ADULTÉRIO — Enciclopédia Bíblica Online

ADULTÉRIO

A Bíblia trata o adultério como uma das transgressões mais sérias contra a santidade da vida e a fidelidade dos relacionamentos. Desde os primeiros livros do Antigo Testamento, ele é condenado como violação direta do pacto matrimonial e também como símbolo de infidelidade espiritual. O mandamento “Não adulterarás” (Êxodo 20:14) não é apenas uma norma moral, mas uma expressão do caráter fiel de Deus, que exige lealdade tanto no casamento quanto na aliança com seu povo. Profetas como Oseias e Jeremias empregam o adultério como metáfora da apostasia de Israel, mostrando que trair um cônjuge é reflexo da traição ao próprio Deus. A punição civil era severa — inclusive com pena capital — refletindo não apenas a gravidade social do ato, mas seu significado teológico profundo. A mulher adúltera era vista como fonte de ruína (Provérbios 6:26), e os textos sapienciais alertavam contra o poder destrutivo do desejo fora da aliança matrimonial.

No Novo Testamento, essa visão é ampliada e interiorizada. Jesus, em Mateus 5:27–28, declara que o adultério já começa no olhar cobiçoso, deslocando o foco da mera ação para a disposição do coração. Paulo reafirma a gravidade do pecado sexual ao dizer que os que se unem sexualmente a alguém fora do matrimônio profanam o próprio corpo, que é templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6:15–20). Adúlteros, junto a outros que rejeitam a ética do Reino, não herdarão a vida eterna (1 Coríntios 6:9–10; Hebreus 13:4; Apocalipse 21:8). Ao mesmo tempo, a Escritura também enfatiza a graça: a mulher surpreendida em adultério é perdoada por Cristo com a exortação “vai e não peques mais” (João 8:11), demonstrando que, embora o adultério seja um pecado sério, ele não é irremediável. A Bíblia, como um todo, apresenta o adultério não apenas como quebra de um voto conjugal, mas como uma afronta ao próprio caráter de Deus — fiel, leal e santo —, chamando os fiéis a refletirem essa mesma integridade em seus relacionamentos.

Significado de "adultério" na Bíblia, no hebraico, no grego, e no contexto histórico bíblico.

I. Etimologia Hebraica, Paleo-Hebraico e Frequência Bíblica

A palavra hebraica para “adultério” e seus correlatos — “adulterar” e “adúltero/adúltera” — é construída sobre a raiz primitiva נָאַף (naʾaf), catalogada sob o número H5003 no sistema Strong. Trata-se de um verbo que ocorre 31 vezes ao longo da Tanakh (Antigo Testamento), em contextos legais, morais e metafóricos, envolvendo tanto o ato sexual ilícito quanto a infidelidade espiritual, como em analogias proféticas que comparam a idolatria ao adultério. Exemplos disso incluem Êxodo 20:14, Levítico 20:10, Provérbios 6:32, Ezequiel 16:32, Jeremias 3:8, entre outros.

A. Paleo-Hebraico e Pictografia Semítica

No paleo-hebraico, o verbo נָאַף pode ser decomposto nos pictogramas antigos como:

𐤍𐤀𐤐

𐤍 (nun) – representava uma semente, descendência ou continuidade.

𐤀 (aleph) – simbolizava um boi, associado à força ou liderança.

𐤐 (peh) – significava uma boca, com sentidos ligados à fala, desejo ou consumo.

Combinando esses símbolos em uma leitura pictográfica ideográfica (conforme metodologia de Jeff A. Benner), pode-se compreender a raiz נ־א־ף (𐤍𐤀𐤐) como “o desejo interior (peh) que rompe a força da aliança (aleph), contaminando a semente (nun)”, ou seja, a quebra de um vínculo sagrado pela indulgência no desejo. O adultério, assim, já era representado no pensamento hebraico mais arcaico como a quebra destrutiva da continuidade relacional e comunitária.

B. Morfologia e Semântica no Hebraico Bíblico

O verbo נָאַף é utilizado principalmente nas formas Qal e Piel, com nuances distintas:

No Qal, descreve o ato direto de cometer adultério, quase sempre aplicado ao homem, embora com implicações também sobre a mulher envolvida (cf. Jó 24:15, Provérbios 6:32).

No Piel, a ação é intensificada, sendo frequentemente associada à idolatria figurativa — isto é, Israel “adulterando” com outros deuses, como nos textos proféticos de Ezequiel 23 ou Jeremias 3:8.

O particípio נֹאֵף (noʾef, “adúltero”) aparece em contextos de juízo e denúncia profética (cf. Provérbios 6:32, Jeremias 23:14), enquanto o substantivo implícito para “adultério” aparece como construção nominal derivada do verbo, normalmente com função figurativa ou legal.

A importância do termo é reforçada pela inclusão nos Dez Mandamentos (“Não adulterarás” — לֹא תִּנְאָף, loʾ tinʾaf; Êxodo 20:14), o que atesta seu peso moral e social na aliança mosaica. O verbo reaparece em estruturas paralelas no Decálogo em Deuteronômio 5:18.

C. Frequência e Distribuição Bíblica

O verbo נָאַף e suas derivações ocorrem cerca de 31 vezes no texto hebraico do Antigo Testamento, sendo essas as principais referências:

Pentateuco (Torá): Êxodo 20:14; Levítico 20:10; Deuteronômio 5:18.

Livros poéticos: Jó 24:15; Salmos 50:18; Provérbios 6:32; 30:20.

Profetas maiores: Isaías 57:3; Jeremias 3:8, 9; 5:7; 7:9; 9:2; 23:10,14; 29:23; Ezequiel 16:32,38; 23:37,45.

Profetas menores: Oseias 3:1; 4:2,13,14; 7:4; Malaquias 3:5.

Essa distribuição evidencia o uso do termo em contextos tanto legislativos quanto de denúncia espiritual e social, sendo central para a teologia profética do juízo e da aliança.

D. Parônimos e Correspondências nas Línguas Semíticas Cognatas e no Sumeriano

Em aramaico bíblico e targúmico, a raiz equivalente é נאף (nʾp), formalmente idêntica ao hebraico. Por exemplo, o Targum Pseudo-Jonathan em Êxodo 20:14 verte “Não adulterarás” como לָא תְנָאֵף (lāʾ tenāʾēf), preservando a mesma estrutura semântica e morfológica do hebraico clássico.

No siríaco, o verbo paralelo é ܢܐܸܦ (transliterado neʾp), que também significa “cometer adultério”, e aparece frequentemente na Peshitta em contextos paralelos ao hebraico. O substantivo ܢܐܦܐ (nāpāʾā) designa um adúltero, enquanto a forma feminina ܢܐܦܬܐ (nāpāʾtā) indica uma mulher adúltera. A raiz ܢܐܦ carrega também, nos textos patrísticos siríacos, a carga teológica de infidelidade espiritual, como em comentários de Afraates e Efrém da Síria.

Em ugarítico, a raiz cognata direta de נ־א־ף não está atestada de modo explícito com a forma verbal equivalente. No entanto, o conceito de adultério aparece no contexto dos textos legais e rituais, especialmente em alusões à quebra da aliança conjugal ou de lealdade entre os deuses e os homens. Não se conhece, até o momento, uma forma verbal ugarítica escrita como nʾp (𐎐𐎀𐎔), mas lexemas relacionados à sexualidade ilícita aparecem em contextos religiosos e mitológicos nos textos como KTU 1.3 e KTU 1.23, nos quais relações sexuais extraconjugais têm papel mitológico.

A ausência da raiz direta no corpus ugarítico não nega a sua provável existência; ela pode ter sido fonologicamente próxima de nʾp, com possível restrição de uso aos contextos narrativos e não legais — o que limitaria sua ocorrência textual.

O equivalente mais próximo no acádio (língua semítica oriental) é o verbo naʾāpu (forma reconstruída), que, contudo, não está lexicalmente atestado nos léxicos padronizados como CAD ou AHw. Em vez disso, o conceito de adultério é expresso por termos como šuklulu (“cometer adultério”) ou o substantivo nīš šuklulu (“homem adúltero”), especialmente no Código de Hammurabi (cf. §§129–132), onde o adultério é punido com severidade, incluindo pena de morte por afogamento.

No vocabulário jurídico babilônico, o termo ezēbu (“abandonar”, “repudiar”) aparece em contextos conjugais e, em alguns textos, em associação ao adultério feminino, mas nunca como sinônimo formal de naʾāpu. Isso sugere que, embora o radical נ־א־ף não tenha um cognato direto acádio formalizado, sua esfera semântica está amplamente refletida em termos que denotam traição conjugal.

No sumeriano, língua não-semítica mas intimamente envolvida com o acádio, o conceito de adultério aparece sob a forma ku₃-sikil (“pessoa pura”) em oposição a ações que maculam a aliança conjugal. Há, nos textos de Gudea e nas leis de Ur-Nammu, menções ao ato de adultério sob o termo gaba-ri (“ato sexual ilícito”), especialmente em contextos de acusação judicial.

As Leis de Eshnunna também tratam do adultério como crime civil, embora sem uma palavra única que funcione como equivalente semântico direto ao hebraico נָאַף. Em vez disso, é o campo jurídico e a formulação da culpa que exprimem a gravidade do ato, semelhante ao que ocorre no Código de Hammurabi.

II. Adultério no Antigo Testamento

O Antigo Testamento apresenta duas palavras hebraicas principais, como já vimos, para descrever pecados sexuais: nāʾap, que significa adultério, e zānâh, que corresponde à prostituição ou fornicação. Nāʾap refere-se especificamente à relação sexual com uma mulher casada ou prometida, sendo proibida expressamente no sexto mandamento (Êx 20:14; Dt 5:18), e punida com a morte (Lv 20:10). Já zānâh, usada cerca de 93 vezes, designa qualquer relação sexual ilícita, independentemente do estado civil, e também é condenada por Deus (Lv 19:29). Essa distinção reflete a seriedade com que a Bíblia encara a pureza sexual, especialmente em contraste com as religiões pagãs ao redor de Israel, que promoviam orgias rituais e prostituição cultual. Para os israelitas, a fidelidade conjugal era reflexo do caráter fiel de Deus e de sua aliança com o povo. Por isso, qualquer transgressão sexual era não apenas um pecado pessoal, mas uma violação do pacto divino e um ataque à identidade humana como imagem de Deus.

Essa conexão entre infidelidade sexual e idolatria se intensifica nos escritos proféticos, onde a infidelidade de Israel ao Senhor é simbolicamente descrita como adultério espiritual. Textos como Levítico 17:7, Jeremias 3:1-9, Ezequiel 23 e Oseias 4 mostram como a idolatria era associada às práticas sexuais corrompidas dos cultos pagãos. O livro de Oseias desenvolve esse tema de modo dramático: Deus ordena ao profeta que se case com uma mulher adúltera, Gômer, para espelhar a relação entre Ele mesmo e Israel. Mesmo traído, Oseias é chamado a amar e resgatar sua esposa, assim como Deus promete restaurar Israel após a disciplina do exílio. A mensagem de Oseias é dolorosa, mas profundamente esperançosa: tanto a infidelidade conjugal quanto a espiritual ferem intensamente, mas a fidelidade de Deus permanece. Ele busca, perdoa e transforma os que se arrependem, sendo capaz até de restaurar lares despedaçados.

A. Adultério como Crime e Pecado

No Antigo Testamento, o adultério era classificado como crime capital, segundo os preceitos legais estabelecidos em Levítico 20:10 e Deuteronômio 22:22. A penalidade imposta a essa transgressão era clara e severa: ambos os envolvidos — tanto o homem quanto a mulher — deveriam ser mortos. Embora os textos não ofereçam justificativas explícitas para a severidade dessa punição, o contexto sociocultural do antigo Israel, organizado sobre fundamentos patrilineares, sugere que o temor de paternidade equivocada era uma preocupação profunda e latente. Caso um adultério permanecesse oculto e resultasse em descendência, isso acarretaria a transmissão indevida da herança familiar a um herdeiro ilegítimo, comprometendo não apenas a identidade tribal, mas o futuro da casa e da linhagem.

Tal preocupação é reiterada por Ben Sira 23:22–23, onde se afirma que uma mulher adúltera “trai o marido, abandona o seu senhor, e faz com que outros herdem sua prole”. Uma reflexão similar aparece em Eclesiastes 6:1–2, onde o autor descreve como fútil e doloroso o destino do homem a quem Deus concede riquezas e honra, mas não o permite gozar delas — podendo esse destino se aplicar à dor de ver a herança transferida a um estranho.

O pensador judeu helenista Fílon de Alexandria, em sua obra De Decalogo (24:126–129), oferece uma imagem pungente da injustiça sofrida pelo marido traído, comparando-o a um “cego, alheio às tramas ocultas do passado, forçado a amar e cuidar dos filhos de seu maior inimigo como se fossem sua própria carne e sangue”.

No mesmo sentido, o historiador francês Fustel de Coulanges observa em A Cidade Antiga (1956:97): “...pelo adultério, a série de descendentes era quebrada; a família, mesmo que os vivos não percebessem, tornava-se extinta, e cessava a felicidade divina dos antepassados”. Apesar de tal declaração referir-se diretamente ao contexto grego arcaico, não é impróprio supor que a mentalidade israelita compartilhava da mesma angústia existencial e teológica quanto à extinção da linha familiar legítima.

