as dificuldades da vida da igreja.




Notas:
1 Uma vez que a igreja da Reforma considerava a “doutrina pura” como praticamente a única tarefa da igreja, ocorreu a concepção involuntária de que também um “apóstolo” como Paulo fosse essencialmente um teólogo e professor, como mostra a designação das cartas apostólicas como “livros didáticos” do NT. Ficou esquecido que a igreja também “age” quando proclama, intervém no reino das trevas, redime pessoas, edifica o corpo de Cristo, e que para tudo isso é preciso “autoridade”. Muito mais precisava dela o “apóstolo”, a quem cabia prestar o serviço de “fundar igrejas” e lançar o fundamento da própria igreja (1Co 3.10). Por isto, Paulo descreveu sua ação apostólica em 2Co 10.3-6 com imagens do mundo estatal e militar, incluindo “sinais milagrosos, prodígios e atos de poder” entre os traços característicos de um “apóstolo” (2Co 12.12 [teb]). Um apóstolo é uma pessoa “autorizada”.