Estudo sobre 1 Coríntios 1:8-10

Estudo sobre 1 Coríntios 1:8-10



No entanto, será que nós mesmos subsistiremos nesse dia terrível? A resposta de Paulo a essa pergunta é característica para aquilo que todo o NT entende por “fé”. Nela a primeira e decisiva palavra não é “nós”, e sim “Ele”: “Ele também vos firmará até o alvo final” [tradução do autor]. Onde o testemunho do Cristo foi “firmado” nas pessoas, ali o próprio Cristo agora “firma” essas pessoas. Ele o faz até o “alvo final”. O termo grego telos engloba ambas as coisas: refere-se ao “fim”, mas não como “término” ou “cessar”, mas como “alvo”. Por isso a expressão “até o alvo final” também tem uma conotação de “definitivo” e “completo”.

Ele há de “firmar” os coríntios de tal maneira que sejam “irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus”. Isso não elimina a seriedade daquele dia, do qual Paulo falará em 1Co 3.11-15. Muitas coisas da construção da nossa obra de vida poderão queimar no fogo daquele dia, porém nós mesmos não seremos atingidos por nenhuma condenação, nenhuma “repreensão”. Por que não? Porque então se tornará explícito que a “justiça alheia de Cristo”, que nós agarramos e preservamos pela fé, de fato é a justiça perante Deus que nos pertence e que é eternamente válida. “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica!” (Rm 8.33). Nessa fé somos “firmados” por aquele que criou em nós a fé através de seu testemunho.


Entretanto, não cabe a nós pelo menos ser “fiéis”? Novamente o olhar da fé se distancia imediatamente de nós mesmos. “Fiéis” não somos nós. Paulo não pode se alicerçar sobre a fidelidade dos coríntios. Mas “fiel é Deus”. A fidelidade de Deus visa ter, e terá, a última palavra sobre nossa vida! (Cf. também 1Co 10.13). Ele “chamou” os coríntios e também a nós “à participação em seu Filho Jesus Cristo” [tradução do autor]. Estamos acostumados com a tradução: “Chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo.” Contudo, o termo koinonia ainda expressa um aspecto diferente do que nossa palavra “comunhão”. A comunhão pressupõe parceiros com igualdade de direitos. Em relação ao Filho de Deus nós, pecadores, não temos a menor parcela de direito. O amor incompreensível de Deus se expressa no fato de que ele nos concede a “participação” em seu Filho. Desse modo, porém, se caracteriza também que ser cristão se refere a algo muito maior e mais vivo do que apenas aquilo que nós em geral compreendemos por “fé em Jesus Cristo”. Não permanecemos separados de Jesus, para contar com ele e seu agir apenas de longe. Pelo contrário, assim como o sócio de um estabelecimento comercial está envolvido com toda a vida deste e participa de seus ganhos, assim nós estamos incluídos na vida e atuação de Jesus. A nós também pertence tudo o que Jesus possui! Jesus reparte conosco toda a sua riqueza. Paulo há de concretizar isso na ceia do Senhor, que nos “concede a participação no corpo e sangue do Senhor” (1Co 10.16). No entanto, ele mostrará também pela imagem da igreja como “corpo de Cristo” que nós realmente somos partes do Cristo, de sorte que nossos corpos são “membros de Cristo” e nós mesmos somos “um só Espírito com ele” (1Co 6.15,17; 12.27). Por isso Cristo é “nossa vida” (Fp 1.21; Cl 3.3). Por isso fomos crucificados, sepultados e mortos “junto com ele” (Rm 6.3-6; Cl 2.12; 3.3) e ressuscitados junto com ele e colocados na sua existência celestial (Ef 2.6). Por essa razão agora fazemos tudo “em Cristo”, “no Senhor”. Tudo isso faz parte da “participação de seu Filho”, à qual Deus nos chamou.26

Uma vez, porém, que Deus nos concede essa “participação”, esse “entrelaçamento” com Cristo (Rm 6.5), sua fidelidade também nos manterá firmes até que a unificação com seu Filho for realidade exclusiva de nossa vida, não mais ameaçada por nenhuma tribulação. Deus não pode e não há de tolerar que pessoas que uma vez estiveram tão existencialmente unidas com seu Filho afundem na morte eterna.

No retrospecto ainda precisamos observar que os nove primeiros versículos da carta citam nove vezes com ênfase Jesus Cristo, o kyrios, o “Senhor”. Toda a ação da graça de Deus, todo o seu presentear acontece através de Jesus. Quem não apreende a Deus por meio de Jesus desvia-se da realidade de Deus e de sua graça. O cristão não tem nada em si mesmo, como parecem pensar aqueles em Corinto que pretendiam ser pessoas importantes. O cristão tem tudo unicamente em Cristo. Isso nos torna verdadeiramente humildes, mas também profundamente gratos e alegres, unindo-nos firmemente uns com os outros.


Notas:
26 Que enorme distância fica entre a maior parcela do “cristianismo” e esse verdadeiro “ser cristão”!