Essa angústia está refletida de modo claro na legislação sacerdotal do Pentateuco, especialmente no uso da punição de כָּרֵת (karet), que aparece, por exemplo, em Gênesis 17:14, Êxodo 30:33,38, Levítico 17:4,9; 20:3,5–6, e que consiste em morte prematura, exclusão da comunidade e, muitas vezes, ausência de descendência. De acordo com os comentaristas tradicionais judeus — como Rashi, Ibn Ezra e S. D. Luzzatto —, karet implica que o infrator morrerá jovem ou não deixará descendência, ou que sua prole será eliminada sem herdeiros. Assim, o adultério se conecta diretamente ao risco teológico de interrupção da bênção geracional.

A Septuaginta (LXX) e a tradição haláquica judaica identificam a descendência de uniões proibidas, incluindo o adultério, com o termo מַמְזֵר (mamzēr), citado em Deuteronômio 23:3, cuja interpretação rabínica, registrada na Mishná Yevamot 4:13 e Qiddushin 3:12, determina que tal indivíduo seja excluído permanentemente da congregação do Senhor, ou seja, inabilitado a participar plenamente da vida comunitária e religiosa de Israel.

É importante destacar que, embora o adultério também envolvesse um componente econômico — já que, sob certos aspectos, a esposa podia ser considerada parte do patrimônio do marido —, esse aspecto era secundário quando comparado às suas implicações religiosas e sociais. O adultério era percebido, sobretudo, como a suprema forma de traição, e por isso está inserido no Decálogo (Êxodo 20:14; Deuteronômio 5:18), a única porção da Lei entregue diretamente por YHWH a Israel sem mediação humana (cf. Êxodo 20:19; Deuteronômio 4:10; 5:20–21).

Em diversos textos proféticos e sapienciais, o adultério é retratado como a mais elevada forma de perfídia. Assim, em Jeremias 9:2, o povo é acusado de corrupção e infidelidade:

Texto hebraico:

וַיִּדְרְכוּ אֶת־לְשׁוֹנָם קַשְׁתָּם שֶׁקֶר וְלֹא לֶאֱמוּנָה גָּבְרוּ בָּאָרֶץ כִּי מֵרָעָה אֶל־רָעָה יָצָאוּ וְאוֹתִי לֹא יָדָעוּ נְאֻם־יְהוָה׃

Transliteração:

Vayidrekhū ’et-leshônām qashtām sheqer, velō’ le’emunāh gāverū bā’āretz, kî mêra‘āh el-rā‘āh yātsa’ū, ve’ōtî lō’ yādā‘ū, ne’um-YHWH.

Tradução:

“Eles entesaram a língua como arco para a mentira; não para a fidelidade se fortaleceram na terra. De mal em pior saíram, a mim não conheceram — diz o SENHOR.”

Em Malaquias 3:5, o Senhor anuncia julgamento contra diversas formas de pecado, incluindo o adultério:

Texto hebraico:

וְקָרַבְתִּי אֲלֵיכֶם לַמִּשְׁפָּט וְהָיִיתִי עֵד מְמַהֵר בַּמְּכַשְּׁפִים וּבַמְּנָאֲפִים...

Transliteração:

Veqaravtî ’aleikhem lamishpāt, vehāyîtî ‘ēd memahēr bammekhashshefîm ūvammena’āfîm...

Tradução:

“E me aproximarei de vós para o juízo; e serei uma testemunha veloz contra os feiticeiros e contra os adúlteros...”

Salmos 50:18 também liga o adultério à cumplicidade com a impiedade:

Texto hebraico:

בְּרֹאוֹת גָּנָב וַתִּרְצֶה עִמּוֹ וְעִם נֹאֲפִים חֶלְקֶךָ׃

Transliteração:

Ber’ōt gānāv vattirtseh ‘immō, ve‘im nō’ăfîm chelqeḵā.

Tradução:

“Quando vês um ladrão, consentes com ele; e com adúlteros é a tua parte.”

Em Jó 24:14–15, o adúltero é associado ao assassino, ambos operando nas sombras:

Texto hebraico:

יֵשְׁכִים רֹצֵחַ בַּאֹפֶל יִרְצַח עָנִי וְאֶבְיוֹן וּבַלַּיְלָה יְהִי כַגַּנָּב׃

וְעֵין נֹאֵף שָׁמְרָה נֶשֶׁף לֵאמֹר לֹא תְשׁוּרֵנִי עָיִן וְסֵתֶר יָשִׂים פָּנִים׃

Transliteração:

Yēshkim rōtsēach ba’ōfel, yirtsach ‘ānî ve’evyôn, uballaylāh yehî kagannāv. Ve‘ēyn nō’ēf shāmerāh neshef, le’ēmōr: “Lō’ teshūrenî ‘āyin”, veseter yāsîm pānîm.

Tradução:

“O assassino levanta-se ao crepúsculo, mata o pobre e o necessitado, e à noite torna-se como o ladrão. E o olho do adúltero aguarda o entardecer, dizendo: ‘Ninguém me verá’, e encobre o rosto.”

O adultério é também um ataque direto à santidade da família nuclear, que é instituída por Deus, como ensinam Gênesis 2:18,24 e Provérbios 18:22.

A percepção do adultério como “grande pecado” não se restringia a Israel. Ele é assim descrito também em textos de Ugarite, conforme observado por Moran (1956: 280–81), e em registros egípcios antigos (cf. Rabinowitz 1956: 73 e ANET, p. 24, onde o adultério é classificado como “grande crime”). Em vários textos acadianos, o termo ḫaṭû, cognato do hebraico ḥṭ˒ (“pecar”), é usado especificamente com o significado de “cometer adultério” (CAD vol. 6:157). A forma feminina ḫāṭ tum, participial feminina singular de ḫaṭû, significa literalmente “adúltera” (CAD vol. 6:153).

O adultério, além de ser crime e pecado, é compreendido no pensamento bíblico como uma violação da própria ordem da criação, pois atenta contra a estrutura sagrada do matrimônio, instituído por Deus desde o princípio como base da vida relacional e social humana. Isso é evidente nos textos fundamentais de Gênesis 2:18 e Gênesis 2:24, que formam o alicerce teológico para a compreensão do casamento como união exclusiva, permanente e monogâmica entre um homem e uma mulher.

Neste versículo, a criação da mulher é apresentada como resposta divina à insuficiência da solidão masculina. O casamento, portanto, é apresentado como instituição positiva, fruto da sabedoria e bondade de Deus, e não como simples convenção social. O termo עֵזֶר כְּנֶגְדּוֹ (ʿēzer kenegdô, “auxiliadora correspondente a ele”) indica reciprocidade, parceria e harmonia — e sua violação por meio do adultério implica romper essa estrutura idealizada no Éden.

Gênesis 2:24

Texto hebraico:

עַל־כֵּן יַעֲזָב אִישׁ אֶת־אָבִיו וְאֶת־אִמּוֹ וְדָבַק בְּאִשְׁתּוֹ וְהָיוּ לְבָשָׂר אֶחָד׃

Transliteração:

ʿAl-kēn yaʿăzōv ʾîsh ʾet-ʾāvîv veʾet-ʾimmô, vedāvaq beʾishtô, vehāyû leḇāsār ʾeḥād.

Tradução:

“Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne.”

Este versículo é central para a teologia bíblica do casamento, pois define o vínculo conjugal como uma relação exclusiva e indissolúvel, em que o homem deixa sua origem e se une à mulher de tal forma que ambos se tornam “uma só carne” (בָּשָׂר אֶחָד, basar eḥad). O adultério, nessa perspectiva, é uma ruptura violenta e pecaminosa dessa unidade ontológica, configurando-se não apenas como traição relacional, mas como negação do princípio criacional estabelecido por Deus.

A teologia sapiencial retoma esse tema em Provérbios 18:22, associando a relação conjugal à graça divina:

Texto hebraico:

מָצָא אִשָּׁה מָצָא טוֹב וַיָּפֶק רָצוֹן מֵיְהוָה׃

Transliteração:

Māṣāʾ ʾishāh māṣāʾ ṭôv, vayyāpeq rāṣôn meYHWH.

Tradução:

“Aquele que encontra uma esposa encontra o bem, e alcança o favor do SENHOR.”

A união conjugal é aqui vista como bênção e manifestação da graça de Deus. O adultério, por conseguinte, é negar esse dom, e agir contra a providência divina. É transformar o que foi dado como bem — “ṭôv” (טוֹב) — em fonte de desordem, vergonha e juízo.

Nesse sentido, a proibição do adultério, expressa no sétimo mandamento do Decálogo, está profundamente conectada ao quinto mandamento — “Honra teu pai e tua mãe” — pois ambos visam proteger e preservar a instituição familiar, que é a célula vital da sociedade e da aliança. Esse paralelismo é tão significativo que, em alguns testemunhos antigos — como o Papiro Nash, certos manuscritos da Septuaginta, e no próprio Fílon de Alexandria (De Decalogo 24:121) — ocorre uma inversão dos mandamentos 6 e 7, de modo que o 5º e o 7º aparecem justapostos, reforçando a relação estrutural entre honra familiar e fidelidade conjugal.

No corpus legal e profético do Antigo Testamento, o adultério é descrito não apenas como crime e traição, mas também como uma ação que causa impureza ritual, em linguagem cultual e levítica. Tanto o homem quanto a mulher que participam da relação adúltera são considerados ritualmente impuros, tendo violado a santidade do corpo e da aliança matrimonial, com consequências que ultrapassam o âmbito pessoal e afetam a comunidade como um todo.

O termo técnico usado para essa condição de impureza é טָמֵא (ṭāmēʾ, “impuro”), e aparece em passagens como:

Levítico 18:20

Texto hebraico:

וְאֶל־אֵשֶׁת עֲמִיתְךָ לֹא תִתֵּן שְׁכָבְתְּךָ לְזָרַע לְטָמְאָה־בָהּ׃

Transliteração:

Veʾel-ʾēsheṯ ʿămîtḵā lōʾ titēn shekāveṯḵā lezarāʿ letammāh-vāh.

Tradução:

“E com a mulher do teu próximo não te deitarás para te contaminares com ela.”

A expressão “לְטָמְאָה־בָהּ” (letammāh-vāh, “para te tornares impuro com ela”) mostra que o adultério não é apenas moralmente condenável, mas também uma transgressão ritual, tornando o infrator inapto ao contato com as coisas santas.

Números 5:13, no ritual das águas amargas para a mulher suspeita de adultério, reitera a associação entre adultério e impureza:

Texto hebraico:

וְשָׁכַב אִישׁ אֹתָהּ שִׁכְבַת־זֶרַע וְנֶעְלַם מֵעֵינֵי אִישָׁהּ וְנִסְתְּרָה וְהִיא נִטְמָאָה וְעֵד אֵין־בָּהּ וְהִוא לֹא נִתְפָּשָׂה׃

Transliteração:

vešākhav ʾîš ʾōtāh šikhvaṯ-zeraʿ, veneʿlam meʿēynê ʾîšāh, venisterāh, vehî nitmāʾāh, veʿēd ʾēyn-bāh, vehî lōʾ nitpāsāh.

Tradução:

“E um homem se deitou com ela derramando sêmen, e foi oculto aos olhos de seu marido, e ela se escondeu e se contaminou, e não há testemunha contra ela, e ela não foi flagrada.”

A palavra נִטְמָאָה (nitmāʾāh) designa a impureza da mulher adúltera, mesmo sem flagrante, mostrando que a transgressão possui efeitos espirituais invisíveis, mas reais. O profeta Ezequiel usa a mesma linguagem para associar o adultério à contaminação coletiva do povo:

Ezequiel 23:17

Texto hebraico:

וַיָּבֹא אֵלֶיהָ בְּנֵי בָבֶל לְמִשְׁכַּב דֹּדִים וַיְטַמְּאוּ אוֹתָהּ בְּתַזְנוּתָם וַתִּטְגָּאַל מֵהֶם וַתֵּקַע נַפְשָׁהּ בָּם׃

Transliteração:

Vayyāvōʾ ēleyhā benei Bāvel lemishkav dōdîm, vayetamməʾū ʾōṯāh betaznūṯām, vattitgāʾal mēhem, vatteqaʿ nafshāh bām.

Tradução:

“E vieram a ela os filhos da Babilônia para deitar-se com ela como amantes, e a contaminaram com sua prostituição, e ela se tornou impura por causa deles, e sua alma se enfadou deles.”

A linguagem de Ezequiel é intensamente simbólica: Israel é retratada como mulher adúltera, e a impureza sexual representa a infidelidade espiritual. Além disso, o adultério é classificado como abominação — termo hebraico תּוֹעֵבָה (tôʿēbāh) —, que indica o grau máximo de repulsa moral e religiosa. Isso é declarado em:

Ezequiel 22:11

Texto hebraico:

וְאִישׁ אֵל אֵשֶׁת רֵעֵהוּ עָשָׂה תּוֹעֵבָה וְכַלּוֹת הַנִּדָּה טִמֵּא וְאִישׁ אֶת־אֵשֶׁת בִּתוֹ טִמֵּא׃

Transliteração:

veʾîš el-ʾēsheṯ rēʿēhū ʿāsāh tôʿēbāh, vekhallōṯ hanniddāh timmēʾ, veʾîš ʾeṯ-ʾēsheṯ biṯō timmēʾ.

Tradução:

“Cada um cometeu abominação com a mulher do seu próximo, e contaminou a nora, e outro contaminou a mulher de seu pai.”

A palavra תּוֹעֵבָה (tôʿēbāh) designa ações que são profundamente ofensivas ao Senhor — seja na esfera sexual, religiosa ou cultual. O adultério está incluído na lista de pecados sexuais do Pentateuco que profanam a terra, provocando juízo coletivo.

Levítico 18:24–25

Texto hebraico:

אַל־תִּטַּמְּאוּ בְּכָל־אֵלֶּה כִּי בְכָל־אֵלֶּה נִטְמְאוּ הַגּוֹיִם אֲשֶׁר־אֲנִי מְשַׁלֵּחַ מִפְּנֵיכֶם׃

וַתִּטְמָא הָאָרֶץ וָאֶפְקֹד עֲוֹנָהּ עָלֶיהָ וַתָּקִא הָאָרֶץ אֶת־יֹשְׁבֶיהָ׃

Transliteração:

ʾAl-tittamməʾū bekhāl-ʾēlleh, kî bekhāl-ʾēlleh nitməʾū haggôyim ʾăsher-ʾănî məshalleaḥ mippenēḵem. Vattitmāʾ hāʾāreṣ, vāʾefqōḏ ʿăvōnāh ʿāleyhā, vattāqî hāʾāreṣ ʾet-yoshḇeyhā.

Tradução:

“Não vos torneis impuros com nenhuma dessas coisas, pois com todas elas se contaminaram as nações que eu lanço de diante de vós. E a terra se contaminou; e eu castiguei sua iniquidade sobre ela, e a terra vomitou seus habitantes.”

A transgressão sexual — incluindo o adultério — contamina a terra, gerando juízo ecológico e social. A terra “vomita” seus habitantes, numa imagem teológica forte: a criação rejeita o povo que viola suas normas sagradas. Na narrativa patriarcal, o adultério é chamado de “grande pecado” — חֲטָאָה גְדוֹלָה (ḥăṭāʾāh gedōlāh). Isso ocorre em:

Gênesis 20:9

Texto hebraico:

וַיִּקְרָא אֲבִימֶלֶךְ לְאַבְרָהָם וַיֹּאמֶר לוֹ מֶה עָשִׂיתָ לָּנוּ וּמֶה חָטָאתִי לָךְ כִּי־הֵבֵאתָ עָלַי וְעַל־מַמְלַכְתִּי חֲטָאָה גְדֹלָה מַעֲשִׂים אֲשֶׁר לֹא יֵעָשׂוּ עָשִׂיתָ עִמָּדִי׃

Transliteração:

Vayiqrāʾ ʾAvîmeleḵ leʾAvrāhām, vayyōʾmer lō: “Mah ʿāsîtā lānū, umah ḥātāʾtî lāḵ, kî-hēvēʾtā ʿālay veʿal-mamleḵtî ḥăṭāʾāh gedōlāh? Maʿăsîm ʾăsher lō yeʿāsû ʿāsîtā ʿimmādî.”

Tradução:

“Então Abimeleque chamou a Abraão e lhe disse: Que nos fizeste? E em que pequei contra ti, para que trouxesses sobre mim e sobre meu reino um grande pecado? Coisas que não se fazem, fizeste comigo.”

Esse mesmo conceito aparece em Gênesis 20:6 e Gênesis 39:9, onde José declara que adulterar com a esposa de Potifar seria “pecar contra Deus” (וְחָטָאתִי לֵאלֹהִים, veḥātāʾtî leʾlōhîm). Também o Salmo 51:6 expressa essa consciência teológica:

Texto hebraico:

לְךָ לְבַדְּךָ חָטָאתִי וְהָרַע בְּעֵינֶיךָ עָשִׂיתִי לְמַעַן תִּצְדַּק בְּדָבְרֶךָ תִּזְכֶּה בְשָׁפְטֶךָ׃

Transliteração:

Leḵā levaddeḵā ḥātāʾtî, vehāraʿ beʿêyneḵā ʿāsîtî; lemaʿan titzdaq bedāvreḵā, tizkeh bešofteḵā.

Tradução:

“Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mau aos teus olhos; para que sejas justificado ao falares, e puro ao julgares.”

A proibição do adultério ocupa lugar de destaque dentro do Decálogo — o núcleo legislativo e teológico mais elevado do Antigo Testamento. O sétimo mandamento, “Não adulterarás” (לֹא תִנְאָף, lōʾ tinʾāf) aparece em Êxodo 20:14 e Deuteronômio 5:18, e é parte do único momento em que YHWH se dirige diretamente ao povo inteiro de Israel, sem mediação profética, conforme atestado em Êxodo 20:19 e Deuteronômio 4:10; 5:20–21. Essa posição literária e teológica confere à proibição uma gravidade singular.

A inclusão desse mandamento no Decálogo reflete o fato de que o adultério é compreendido não apenas como um crime social, mas como uma transgressão da vontade direta de Deus. Essa percepção levou muitos intérpretes judaicos medievais a considerar que o sétimo mandamento resumia todas as proibições sexuais da Torá, funcionando como título abrangente para o corpo de leis sobre pureza sexual.

Saadia Gaon (século X), em seu comentário ao Decálogo, afirmou que o mandamento “Não adulterarás” inclui todas as formas de relações sexuais ilícitas. Essa linha hermenêutica foi continuada por Abraham Ibn Ezra e Isaac Abarbanel, que também interpretaram o sétimo mandamento como uma proibição geral contra todo tipo de imoralidade sexual, não se limitando ao adultério estrito entre homem casado e mulher casada.

Curiosamente, embora o adultério esteja fortemente regulamentado em Levítico e Deuteronômio, ele está completamente ausente da quarta grande coleção legal do Pentateuco — o chamado Código da Aliança (Êxodo 21–23). Essa omissão tem sido objeto de debate entre estudiosos. Alguns sugerem que o Código da Aliança, voltado a casos civis e danos, pressupõe o adultério como ofensa já estabelecida no decálogo e, portanto, não necessita de reformulação. Outros apontam para uma possível origem e função distinta desse código dentro da redação pentateucal.

O mandamento contra o adultério, ao lado do mandamento que ordena “Honra teu pai e tua mãe”, visa proteger a estrutura familiar sagrada. A justaposição entre o 5º e o 7º mandamentos é observada em documentos como o Papiro Nash, em algumas versões da Septuaginta, e também em Fílon de Alexandria, em De Decalogo 24:121. Nesses testemunhos, há inversão entre os mandamentos 6 e 7, de modo que os mandamentos de honra aos pais e de fidelidade conjugal aparecem lado a lado, evidenciando sua função comum de preservar a integridade da família israelita como célula da aliança.

B. Adultério e a Donzela Prometida

Na legislação bíblica, a donzela prometida (isto é, a jovem formalmente desposada, mas ainda não coabitando com o marido) ocupa um lugar jurídico e teológico singular, por estar tecnicamente casada segundo os padrões do Antigo Oriente Próximo, embora ainda resida na casa de seu pai. Essa condição de noivado com força legal se baseia na instituição do dote ou preço nupcial (מֹהַר, mōhar), como se infere de passagens como Êxodo 22:15–16, Deuteronômio 20:7, bem como de fontes legais comparadas como o Código de Hamurabi §130 (ANET, p. 171) e as Leis de Eshnunna §26 (ANET, p. 162).

De acordo com esse entendimento, a donzela prometida já é juridicamente considerada esposa do noivo, embora a consumação da união ainda não tenha ocorrido. Isso implica que, se ela mantiver relações sexuais com outro homem nesse intervalo, será tratada como adúltera, sujeita às penas mais severas da legislação bíblica. Tal concepção se reflete com clareza em Deuteronômio 22:23–24, onde se prescreve a pena de morte para ambos os envolvidos, caso o ato ocorra “na cidade” e a mulher não clame por socorro — o que, por inferência jurídica, configura consentimento presumido.

Deuteronômio 22:23–24

Texto hebraico:

כִּי־יִהְיֶה נַעֲרָה בְתוּלָה מְאֹרָשָׂה לְאִישׁ וּמְצָאָהּ אִישׁ בָּעִיר וְשָׁכַב עִמָּהּ׃
וְהוֹצֵאתֶם אֶת־שְׁנֵיהֶם אֶל־שַׁעַר הָעִיר הַהִוא וּסְקַלְתֶּם אֹתָם בָּאֲבָנִים וָמֵתוּ אֶת־הַנַּעֲרָה עַל־דְּבַר אֲשֶׁר לֹא־צָעֲקָה בָעִיר וְאֶת־הָאִישׁ עַל־דְּבַר אֲשֶׁר עִנָּה אֵשֶׁת רֵעֵהוּ וּבִעַרְתָּ הָרָע מִקִּרְבֶּךָ׃

Transliteração:

Kî yihyeh naʿărāh bətūlāh məʾōrāsāh leʾîsh, uməṣāʾāh ʾîsh bāʿîr, vešākhav ʿimmāh. Vehōṣēʾtem ʾeṯ-šənēhem ʾel-šaʿar hāʿîr hahîʾ, usqaltēm ʾōṯām bāʾăvānîm vāmētū: ʾeṯ-hannaʿărāh ʿal dəḇar ʾăsher lō-ṣāʿăqāh bāʿîr, veʾeṯ-hāʾîsh ʿal dəḇar ʾăsher ʿinnāh ʾēsheṯ rēʿēhū — ūviʿartā hārāʿ miqqirbēḵā.

Tradução:

“Se houver uma jovem virgem prometida a um homem, e um outro a encontrar na cidade e se deitar com ela, então levareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis até que morram: a jovem, porque não gritou na cidade; e o homem, porque humilhou a mulher do seu próximo. Assim eliminarás o mal do meio de ti.”

Esse dispositivo legal revela o entendimento de que o noivado possui o peso jurídico do casamento, e a transgressão sexual nesse estágio é tratada com a mesma severidade do adultério consumado.

Um exemplo adicional disso pode ser observado na lei da esposa recém-casada caluniada (Deuteronômio 22:13–21), que pode ser interpretada como outro exemplo da equiparação entre noivado e casamento. Nessa passagem, um homem acusa falsamente sua esposa de não ser virgem no momento do casamento, e caso se prove a acusação, ela deve ser executada por apedrejamento:

Deuteronômio 22:21

Texto hebraico:

וְהוֹצִיאוּ אֶת־הַנַּעֲרָה אֶל־פֶּתַח בֵּית אָבִיהָ וּסְקָלוּהָ אַנְשֵׁי עִירָהּ בָּאֲבָנִים וָמֵתָה כִּי עָשְׂתָה נְבָלָה בְּיִשְׂרָאֵל לִזְנוֹת בֵּית אָבִיהָ וּבִעַרְתָּ הָרָע מִקִּרְבֶּךָ׃

Transliteração:

Vəhōṣîʾū ʾeṯ-hannaʿărāh ʾel-petaḥ bēṯ ʾāvîhā, usqālūhā ʾanšê ʿîrāh bāʾăvānîm vāmētāh: kî ʿāśətāh nəḇālāh bəYiśrāʾēl liznōṯ bēṯ ʾāvîhā — ūviʿartā hārāʿ miqqirbēḵā.

Tradução:

“Então levarão a jovem à porta da casa de seu pai, e os homens de sua cidade a apedrejarão até que morra, porque cometeu uma loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai. Assim eliminarás o mal do meio de ti.”

Segundo a exegese judaica tradicional, essa punição é aplicada não porque a jovem teve relações sexuais antes do noivado, mas porque se deitou com outro homem depois do noivado e antes da coabitação com seu marido legítimo, permanecendo ainda sob a proteção do pai. Se, ao contrário, a pena de morte fosse aplicada por uma relação pré-noivado, como alguns poderiam sugerir, então Deuteronômio seria um caso isolado e excepcional em relação às demais tradições legais do Antigo Oriente Próximo.

Em outras legislações — como as próprias da Bíblia — os casos de violação sexual de virgens não desposadas são tratados com penas mais brandas. Por exemplo:

Êxodo 22:15–16

Texto hebraico:

וְכִי־יְפַתֶּה אִישׁ בְּתוּלָה אֲשֶׁר לֹא אֹרָשָׂה וְשָׁכַב עִמָּהּ מָהֹר יִמְהָרֶנָּה לוֹ לְאִשָּׁה׃
אִם־מָאֵן יְמָאֵן אָבִיהָ לְתִתָּהּ לוֹ כֶּסֶף יִשְׁקֹל כְּמֹהַר הַבְּתוּלוֹת׃

Transliteração:

Vəkhî yəfaṭṭeh ʾîš bətūlāh ʾăšer lōʾ ʾōrāsāh, vešākhav ʿimmāh — māhōr yimharennāh lō leʾiššāh. ʾIm-māʾēn yəmaʾēn ʾāvîhā lətittāh lō, kesef yišqōl kəmōhar habbətūlōṯ.

Tradução:

“Se um homem seduzir uma virgem que não está desposada e se deitar com ela, pagará o dote por ela para tomá-la por esposa. Se o pai dela se recusar a dá-la, ele pagará o valor do dote das virgens.”

O mesmo princípio aparece em Deuteronômio 22:28–29, e em leis mesopotâmicas como o Código de Hamurabi §130 e as Leis Assírias Médias §§55–56 (ANET, p. 185). Nesses casos, o crime não é punido com morte, mas com indenização econômica, considerando-se que o ato lesou a honra e a propriedade do pai da moça, e não violou uma união já formalizada.

Finkelstein (1966: 366–67) argumenta que, embora o adultério fosse considerado com extrema severidade, o estupro de uma mulher solteira era frequentemente tratado como delito leve, e exceto pelo elemento talional previsto nas Leis Assírias Médias 55, era visto como um dano econômico ao pai da moça, ou ao senhor, caso a vítima fosse escrava.

Essa distinção legal é também visível em Levítico 19:20, que trata de forma diferenciada a situação da escrava prometida (נֶחֱרֶפֶת, neḥerefet):

Texto hebraico:

וְאִישׁ כִּי יִשְׁכַּב אֶת־אִשָּׁה שִׁכְבַת־זֶרַע וְהִוא שִׁפְחָה נֶחֱרֶפֶת לְאִישׁ וְהָפְדֵּה לֹא נִפְדָּתָה אוֹ חֻפְשָׁה לֹא נִתַּן לָהּ בִּקֹּרֶת תִּהְיֶה לֹא יוּמְתוּ כִּי לֹא חֻפְשָׁה׃

Transliteração:

Vəʾîš kî yiškav ʾeṯ-ʾiššāh šikhvaṯ-zeraʿ, vehî šipḥāh neḥerefet leʾîš, vehofdāh lō nifdəṯāh, ʾō ḥupšāh lō nittan lāh — biqqōret tihyeh, lō yūmətū kî lō ḥupšāh.

Tradução:

“Se um homem se deitar com uma mulher que é escrava prometida a outro homem, mas que ainda não foi resgatada nem libertada, haverá punição; não serão mortos, pois ela não foi libertada.”

Como observa Jacob Milgrom (1977: 44–45), a razão para que nenhum dos dois seja executado não é porque o vínculo de betro no caso da escrava tenha menos valor, mas sim porque ela ainda não é uma pessoa legal aos olhos da lei — por ser propriedade de outrem — e portanto, sua relação sexual é tratada como uma violação da propriedade do dono, cuja solução é compensatória e não penal. Finkelstein reforça esse ponto (1966: 360), afirmando que, em todo o Antigo Oriente Próximo, a escrava não era considerada sujeito legal pleno, e sua integridade sexual era um bem jurídico pertencente ao seu senhor.

C. A Perseguição do Adultério

1. Pena de Morte

A definição da realidade jurídica antiga quanto à punição da adúltera e de seu parceiro em Israel é um tema repleto de incertezas e tensões interpretativas. Ao final da lei que trata do adultério, o legislador deuteronomista conclui com a ordem de “eliminar o mal de Israel”, como se lê em Deuteronômio 22:22, sugerindo que a própria comunidade, e não apenas os indivíduos afetados, possui o direito e o dever de iniciar processos legais contra adúlteros reconhecidos publicamente. A lógica da punição coletiva — que permeia tanto o Deuteronômio quanto o chamado Código da Santidade (Levítico 17–26) — reforça essa obrigatoriedade: a violação da aliança exige purgação pública, independentemente da vontade pessoal do cônjuge ofendido (cf. Levítico 18:24–30; 26:14–41; Deuteronômio 28:15–68).

M. Greenberg defende que, segundo o espírito da legislação bíblica, a pena capital era obrigatória em casos de adultério. Não havia, em sua leitura, espaço para atenuação ou cancelamento por parte do marido, uma vez que o adultério não era meramente uma ofensa contra o cônjuge, mas sim um pecado contra Deus, uma transgressão absoluta e inviolável (Greenberg 1960: 12).

Contudo, há outra vertente interpretativa. Loewenstamm (1962: 55–59), Jackson (1973: 33–34), Yaron (1969: 188, n. 77) e McKeating (1979: 62–65) argumentam que, na prática, a pena de morte por adultério em Israel era mais flexível, e que o direito de iniciar um processo legal pertencia exclusivamente ao marido ofendido. Essa concepção tornaria o direito israelita mais próximo da prática mesopotâmica, onde os códigos legais (como o Código de Hamurabi §129, Lei Assíria Média §15 e Lei de Eshnunna §28) preveem a pena capital, mas concedem ao esposo o poder de perdoar a transgressora (cf. ANET, 171, 181, 162). Embora a redação da Lei de Eshnunna pareça inflexível à primeira vista, Yaron (1969: 188–190) demonstra que interpretações mitigadoras eram possíveis.

Para Greenberg, a razão pela qual a legislação bíblica seria inflexível quanto à execução reside na percepção de que o adultério é pecado contra Deus, e não uma mera infração conjugal. O ser humano, portanto, não teria autoridade para perdoar em nome do pacto divino. No entanto, textos mesopotâmicos indicam que mesmo ali o adultério era visto como ofensa à divindade (cf. Lambert, BWL, 119, 131), mas os códigos legais dessas culturas ainda permitiam clemência por parte do marido. Isso levanta a possibilidade de que também em Israel houvesse, de fato, um distanciamento entre a norma ideal e a prática cotidiana.

A passagem de Provérbios 6:32–35 levanta exatamente essa questão. Embora mencione explicitamente o adultério, seu tom sugere que a execução seria a pena máxima possível, mas não necessariamente obrigatória, e que a sanção dependia, em última instância, da reação do marido traído. O texto descreve um homem indignado, inconsolável e irredutível, que não aceita resgate por seu ultraje. Contudo, o motivo não seria jurídico, mas emocional.

Provérbios 6:32–35

Texto hebraico:

נֹאֵף אִשָּׁה חֲסַר־לֵב מַשְׁחִית נַפְשׁוֹ הוּא יַעֲשֶׂנָּה׃
נֶגַע־וְקָלוֹן יִמְצָא וְחֶרְפָּתוֹ לֹא תִמָּחֶה׃
כִּי־קִנְאָה חֲמַת־גָּבֶר וְלֹא יַחְמוֹל בְּיוֹם נָקָם׃
לֹא־יִשָּׂא פְּנֵי כָל־כֹּפֶר וְלֹא יֹאבֶה כִּי־תַרְבֶּה שֹׁחַד׃

Transliteração:

Nōʾēf ʾiššāh ḥăsar-lēḇ, mashḥît nafšō hūʾ yaʿăśennāh.
Negaʿ vəqālōn yimṣāʾ, veḥerpātō lōʾ timmaḥeh.
Kî-qinʾāh ḥămat-gāḇer, vĕlōʾ yaḥmōl bəyōm nāqām.
Lōʾ yissāʾ pənē kol-kōfer, vəlōʾ yōʾveh kî-tarbeh šōḥaḏ.

Tradução:

“O que adultera com uma mulher está sem juízo; só destrói a si mesmo quem assim procede. Achará ferida e vergonha, e sua afronta jamais será apagada. Pois o ciúme é o furor do homem, que não poupará no dia da vingança. Não aceitará resgate algum, nem se deixará aplacar, ainda que multipliques os presentes.”

A negativa em aceitar “resgate” (כֹּפֶר, kōfer) parece ser motivada pelo furor do marido, e não por uma proibição jurídica explícita. Isso contrasta com Números 35:31–32, que proíbe expressamente o resgate no caso de homicídio, mas não menciona adultério, o que pode sugerir que o resgate era tecnicamente admissível nesse último caso, embora raramente aceito na prática. A menção paralela de שֹׁחַד (šōḥaḏ, “suborno”) indica que o pagamento poderia ser ilícito, usado para evitar o processo — o que reforça a ambiguidade do texto.

Porém, dada a orientação internacional e sapiencial do livro de Provérbios, e a opacidade interpretativa das chamadas “perícopes da mulher estranha” (capítulos 2 e 5–7), não é recomendável reconstruir a jurisprudência israelita com base exclusiva nesse texto.

Passagens como Jó 31:11–12 abordam o adultério com uma linguagem que parece juridicamente ambígua. Jó chama o adultério de ʿāwōn pelîlîm, que E. A. Speiser (1963: 304) traduz como “transgressão passível de avaliação”, partindo da hipótese de que o radical פלל (pll) carrega em todos os seus usos a ideia de “avaliar” ou “estimar”. Essa interpretação abriria espaço para pensar que o adúltero poderia compensar o marido com pagamento, e que a gravidade do ato era calculada pelo cônjuge ofendido.

Entretanto, essa leitura parece inadequada. Jó chama o adultério de זִמָּה (zimmâh), termo regularmente empregado para atos sexuais abomináveis e detestáveis, e ainda o descreve como um fogo que consome até Abadom — o que sugere algo profundamente destrutivo, e não meramente avaliável economicamente.

Jó 31:11–12

Texto hebraico:

כִּי הִיא־נְבָלָה וְהִיא עָוֺן פְּלִילִים׃
כִּי־אֵשׁ הִיא עַד־אֲבַדּוֹן תֹּאכֵל וּבְכָל־תְּבוּאֹתִי תְשָׁרֵשׁ׃

Transliteração:

Kî hîʾ nəḇālāh, vəhîʾ ʿāwōn pəlîlîm.
Kî-ʾēš hîʾ ʿad-ʾĂḇaddōn tōʾkēl, ūḇəḵāl təḇūʾōṯî təšārēš.

Tradução:

“Porque isso seria infâmia; seria iniquidade de juízo. Pois é fogo que consome até Abadom, e que arrancaria todas as minhas colheitas pela raiz.”

Portanto, até que se compreenda com mais certeza o sentido do radical pll neste contexto e em passagens correlatas (Jó 31:28; Deuteronômio 32:31), a tradução preferível continua sendo “crime grave” ou “iniquidade criminal”, o que melhor expressa a severidade intrínseca do ato no universo moral de Jó.

D. A Perseguição do Adultério

1. Divórcio

A escola farisaica de Shammai propôs que o termo legal bíblico para divórcio, עֶרְוַת דָּבָר (ʿerwat dāḇār, “nudez de coisa”), tal como aparece em Deuteronômio 24:1–4, deveria ser interpretado como referência direta ao adultério como fundamento suficiente para a separação conjugal. Essa opinião é registrada na Mishná Gitin 9:10. No entanto, essa associação entre “nudez de coisa” e adultério foi amplamente rejeitada por estudiosos posteriores. Autores como Neufeld (1944: 178–89) e Lieber (EncJud 6:123–124) demonstraram que o termo não deve ser identificado automaticamente com infidelidade sexual, e que o adultério, em sentido estrito, era tratado em outras esferas legais, especialmente sob a perspectiva penal, e não civil.

Algumas passagens proféticas, como Jeremias 3:8 e Oseias 2:4, indicam que a mulher adúltera foi repudiada por meio do divórcio. Todavia, a linguagem de ambos os textos é profundamente metafórica: em Jeremias, o “divórcio” representa o exílio do reino do norte, enquanto o verbo hebraico שָׁלַח (šālaḥ, “enviar”, “repudiar”) funciona como imagem teológica da rejeição de Israel. Em Oseias 2:4, a fórmula usada — “Tu não és minha mulher” — ecoa expressões jurídicas do Antigo Oriente Próximo para o divórcio (cf. Gordon 1936: 277–280; Yaron 1961: 46–47). Porém, os exegetas Andersen e Freedman (Hosea, Anchor Bible, p. 222) alertam que talvez não se trate de divórcio literal, uma vez que não haveria base lógica para os eventos subsequentes do texto, como a reconciliação posterior.

2. Desnudamento Público da Adúltera

A prática de desnudar publicamente a mulher infiel aparece em diversos textos proféticos — Oseias 2:5, 12; Jeremias 13:22–26; Ezequiel 16:37, 39; 23:26, 29 —, nos quais Israel, como esposa infiel, é despojada por seus “amantes”, ou seja, as potências estrangeiras às quais se aliou. Essa punição simbólica também aparece em Naum 3:5, onde a cidade é desnudada em sinal de vergonha e exposição pública.

Apesar do seu tom metafórico, o ato de despimento ritual pode ter tido paralelos concretos: em m. Soṭa 1:5, a mulher suspeita de adultério (sotah) era parcialmente despida antes de beber a poção das “águas amargas”, conforme descrito em Números 5:11–31, o que indica uma função humilhante e ritualística da nudez pública. Ainda assim, é importante notar que esse despimento não constitui punição autônoma, mas frequentemente prelúdio à execução, como se vê em Ezequiel 16:37–41 e em Susana 32 (texto deuterocanônico), onde a mulher é exposta antes do juízo.

Há, porém, distinções entre os textos: em Ezequiel 16:39 e 23:26, 29, Jerusalém é despida por seus amantes, não por seu “marido” legítimo (isto é, YHWH). Já em Oseias 2:5, Jeremias 13:26, e em fontes acadias, a mulher infratora é despida por seu marido ou sua família, com o intuito de simbolizar o fim do sustento, proteção e vínculo jurídico, como observado por Gordon (1936: 277) e Greenberg (Ezequiel, AB, p. 287). Essa ação dramatiza o rompimento da aliança conjugal e a exposição pública da transgressora como expressão de rejeição legal e social.

No contexto de Ezequiel 16 e 23, contudo, nota-se a intrusão do elemento metafórico nacionalista: o despimento simboliza a pilhagem de Israel pelas nações estrangeiras — ou seja, a infidelidade cultual da nação é julgada por meio da intervenção militar, e a nudez representa a invasão, devastação e humilhação política.

3. Mutilação

A mutilação da adúltera é mencionada em Ezequiel 23:25, mas essa descrição não deve ser entendida como prática israelita normativa. O próprio profeta declara que os juízes de Oolibá (representando Jerusalém) “julgarão segundo seus costumes” (v. 24), sugerindo que os atos violentos descritos pertencem à esfera do direito estrangeiro, não da jurisprudência israelita. Isso é corroborado por paralelos no Direito Assírio Médio, especialmente no §15 (ANET, p. 181), onde punições físicas extremas são mencionadas.

Desse modo, a mutilação, embora narrada em Ezequiel, não serve como evidência para a prática jurídica concreta em Israel. Ela pertence, como as outras imagens, à construção retórica e simbólica profética.

4. Incerteza Jurídica e a Responsabilidade Coletiva

Todos os textos mencionados — sobre divórcio, desnudamento e mutilação — contêm forte carga simbólica e profética, o que dificulta seu uso como base para reconstruções firmes do direito israelita real. O fato de que a maioria dessas ocorrências ocorre em contextos alegóricos, nos quais Israel é figurada como mulher infiel, recomenda prudência máxima ao derivar conclusões jurídicas.

A própria estrutura processual para o julgamento do adultério em Israel permanece nebulosa. Tomando como paralelo o tratamento do homicídio, vemos que a execução do assassino cabia originalmente ao parente da vítima, o goʾēl haddām (“vingador do sangue”), conforme Números 35:19–21 e Deuteronômio 19:6, 12. No entanto, a legislação posterior buscou limitar esse sistema de vingança pessoal, criando cidades de refúgio e delegando o julgamento a autoridades públicas (cf. Êxodo 21:13–14; Números 35:9–29; Deuteronômio 19:1–13), especialmente para distinguir entre homicídio intencional e culposo. Se o vingador matasse um inocente, toda a comunidade se tornava culpada por sangue inocente (cf. Números 35:33–34; Deuteronômio 19:10).

Analogamente, a transição do adultério de delito privado a crime público reflete o caráter teológico da aliança de Israel com YHWH. Como o adultério violava não apenas o pacto matrimonial, mas também os fundamentos da aliança nacional com Deus, sua criminalização era uma consequência inevitável. Com isso, a prosecção do adultério deixa de ser direito que o indivíduo poderia renunciar, passando a ser obrigação coletiva da comunidade pactual.

E. Métodos de Execução

A legislação bíblica que estabelece a pena capital para o adultério — como em Levítico 20:10 e Deuteronômio 22:22 — não especifica explicitamente o método de execução. Essas passagens determinam a morte de ambos os culpados, o homem e a mulher, mas deixam em aberto o modo como a pena deveria ser aplicada.

Nos casos de desonra sexual cometida por uma virgem prometida (Deuteronômio 22:24) e da defloração precoce da noiva recém-casada (Deuteronômio 22:13–21), a pena é claramente apedrejamento. A aplicação desse método sugere que, por analogia, o mesmo procedimento poderia ser presumido para casos similares, embora tal inferência não seja confirmada explicitamente nos textos que tratam de adultério entre pessoas casadas.

Em textos proféticos como Ezequiel 16:40 e Ezequiel 23:47, as punições impostas à cidade adúltera — Jerusalém — incluem apedrejamento e golpeamento com espada, mas esses casos envolvem crimes agravados, como idolatria e infanticídio, que ultrapassam a esfera do adultério conjugal simples. Ainda assim, tais descrições ajudam a contextualizar os métodos tradicionais de execução do Antigo Oriente Próximo.

A Septuaginta do livro de Susana, no versículo 62, menciona que os falsos acusadores de adultério foram lançados em um precipício — um procedimento que remonta a Deuteronômio 19:16–19, onde falsas testemunhas devem sofrer a pena que pretendiam impor à parte inocente. Esse método de execução está em conformidade com a tradição rabínica que interpretava o apedrejamento como o lançamento do criminoso de um desfiladeiro pedregoso, e não o arremesso de pedras propriamente dito. Tal concepção está registrada na Mishná Sanhedrin 6:4, reforçando a ideia de que havia mais de um modo de aplicar a pena capital sob a rubrica de apedrejamento.

De acordo com a tradição talmúdica, a estrangulação foi estabelecida como o método de execução para o adultério, conforme a regra hermenêutica segundo a qual, toda vez que a pena de morte é prescrita sem menção explícita do método, o procedimento aplicável é o estrangulamento. Essa norma aparece em Sipra, Qedoshim 10:8 e b. Talmud Sanhedrin 52b. Rabino Josias justificava essa escolha alegando que o estrangulamento seria a forma mais misericordiosa de execução, especialmente quando o texto bíblico não definia claramente o instrumento da pena.

Outra penalidade aparece em Gênesis 38, quando Tamar, viúva de Er, é acusada de fornicação enquanto ainda estava prometida a Selá, seu cunhado. Judá, considerando que sua situação era juridicamente equivalente à de uma mulher casada, ordena que ela seja queimada viva:

Gênesis 38:24

Texto hebraico:

וַיְהִי כְּמִשְׁלֹש חֳדָשִׁים וַיֻּגַּד לִיהוּדָה לֵאמֹר זָנְתָה תָמָר כַלָּתֶךָ וְגַם הִנֵּה הָרָה לִזְנוּנִים וַיֹּאמֶר יְהוּדָה הוֹצִיאוּהָ וְתִשָּׂרֵף׃

Transliteração:

Vayhi kəmishlōsh ḥodāshîm, vayyuggad leYehūḏāh lēʾmōr: “Zāntāh Tāmār kallāṯeḵā, vegam hinnēh hārā liznūnîm.” Vayyōʾmer Yehūḏāh: “Hōṣîʾūhā vetissārēf.”

Tradução:

“E aconteceu que, passados cerca de três meses, foi dito a Judá: ‘Tamar, tua nora, se prostituiu, e eis que está grávida da prostituição.’ Então disse Judá: ‘Tirai-a para fora, e seja queimada.’”

O caso de Tamar ilustra que, quando o adultério era praticado por alguém já vinculado juridicamente por noivado — ou levirato, como no caso —, a punição poderia assumir a forma mais extrema de execução, queimar viva, algo reservado a situações especialmente graves ou sagradas.

Isso é confirmado também por Levítico 21:9, onde a filha de sacerdote que comete prostituição — termo amplamente interpretado como adultério nesse contexto — deve ser executada por queima, devido ao padrão elevado de santidade exigido do sacerdócio:

Texto hebraico:

וּבַת אִישׁ כֹּהֵן כִּי תֵחֵל לִזְנוֹת אֶת־אָבִיהָ הִיא מְחַלֶּלֶת בָּאֵשׁ תִּשָּׂרֵף׃

Transliteração:

Uvaṯ ʾîš kōhēn kî tēḥēl liznōṯ, ʾeṯ-ʾāvihā hîʾ məḥalleleṯ; bāʾēsh tissārēf.

Tradução:

“A filha de qualquer sacerdote, se se profanar prostituindo-se, profana a seu pai; com fogo será queimada.”

Portanto, embora a prostituição de uma mulher comum não implicasse pena penal nos códigos legais (como se vê nos debates em torno de Deuteronômio 22:13–21), no caso da filha de sacerdote, a santidade sacerdotal transforma o ato em um crime capital de ordem sagrada.

Quando os culpados são identificados, ambos — homem e mulher — são executados, como reiteram os textos de Levítico 20:10 e Deuteronômio 22:21–22. Contudo, A. Phillips (1970: 110) afirma que a inclusão da mulher entre os executados seria uma inovação introduzida pela reforma deuteronomista. Ele parte da hipótese (controversa) de que o Decálogo foi originalmente dirigido apenas aos homens israelitas, e que, por isso, apenas os homens seriam puníveis sob sua autoridade direta.

Essa tese é considerada marginal por muitos estudiosos. Phillips argumenta que, como o verbo singular yûmat (“será morto”) é usado em Levítico 20:10, mesmo havendo um sujeito composto — “o adúltero e a adúltera” —, isso indicaria que a mulher foi acrescentada posteriormente ao texto. No entanto, esse tipo de irregularidade gramatical é comum em hebraico bíblico, como reconhecido pela gramática clássica de Gesenius-Kautzsch-Cowley (GKC §145o). Michael Fishbane (1974: 25, nota 2) propõe que isso se deva ao uso do binômio מוֹת יוּמַת (môt yûmat, “certamente será morto”) como uma fórmula legal congelada, que se mantém invariável, mesmo com variação do sujeito.

A punição igual para ambas as partes do adultério reflete, aliás, a prática jurídica de diversas culturas semíticas antigas. O Código de Hamurabi §129, a Lei Assíria Média §13 e as Leis Hititas §§197–198 (ANET, pp. 171, 181, 196) também prescrevem pena de morte para os dois envolvidos, e isso parece ter como objetivo prevenir conluios entre dois parceiros contra um terceiro cônjuge. Em outras palavras, punir apenas um dos envolvidos poderia incentivar falsos testemunhos ou manipulações legais.

A expressão גַּם שְׁנֵיהֶם (gam šenêhem, “ambos, tanto um quanto o outro”), usada em Deuteronômio 22:22, reforça essa exigência de justiça equitativa, e ilustra a preocupação do texto bíblico com a simetria legal e com a neutralidade do juízo moral, exigindo que ambos os adúlteros — homem e mulher — sejam tratados da mesma forma diante da lei.

III. Adultério no Antigo Oriente Próximo (ANE)

Ao comparar a legislação israelita com os códigos legais de seus vizinhos do Antigo Oriente Próximo, diversos traços distintivos emergem com clareza. Primeiramente, o Código Hitita, na cláusula 197 (ANET, p. 196), e possivelmente também a Lei Assíria Média 15 (ANET, p. 181; cf. Driver and Miles 1975: pp. 45–50), permitem que o marido traído execute sumariamente o casal flagrado em adultério — ou seja, no próprio ato do delito (in flagranti delicto) — sem necessidade de processo judicial. No entanto, essa forma de justiça sumária é rejeitada pela legislação israelita, conforme evidenciam os preceitos jurídicos do Pentateuco. Textos como Deuteronômio 17:6–7, 19:15 e Números 35:30 exigem a presença de duas ou três testemunhas para a condenação, e proíbem implicitamente qualquer retaliação privada sem o devido processo. Isso estabelece uma importante salvaguarda jurídica contra abusos e execuções precipitadas, refletindo um sistema mais formalizado e regulado do que em outras culturas contemporâneas.

Em segundo lugar, nos códigos mesopotâmicos, a culpa do parceiro masculino era relativizada de acordo com seu conhecimento da situação conjugal da mulher. Se o homem envolvido não soubesse que a mulher era casada, sua absolvição era possível, como evidenciado por Finkelstein (1966: pp. 369–370) e pelas Leis Assírias Médias 13–14 (ANET, p. 181). No entanto, a legislação bíblica não prevê tal atenuante. A passagem de Gênesis 20:3, na qual Deus diz a Abimeleque “Tu és homem morto por causa da mulher que tomaste, pois ela tem marido”, demonstra que, do ponto de vista da justiça divina, a culpabilidade pelo adultério é absoluta, mesmo quando baseada na ignorância factual. Não há espaço para alegação de inocência com base em desconhecimento, o que destaca o rigor teológico da Torá nesse aspecto.

Terceiro, os códigos legais mesopotâmicos abordam questões colaterais ao adultério com muito mais abrangência do que a legislação bíblica. Um exemplo notável é o tratamento dado à situação em que uma mulher casada passa a coabitar com outro homem após o abandono por parte do esposo ou devido ao cativeiro prolongado deste em terra estrangeira. Essa possibilidade é regulamentada em leis como as da Eshnunna 29–30 (ANET, p. 162), no Código de Hamurabi 134–136 (ANET, p. 171) e na Lei Assíria Média 36 (ANET, p. 183). Por contraste, a Bíblia não legisla sobre esse caso específico; somente em estágios posteriores da jurisprudência judaica rabínica essa situação é contemplada (cf. Schereschewsky, Encyclopaedia Judaica, vol. 2, pp. 429–433).

Outro aspecto em que os textos mesopotâmicos são mais desenvolvidos está na regulação da acusação de adultério feita por terceiros. A Lei Assíria Média 17–18 (ANET, p. 181) e o Código de Hamurabi 132 (ANET, p. 171) tratam especificamente de casos em que alguém, que não o marido, acusa uma mulher de infidelidade. Já na Bíblia, apenas o próprio esposo tem o direito de levantar tal acusação, como se observa nos rituais do “ciúme” prescritos em Números 5:11–31 e na narrativa da esposa recém-casada em Deuteronômio 22:13–21.

Por fim, a legislação do Antigo Oriente Próximo aborda o crime de lenocínio (ou “pandering”) — o ato de explorar ou facilitar a prostituição — como uma ofensa associada ao adultério. As Leis Assírias Médias 22–24 (ANET, pp. 181–182) contêm cláusulas específicas sobre essa prática, o que não encontra paralelo direto no texto bíblico, embora temas semelhantes sejam condenados eticamente pelos profetas e textos sapiencais.

Essas comparações revelam que, embora a legislação mosaica compartilhe algumas categorias jurídicas com as civilizações ao seu redor, ela mantém um rigor teológico e uma concepção moral própria, fundamentada em uma aliança espiritual e em um código de santidade nacional singular. Ao mesmo tempo, sua relativa concisão contrasta com a casuística e o detalhamento técnico dos códigos mesopotâmicos.

IV. Adultério nos Livros Históricos

O tema do adultério é recorrente no livro de Gênesis, aparecendo em múltiplos episódios. Tanto Abraão quanto Isaque tentam proteger a si mesmos apresentando suas esposas como irmãs, o que permite que estas sejam tomadas — ou quase tomadas — por homens estrangeiros (Gênesis 12:10–20; 20; 26:1–11). Essa estratégia revela a convicção dos patriarcas de que os habitantes de Gerar e do Egito levavam o “grande pecado” do adultério com seriedade suficiente para preferirem matar o suposto marido — e assim tornar a mulher viúva — do que incorrer na culpa associada à relação com uma mulher casada. Essa interpretação é sustentada por David Kimchi, que observa essa pressuposição moral subjacente à ação dos patriarcas. Em todos esses relatos, a punição de YHWH pelo possível adultério é dirigida não apenas ao indivíduo, mas atinge coletivamente a casa ou o povo envolvido (Gênesis 12:17; 20:7, 17; 26:10), evidenciando a gravidade do delito diante do juízo divino.

No capítulo 38 de Gênesis, tem-se o relato de Judá condenando à morte sua nora Tamar, ao tomar conhecimento de que ela havia engravidado enquanto ainda estava juridicamente ligada à casa de seu falecido marido, aguardando que o levir (o irmão mais novo do falecido) atingisse a maioridade para cumprir seu dever legal. A acusação contra Tamar era de adultério, dada sua relação sexual com outro homem nesse período de espera, e sua sentença foi a morte por queima. Esse julgamento prévio, porém, é revertido quando Tamar revela que o pai da criança era o próprio Judá, expondo a hipocrisia e a precipitação de seu sogro.

Outro episódio marcante se encontra em Gênesis 39, onde é apresentada uma falsa acusação de adultério: a esposa de Potifar acusa José de tentar violentá-la, após este resistir às suas repetidas investidas. A narrativa alude ao perigo de falsas acusações sexuais envolvendo mulheres casadas, uma situação que é juridicamente tratada ao lado do adultério consensual nas legislações antigas. A relação entre estupro tentado e adultério consentido é evidenciada tanto no código bíblico (Deuteronômio 22:23–27) quanto nas legislações do Antigo Oriente Próximo, como a Lei de Eshnunna 26, o Código de Hamurabi 130 e a Lei Hitita 197–198. Esses textos demonstram que, juridicamente, a tentativa de relação sexual com uma mulher casada era considerada de gravidade equivalente ao adultério consumado, refletindo uma preocupação com a honra do lar conjugal e a integridade da linhagem.

O exemplo mais notório de adultério na história bíblica é o caso do rei Davi. Ele comete adultério com Bate-Seba, filha de Eliã e esposa de Urias, o heteu — este último sendo um dos guerreiros mais leais do rei (2 Samuel 11; cf. 2 Samuel 23:39). O pecado de Davi se agrava pelo fato de que, ao descobrir que engravidara a mulher, arquitetou deliberadamente a morte de Urias na linha de frente da batalha. Essa ação visava ocultar o adultério e evitar sua exposição pública. O temor de Davi se explica, em parte, pela censura moral que se esperava por parte do povo, conforme indicado em Provérbios 6:33: “A vergonha e a desonra achará, e o seu opróbrio nunca se apagará.” Mas também é possível que o rei temesse a aplicação literal da lei de Israel contra si mesmo, já que o texto legal não prevê exceções para a realeza (Deuteronômio 17:19). O precedente de 1 Reis 21, no qual a injustiça de Acabe é punida, reforça a ideia de que o rei em Israel estava sujeito à mesma lei que seus súditos, distinguindo o modelo teocrático israelita dos sistemas monárquicos absolutistas vizinhos, onde o rei era muitas vezes acima da lei.

V. Adultério nos Livros Proféticos

Os profetas frequentemente denunciaram a infidelidade conjugal do povo de Israel, associando seus pecados tanto a atos literais de adultério quanto à infidelidade espiritual. Textos como Oseias 4:2, 13–14; Jeremias 5:7; 7:9; 13:27; Ezequiel 22:11; 33:26; Isaías 57:3; e Malaquias 3:5 contêm acusações explícitas de adultério literal. Além disso, Jeremias responsabiliza diretamente os próprios profetas de sua geração por essa traição (Jeremias 23:14; 29:23), denunciando-os como culpados dessa violação moral e espiritual.

O adultério também se torna uma metáfora poderosa e recorrente para a apostasia nos livros proféticos. Essa simbologia aparece de maneira central em Oseias 1–3, Jeremias 2:23–25; 3:1–13; Ezequiel 16 e 23. A analogia é apropriada, pois tanto o adultério quanto a idolatria representam uma quebra da fidelidade exclusiva — seja conjugal, seja espiritual. Essa equivalência simbólica está fundamentada na própria Torá, onde Israel é ordenado a reverenciar unicamente a YHWH (Êxodo 20:3; 22:19; 34:14, entre outros), e onde a linguagem do pacto entre Deus e Israel espelha, em forma e solenidade, as fórmulas matrimoniais encontradas em textos do Antigo Oriente Próximo (Levítico 26:12; Deuteronômio 26:17–18; 29:12). Estudos como os de Yaron (1961: 46–47) e Muffs (1965) sustentam essa correspondência literária. YHWH é descrito como um Deus “zeloso” ou “apaixonado” (qannā˒) nos contextos em que Israel flerta com outros deuses (Êxodo 20:5; 34:14), e a idolatria — especialmente o culto ao bezerro de ouro — é caracterizada como o “grande pecado” de Israel (Êxodo 32:21; 2 Reis 17:21). A adoração de outras divindades é chamada de “prostituição espiritual” (Êxodo 34:16; Deuteronômio 31:16). Alguns estudiosos sugerem que esse motivo simbólico pode estar ligado ao comportamento sexual libertino associado aos cultos de fertilidade cananeus, cuja imoralidade servia de pano de fundo à metáfora profética.

O profeta Oseias é o primeiro a fazer de maneira explícita a analogia entre adultério e apostasia. Há quem argumente que essa noção surgiu para ele como interpretação teológica de sua própria experiência doméstica, marcada pela infidelidade de sua esposa Gômer. Nesse entendimento, o mandado divino para que tomasse uma “mulher de prostituições” (Oseias 1:2) teria sido registrado após tais acontecimentos, funcionando como uma releitura profética do sofrimento pessoal à luz do plano de Deus. Outros estudiosos, porém, questionam a historicidade literal de Oseias 1–2, destacando o caráter alegórico e obscuro desses capítulos. Além disso, em Oseias 3, muitos argumentam que a mulher adúltera mencionada já não seria Gômer, mas um símbolo genérico. Cohen, por sua vez, propõe que a percepção profética de Oseias tenha brotado da própria tradição religiosa israelita — mais precisamente de uma analogia teológica já comum entre aliança e casamento — o que explicaria a linguagem do profeta sem depender de eventos domésticos particulares (Cohen 1966: 9–11).

Em Jeremias 3:1–5, o profeta utiliza a estrutura jurídica de Deuteronômio 24:1–4 para ilustrar os efeitos devastadores da “prostituição espiritual” de Israel com múltiplos amantes. Os versículos 6–13 narram a história de duas irmãs, “Israel Rebelde” e “Judá Traiçoeira”, ambas casadas com YHWH. Israel, a irmã do norte, é repudiada por adultério — referência ao exílio assírio do Reino do Norte — enquanto Judá aparenta um arrependimento apenas superficial (alusão à reforma religiosa de Josias em 2 Reis 22–23). Mesmo depois disso, segundo o versículo 13, Judá continua sua traição, abrindo-se “aos estrangeiros sob toda árvore frondosa” — expressão derivada da paráfrase de Rashi sobre a frase ambígua wattĕpazzŭr ˒et-dĕrākayik, que outros intérpretes entendem como “espalhaste os teus caminhos”. Diversas outras menções ao adultério no livro de Jeremias provavelmente se referem também à idolatria, como em 5:7; 7:9; 13:22.

Ezequiel explora esse tema com ainda maior intensidade do que Oseias ou Jeremias. O capítulo 16, com 63 versículos — o mais extenso de todo o livro —, desenvolve o retrato de Jerusalém como uma assassina ninfomaníaca cuja devassidão é tão abominável que até Sodoma (ali identificada como sua “irmã”) parece justa em comparação. Já no capítulo 23, Ezequiel retoma em 49 versículos o motivo de Jeremias 3:6–12, ampliando com traços ainda mais gráficos e extremos a alegoria do casamento de YHWH com duas irmãs, que traem esse vínculo com suas idolatrias deliberadas e promíscuas.

VI. Adultério na Literatura Sapiencial

Nos capítulos 2, 5, 6 e 7 do livro de Provérbios, há exortações insistentes contra o envolvimento com a adúltera, descrita também como “mulher má” (6:24), mas principalmente referida como “estranha” ou “estrangeira” (2:16; 5:3,20; 6:24; 7:5). Embora trajada como prostituta (7:10), ela não é propriamente identificada como tal; na verdade, Provérbios 6:26 estabelece um contraste entre a prostituta e a adúltera. Em Provérbios 5, há uma ambiguidade quanto à relação entre a mulher adúltera e a mulher “estranha”, pois apenas a vítima visada é apresentada como casada (vv. 15–20), deixando incerto o estado conjugal da mulher em questão. A sedutora atrai homens tolos para sua casa com palavras enganadoras (2:16; 5:3; 6:24; 7:14–20). A consequência desse envolvimento é a morte (2:18–19; 5:5; 7:26–27), a qual pode se referir tanto a uma execução judicial quanto à morte prematura imposta por Deus — ou ainda à perdição espiritual. Em Provérbios 2:17, diz-se que ela se esqueceu da “aliança do seu Deus”, o que pode aludir tanto ao Decálogo, que proíbe o adultério, quanto aos próprios votos matrimoniais.

A caracterização dessa mulher como “estranha” ou “estrangeira” tem sido interpretada de várias formas: (1) como mulher dissoluta, ela se posiciona fora do círculo de relacionamentos legítimos ou dos padrões normativos da comunidade, segundo análise de Snijders (1954: 88–100); (2) a palavra zār, como em outros contextos, pode designar um terceiro, alguém que não pertence ao grupo, à família ou à tribo específica — como se observa em Deuteronômio 25:5; 1 Reis 3:18; Provérbios 5:10, 17; (3) a mulher seria de fato uma estrangeira: textos da sabedoria egípcia advertem contra a mulher vinda do exterior, que viaja desacompanhada do marido e busca capturar jovens ingênuos (cf. Ancient Near Eastern Texts, p. 420); (4) segundo Boström, ela seria uma estrangeira devota de uma deusa da fertilidade e sua atividade sexual possuiria função cultual (1935: 103–155); ou ainda (5) essa figura simbolizaria uma deusa cananeia e seu culto, ou, de forma mais geral, as religiões não-israelitas — ou mesmo “as seduções deste mundo”, como ensina Saadia Gaon. Em contribuição mais recente, Fishbane (1974: 44) interpreta Provérbios 6:20–35 como um midrash bíblico interno sobre o Decálogo, em que a mulher estrangeira simboliza “a sedução de uma falsa sabedoria”, em oposição direta à sabedoria divina personificada em Provérbios 8 e 9.

Provérbios 30:20 destaca o descaramento da mulher adúltera, que age com frieza: “ela come, enxuga a boca e diz: ‘não fiz nada de errado’” — linguagem eufemística que retrata seu desprezo moral. No livro de Jó, o adúltero é equiparado ao assassino e ao ladrão: disfarça-se para esconder sua identidade e aguarda a escuridão da noite para cometer o crime (Jó 24:13–16). Em seu juramento de integridade, Jó invoca maldição sobre si mesmo caso tenha sido seduzido pela mulher do próximo e se tenha esgueirado até sua porta (31:9–12), indicando que tal adultério seria uma transgressão intolerável, digna da mais severa punição.

VII. Adultério na Antiga Grécia

Na Atenas clássica, não existia um termo que correspondesse com exatidão à palavra portuguesa “adultério”, embora houvesse o conceito de moicheia (em grego antigo: μοιχεία), o qual era considerado uma infração penal. A moicheia é comumente traduzida por “adultério” por estudiosos modernos, embora sua definição e aplicação jurídica fossem mais específicas do que o uso contemporâneo da palavra. Na legislação ateniense, moicheia dizia respeito exclusivamente à relação sexual ilícita com mulheres livres. Isso significa que relações extraconjugais com escravas ou prostitutas não constituíam ofensa legal para os homens, sendo, portanto, permitidas. De maneira marcante, a cultura ateniense e suas normas jurídicas entendiam que a sedução de uma mulher cidadã era um delito mais grave do que o estupro.

A lei ateniense autorizava que o kyrios (tutor legal da mulher) cometesse homicídio justificado se flagrasse um moichos (adúltero) no ato. Apesar de legal, essa prática parece ter sido rara, sendo mais comum que os adúlteros fossem levados a julgamento, obrigados a pagar resgate monetário ou submetidos a humilhações físicas. A literatura cômica grega preservada contém inúmeras referências a esse tipo de punição, ilustrando a exposição e escárnio públicos que recaíam sobre os infratores. No caso das mulheres envolvidas em moicheia, as punições variavam conforme o estado civil: mulheres casadas enfrentavam o divórcio e a perda de seus direitos cívicos, enquanto mulheres solteiras poderiam ser vendidas como escravas — embora não se conheçam registros concretos dessa última pena sendo aplicada (Roy, 1997, p. 13).

A. Definição jurídica e alcance do termo

A prática que hoje se traduz como “adultério” era denominada moicheia no grego clássico. Essa designação, no entanto, possuía um escopo mais amplo do que seu correlato moderno em inglês ou português, sendo definida como qualquer forma de “sedução de uma mulher livre sob a tutela de um kyrios” (Cole, 1984, p. 98). Consequentemente, qualquer relação sexual com a esposa, filha ou irmã de um homem livre caracterizava moicheia. Um exemplo paradigmático é o caso relatado no discurso “Contra Neera”, no qual um suposto moichos foi preso com base no direito paterno de punir quem cometesse moicheia contra sua filha (Apollodoros in Dem. 59). No âmbito da legislação ateniense, a moicheia era sempre concebida como um ato cometido por homens contra mulheres (Carey, 1995, p. 408).

David Cohen procurou delimitar o alcance do termo moicheia, restringindo-o a relações com mulheres casadas, e defendendo que moichos era sinônimo do moderno “adúltero”. Contudo, tal interpretação foi amplamente rejeitada por outros estudiosos (Johnstone, 2002, p. 229). Importante notar que homens casados não eram considerados culpados de adultério quando mantinham relações com escravas ou prostitutas, o que revela um viés de gênero estrutural no ordenamento jurídico ateniense.

B. O adultério e o direito ateniense

Embora uma lei ateniense específica sobre moicheia (graphe moicheias) seja mencionada em fontes antigas, ela não sobreviveu até nossos dias (Forsdyke, 2008, p. 9). Christopher Carey sustenta que a norma citada na seção 28 do discurso “Sobre o Assassinato de Eratóstenes” é precisamente essa lei perdida, estabelecendo não só os procedimentos legais para lidar com casos de moicheia, como também permitindo a execução sumária do culpado (Carey, 1995, p. 412).

Três leis referentes à moicheia sobreviveram por meio dos discursos de oradores do século IV a.C. (Cole, 1984, p. 100). A primeira proibia que um homem continuasse vivendo com uma esposa adúltera e também lhe vedava a participação em cerimônias religiosas públicas (Demóstenes 59.86–87). A segunda isentava o kyrios de punição caso matasse um moichos pego em flagrante (Demóstenes 23.53; Lísias 1.30). A terceira protegia o adúltero acusado contra prisão ilegal (Demóstenes 59.66), sendo essa cláusula citada por Apolodoro em Contra Neera. A maioria dos editores modernos entende que ela significa que relações com prostitutas não configuravam moicheia (Johnstone, 2002, p. 231). No entanto, o próprio Johnstone propõe uma interpretação alternativa: a norma protegia homens envolvidos em relações comerciais com mulheres de serem falsamente acusados e presos sob acusação de moicheia (Johnstone, 2002, p. 253).

Segundo Lísias, moicheia era considerada um delito mais grave que o estupro ou agressão sexual (Cole, 1984, p. 101), pois a sedução indicava uma relação duradoura na qual os afetos da mulher poderiam ser desviados da sua família legítima (Pomeroy, 1994, p. 86–87). A maioria dos historiadores tende a aceitar a gravidade atribuída à sedução em comparação ao estupro (Harris, 1990, p. 370), ainda que nem todos endossem as razões de Lísias. Por exemplo, Carey interpreta tal explicação como uma racionalização posterior, sustentando que a verdadeira preocupação era o nascimento de filhos ilegítimos (Carey, 1995, p. 415–416). Outros estudiosos, como Eva Cantarella, criticam a tese de Lísias como “engenhosa, porém totalmente inconsistente” (Cantarella, 2005, p. 243), argumentando que tanto o estupro quanto a moicheia podiam acarretar uma variedade de penalidades, incluindo a morte (Cantarella, 2005, p. 244). Edward Harris, por sua vez, observa que descrever o estupro como menos grave que o adultério favorecia a estratégia retórica do orador (Harris, 1990, p. 371), destacando que o estupro podia ser processado como hýbris (ultraje), passível de pena capital (Harris, 1990, p. 373).

C. Origens legislativas e desenvolvimento histórico da punição

A permissão legal para matar um moichos em flagrante parece ter suas raízes no antigo código de homicídios redigido por Drácon. As penalidades alternativas ao homicídio — como punições físicas, multas ou humilhações — provavelmente foram instituídas por Sólon (Kapparis, 1996, p. 72–73). A prática de maltratar e resgatar adúlteros é, contudo, anterior a ambos os legisladores, remontando aos tempos homéricos. Um exemplo célebre é encontrado no canto VIII da Odisseia, no qual o deus Hefesto, esposo de Afrodite, captura esta e Ares em flagrante adultério e os exibe para ridicularização diante dos demais deuses do Olimpo, mostrando o peso simbólico e social do adultério como vergonha pública na tradição épica arcaica.

D. Sanções e alternativas legais à pena de morte

Havia pelo menos quatro formas principais de reação disponíveis à parte lesada pelo adultério. Em primeiro lugar, se o moichos fosse surpreendido no ato, o kyrios da mulher poderia matá-lo imediatamente. Tal execução sumária era considerada legal sob o código draconiano, que previa homicídio justificável, e, segundo Christopher Carey, também sob a legislação de Sólon sobre moicheia (Carey, 1995, p. 412). Esse é o argumento de Eufileto no discurso “Sobre o Assassinato de Eratóstenes”. No entanto, estudiosos modernos consideram essa resposta como rara e pouco praticada (Forsdyke, 2008, p. 10).

Andrew Wolpert elenca três alternativas a essa medida extrema: o réu poderia ser processado em tribunal, poderia ser obrigado a pagar uma multa, ou então ser submetido a abusos físicos (Wolpert, 2001, p. 418). O tipo de punição aplicada a alguém condenado por moicheia permanece incerto. No entanto, em muitas ações públicas o júri tinha o poder de escolher a pena, e Eva Cantarella sugere que isso também pode ter sido o caso da graphe moicheias (Cantarella, 2005, p. 243–244). A sanção mais comum, provavelmente, consistia em abusos físicos com objetivo de humilhação pública do culpado (Forsdyke, 2008, p. 8). Para Christopher Carey, esse tipo de tratamento era autorizado explicitamente pela legislação, enquanto Sara Forsdyke defende que se tratava, na verdade, de punição coletiva extrajudicial (Forsdyke, 2008, p. 9).

Fontes cômicas gregas descrevem detalhadamente esse tipo de humilhação: por exemplo, na peça As Nuvens de Aristófanes, menciona-se que um adúltero foi punido com a introdução de um nabo em seu ânus (Cohen, 1991, p. 176). Outros castigos humorísticos incluíam a depilação dos pelos pubianos. Konstantinos Kapparis argumenta que tais práticas visavam afeminar o adúltero, uma vez que a depilação era parte do regime de beleza feminino na Atenas clássica, e porque ser penetrado era culturalmente associado à feminilidade (Kapparis, 1996, p. 76). O historiador David Cohen expressa ceticismo quanto à realidade dessas punições cômicas, mas tanto Kapparis quanto Carey sustentam que o sucesso duradouro dessas piadas no teatro se deve ao fato de refletirem práticas verídicas (Kapparis, 1996, p. 66–67).

E. Consequências para as mulheres adúlteras

As mulheres casadas que fossem flagradas cometendo adultério eram automaticamente divorciadas e proibidas de participar de cultos religiosos públicos. Caso o marido optasse por não divorciar-se da esposa, arriscava-se a perder seus próprios direitos de cidadão (Roy, 1997, p. 13). Apesar disso, Jim Roy sugere que alguns homens poderiam deliberadamente manter o casamento, seja para preservar o dote da esposa, seja para evitar o escândalo público (Roy, 1997, p. 14). Já as mulheres solteiras surpreendidas em moicheia por seu kyrios podiam ser vendidas como escravas — embora, novamente, não haja registros concretos de que essa punição tenha sido efetivamente aplicada (Roy, 1997, p. 13).

F. Comparações com outras pólis gregas

No diálogo Híeron, Xenofonte afirma que o direito de matar um moichos era reconhecido em todas as cidades da Grécia (Carey, 1995, p. 415). Contudo, a legislação sobre adultério em outras pólis, conhecida por meio de fontes variadas, geralmente estabelecia penalidades financeiras ou humilhações públicas, em vez da pena de morte.

Em Gortina (na ilha de Creta), a pena por sedução era uma multa que podia chegar a 200 estáteres (Harris, 1990, p. 375). Se o pagamento não fosse feito em até cinco dias, o kyrios da mulher tinha o direito de maltratar o adúltero da forma que desejasse, o que se assemelha às práticas de Atenas (Kapparis, 1996, p. 74). Outras cidades gregas também apresentavam formas de humilhação pública como punição. Segundo Plutarco, na cidade de Cime, mulheres adúlteras eram apelidadas de “cavaleiras de burro” (Forsdyke, 2008, p. 3). Aristóteles relata que em Lepreu, no Peloponeso, homens adúlteros eram amarrados e levados pela cidade por três dias, ao passo que as mulheres adúlteras tinham de permanecer na ágora por onze dias, vestindo uma túnica transparente (Forsdyke, 2008, p. 3). Em Pisídia, homens e mulheres culpados de adultério eram obrigados a desfilar juntos montados em um burro (Forsdyke, 2008, p. 3–4).

Algumas cidades impunham castigos ainda mais severos, embora sem chegar à pena de morte. Em Lócris Epizefíria (sul da Itália), por exemplo, o moichos podia ser punido com cegueira. Já em cidades como Lepreu e Cumas, o infrator estava sujeito à atimia — perda de direitos civis (Cantarella, 2005, p. 244).

VIII. Adultério no Mundo Romano

No contexto jurídico romano, adulterium designava, de forma estrita, o crime cometido por um homem — fosse ele casado ou solteiro — ao manter relações sexuais com a esposa de outro homem. Já stuprum (designado pelos gregos como φθορά, phthorá) referia-se ao envolvimento sexual com uma viúva ou uma virgem. A condição da mulher determinava, portanto, o enquadramento legal: não se considerava adultério se a mulher não fosse casada. Entretanto, conforme está indicado no Dig.48 tit.5 s13, uma mulher poderia ser considerada adúltera quer fosse “justa uxor sive injusta”, expressão cujo significado exato permanece incerto; provavelmente, porém, isso significa que o adultério se aplicava tanto às mulheres casadas segundo o direito romano (ius civile) quanto àquelas cuja união era apenas reconhecida pelo jus gentium.

O homem que cometia adultério era chamado adulter, e a mulher, adultera. Os escritores latinos debatiam a etimologia de adulterium; mas se considerarmos seus diversos sentidos — além do ato sexual ilícito — é seguro associá-lo à mesma raiz de adultus. A ideia básica seria a de “acrescentar”, “fazer crescer algo sobre outra coisa”, ou “juntar algo estranho a um corpo”: por isso, adulterium e adulteratio também eram usados, como fazemos hoje com “adulteração”, para expressar a corrupção de algo por meio da mistura com matéria de menor valor.

Na época de Augusto, foi promulgada uma lex — provavelmente no ano 17 a.C. — com o nome de Lex Julia de Adulteriis coërcendis, cujo primeiro capítulo revogava certas legislações anteriores sobre o tema, embora não conheçamos o conteúdo dessas disposições. Horácio (Carm. IV.5.21) faz alusão a essa lex Julia. Embora nessa legislação os termos adulterium e stuprum apareçam alternadamente, tecnicamente mantinham a distinção anteriormente descrita. Os principais conteúdos dessa lei podem ser reunidos a partir do Digest (Dig. 48.5), das Sententiae Receptae de Paulo (Sentent. Recept. II. tit. 26 ed. Schulting), e da obra de Brissonius (Ad Legem Juliam De Adulteriis, Lib. Sing.).

É plausível que as legislações revogadas pela Lex Julia contivessem sanções penais específicas para o adultério. Também é provável que, segundo o direito ou o costume antigos, se o adúltero fosse surpreendido em flagrante, o marido lesado poderia puni-lo com a morte, assim como sua esposa adúltera (cf. Dionys. II.25; Suet. Tib. 35). Parece ainda que, originalmente, qualquer pessoa podia iniciar processo contra o adúltero, já que se tratava de um delito público. Com o passar do tempo, sob os imperadores, esse direito passou a ser reservado ao marido, ao pai, ao irmão, ao patruus (tio paterno) e ao avunculus (tio materno) da adúltera.

A Lex Julia estabelecia ainda que, se o marido permanecesse com a esposa após tomar ciência do adultério e deixasse o adúltero impune, ele próprio incorria no crime de lenocinium. O marido ou o pai, enquanto detentores do potestas sobre a mulher, tinham o prazo de sessenta dias para iniciar um processo contra ela; após esse prazo, qualquer outra pessoa poderia levar a denúncia (Tacit. Ann. II.85). Se condenada, a mulher perdia metade do dos e um terço de seus bens (bona), sendo então exilada (relegata) para uma ilha desolada, como Sérifos. O adúltero também perdia metade de seus bens e era igualmente exilado, mas para uma ilha distinta. Ambos ficavam também sujeitos a incapacidades civis. A lei, todavia, não previa pena capital. Os casos de execução de adúlteros no tempo dos imperadores são exceções e excedem os limites da legislação juliana (Tacit. Ann. II.50, Ann. III.24; J. Lips., Excurs. ad Tacit. Ann. IV.42; Noodt, Op. Omn. I.286, etc.).

Sob uma constituição de Constantino (Cod. IX.30, se autêntica), o adultério cometido pelo homem passou a ser punido com a morte. A legislação de Justiniano (Nov. 134 c10) provavelmente apenas confirmou essa constituição. A mulher adúltera era primeiramente açoitada e depois enviada a um convento. Caso o marido não a retirasse de lá dentro de dois anos, ela era obrigada a vestir o hábito e permanecer enclausurada pelo resto da vida.

A Lex Julia permitia ao pai — biológico ou adotivo — matar tanto o adúltero quanto a filha adúltera em determinadas circunstâncias, cuidadosamente delineadas pela legislação. Caso matasse apenas um dos envolvidos, o pai incorria nas penas da Lex Cornelia de Sicariis. Já o marido podia matar o adúltero se este pertencesse a certas categorias de pessoas, mencionadas na lei, e se fosse surpreendido em flagrante; não lhe era, entretanto, permitido matar a esposa. O capítulo quinto da Lex Julia autorizava o marido a deter o adúltero em flagrante por até vinte horas, para convocar testemunhas que confirmassem o ocorrido. Se a esposa fosse divorciada por adultério, o marido podia reter parte do dos (Ulp. Frag. VI.12). Os estudiosos antigos e modernos que comentam essa legislação estão reunidos em Rein, Das Criminalrecht der Römer, 1844.

A. Lex Iulia de adulteriis coercendis

A Lex Iulia de adulteriis coercendis promulgada por Augusto por volta de 18 a.C. A tese argumenta que esta lei foi muito mais do que uma simples reforma moral; ela representou uma revolução jurídica e social ao transferir o julgamento do adultério da esfera privada e familiar – tradicionalmente gerida pelo pater familias em conselhos domésticos (consilium domesticum) – para a esfera pública e estatal, através da criação de tribunais permanentes (quaestiones perpetuae).

No mundo romano, o conceito de adulterium era estritamente assimétrico: definia-se pela relação de uma mulher casada com qualquer homem que não fosse seu marido. Essa concepção estava indissociavelmente ligada à estrutura patriarcal, cuja preocupação primordial era a garantia de uma prole legítima para a transmissão patrilinear de bens e status. Nesse contexto, a pudicitia (castidade feminina) emerge não como uma questão meramente privada, mas como uma virtude pública e um pilar essencial para a harmonia política. Zelar por ela era um dever não só da mulher, mas de toda a comunidade masculina que a cercava.

Havia uma profunda ambiguidade desta legislação augustana. Longe de ser uma medida puramente protetiva às mulheres, a lei, ao limitar o poder arbitrário do marido – que foi proibido de matar a esposa adúltera –, intensificava, em contrapartida, uma forma de vigilância estatal e social muito mais ampla e sistemática. O Estado, na figura do imperador como pater patriae (pai da pátria), passava a ser o principal guardião – e controlador – da moralidade feminina.

A lei fixou regras estritas, como a obrigação de o pai ou marido processar os culpados sob pena de serem acusados de lenocínio (proxenetismo), e estabeleceu o exílio como punição padrão para ambos os adúlteros. Essa equiparação da pena, no entanto, não eliminava a desigualdade fundamental na percepção do ato. Ao regulamentar e limitar o direito à violência, o Estado não a abolia, mas a absorvia e a legitimava sob sua própria jurisdição, reforçando a ideia de que a transgressão sexual feminina era uma ameaça direta à ordem pública que o novo regime imperial se propunha a restaurar. Assim, a Lei Júlia como um instrumento poderoso de reconfiguração das relações entre o público e o privado, onde a gestão da sexualidade feminina se tornou uma ferramenta explícita do poder imperial.

A noção de que a mulher adúltera deveria ser expurgada da sociedade estava profundamente enraizada no imaginário romano, muito antes de Augusto. Ela reconstrói essa mentalidade através da análise de narrativas fundacionais, como os episódios de Lucrécia e Virgínia, imortalizados por Tito Lívio. Nessas histórias, a violação da castidade feminina desencadeia revoluções políticas (o fim da Monarquia e do Decenvirato, respectivamente), e a morte das mulheres – seja por suicídio ou pelas mãos do próprio pai – é apresentada como o único caminho para restaurar a honra familiar e a ordem pública. A pudicitia de uma mulher, portanto, era metaforicamente ligada à própria integridade da res publica. Esse ideal é reforçado pela figura das Virgens Vestais, cuja castidade era um penhor da segurança de Roma, e cuja punição por quebrar o voto era o enterramento em vida, uma morte que visava apagar a transgressão.

A Lex Iulia institucionaliza essa expurgação. A lei não apenas punia, mas criava um ritual de transformação social: o de converter a matrona adúltera em uma meretrix (prostituta). Essa não era apenas uma reclassificação jurídica, mas uma forma de “morte social”. A mulher condenada perdia seu status, suas insígnias de honra (como a stola, vestimenta da mulher casada respeitável) e era lançada na categoria dos infames, juntamente com atores, gladiadores e prostitutas. A lei, ao definir a adúltera como prostituta, buscava anular a figura transitória e perigosa da mulher que rompia as fronteiras da moralidade, forçando-a a um status de desonra permanente e visível.

A estigmatização retórica do adultério feminino transformou-se em uma ferramenta recorrente e eficaz. O caso de Messalina, terceira esposa do imperador Cláudio, é exemplar. A autora argumenta que a imagem de Messalina como "prostituta imperial", insaciável e devassa, foi em grande parte uma construção literária posterior, utilizada por autores como Tácito e Juvenal não apenas para condená-la, mas principalmente para criticar a fraqueza e a incapacidade de Cláudio em controlar sua própria casa e, por extensão, o Império. O comportamento sexual feminino transgressor tornava-se um sintoma da desordem política do governo de um imperador.

Em um contraste revelador, vemos como o próprio Augusto lidou com o adultério. Acusado de inúmeros casos, suas transgressões eram frequentemente justificadas por fontes como Suetônio não como um vício ou fraqueza (libido), mas como um cálculo político racional (ratio) para obter informações sobre seus adversários. Evidencia-se, assim, um nítido duplo padrão de gênero. Além disso, Augusto utilizou sua própria lei de forma seletiva e implacável para consolidar seu poder. Ao exilar sua filha e neta, ambas chamadas Júlia, ele se apresentava como um pater familias exemplar que não poupava nem os seus. Contudo, as punições aplicadas aos amantes delas variavam drasticamente: aliados políticos recebiam penas brandas, enquanto rivais em potencial, como Iullus Antonius (filho de seu antigo inimigo Marco Antônio), eram executados sob a acusação mista de adultério e traição (maiestas). A lei se mostrava, portanto, um instrumento cirúrgico para eliminar ameaças e gerir as complexas alianças da corte imperial.

Deve-se questionar a efetividade e a aplicação universal da quaestio perpetua de adultério. Apesar da existência do tribunal público, os julgamentos domésticos e as punições privadas provavelmente continuaram a ser uma prática comum, dada a desonra pública que um processo formal acarretaria para toda a família. A coexistência dessas duas formas de justiça, pública e privada, revela a tensão constante entre a tradição patriarcal e a nova ordem imperial, onde a lei era aplicada de forma irregular, muitas vezes servindo mais aos interesses do poder do que a um ideal abstrato de moralidade.

IX. Adultério no Novo Testamento

O Novo Testamento mantém uma postura firme contra o adultério (moicheia) e a prostituição (porneia), mas introduz uma motivação teológica mais profunda para a rejeição do pecado sexual: a união espiritual do cristão com Cristo. Essa ligação orgânica torna o envolvimento sexual ilícito impensável, pois o corpo do crente é templo do Espírito Santo e deve ser santo (1 Co 6:12–20). A disciplina eclesiástica é exigida para os que, dentro da comunidade cristã, vivem em imoralidade (1 Co 5:1–12), mas há também compaixão e perdão para os que estão fora, como demonstra a atitude de Jesus diante da mulher adúltera (Jo 8:1–11). Jesus vai além da letra da lei ao declarar que o olhar lascivo já constitui adultério no coração (Mt 5:27–28), revelando que a verdadeira justiça não se limita a ações externas, mas envolve a transformação interior do caráter e das intenções.

O Antigo Testamento previa a pena de morte para adúlteros, não o divórcio, e o próprio Deus, em Oseias, apresenta um modelo de perdão e reconciliação. Adulterar é uma violação grave da fidelidade conjugal, mas, à luz do evangelho, não deve ser considerado motivo automático para rompimento. A fidelidade sexual reflete a natureza de Deus, e seu chamado é que imitemos sua lealdade em nossos vínculos humanos, reconhecendo que a entrega ao pecado sexual compromete a integridade espiritual, emocional e relacional do cristão.

A. Análise Etimológica

O substantivo μοιχός [moichós] (Strong G3432), de provável origem primária, designa o homem que mantém relações sexuais ilícitas com a esposa de outro homem. Em termos semânticos, diferencia-se de πόρνος [pórnos, “fornicador”] por se referir especificamente à transgressão do vínculo matrimonial alheio — e não apenas ao ato sexual extraconjugal genérico. A raiz verbal correspondente é μοιχεύω [moicheúō], e o feminino é μοιχαλίς [moichalís].

No grego clássico e koiné, μοιχός [moichós] já era um termo técnico legal e socialmente carregado. Em 1 Coríntios 6:9, ele aparece na lista de pecados que impedem a herança do Reino de Deus, lado a lado com pórnoi, malakoí e arsenokoîtai, compondo um quadro abrangente de desordem moral. Em Hebreus 13:4, a expressão “Deus julgará os moichoùs e os pórnous” reforça o caráter punitivo da ação divina contra violações do pacto conjugal. Já em Tiago 4:4, a forma plural moichoí aparece no manuscrito do Texto Receptus, mas sua presença é textual e teologicamente secundária, sendo omitida com razão pelas edições críticas. A ênfase do versículo está em moichalídes, e a inclusão de moichoí deve-se a tentativas de harmonização tardia.

Etimologicamente, alguns autores traçam possíveis conexões entre moichós e a raiz indo-europeia mei̯k- (misturar, corromper), ligada a impureza e violação de fronteiras estabelecidas — o que casa semanticamente com a transgressão de limites conjugais. Não há consenso, porém, sobre essa raiz remota.

A forma feminina, μοιχαλίς [moichalís] (Strong 3428), ocorre em sete passagens do Novo Testamento. Pode ser usada tanto no sentido literal quanto metafórico. No uso literal, designa a mulher que participa da violação do vínculo conjugal (Romanos 7:3; 2 Pedro 2:14), sendo, na legislação romana e judaica, passível de punição severa (cf. João 8). A forma é a contraparte feminina de moichós, e carrega igual peso jurídico, cultural e religioso.

No uso metafórico, especialmente em Tiago 4:4, Jesus e os apóstolos reinterpretam a linguagem dos profetas para descrever a infidelidade espiritual do povo de Deus. Os crentes que cultivam amizade com o mundo são chamados de moichalídes, evocando o adultério espiritual de Israel nos livros de Oseias e Ezequiel. Essa metaforização pressupõe a imagem esponsal entre Deus (ou Cristo) e seu povo — e transforma a infidelidade religiosa num ato de traição amorosa e moral. Esse uso é intensamente teológico: os cristãos, sendo “esposa de Cristo” (Romanos 7:4), tornam-se “adúlteros” ao transferir sua lealdade ao mundo.

Nos Evangelhos sinópticos, moichalís é empregada adjetivamente: “geração má e adúltera” (Mateus 12:39; 16:4; Marcos 8:38), designando Israel como povo infiel à aliança, repetindo o padrão dos profetas. O emprego escatológico aqui é forte: Jesus denuncia a infidelidade do povo, que rejeita os sinais do Messias, e alude ao juízo vindouro sobre uma geração que abandonou a fidelidade a Deus.

Em 2 Pedro 2:14, a construção é extremamente densa: οἱ ὀφθαλμοὶ αὐτῶν μεστοὶ μοιχαλίδος (hoi ophthalmoi autōn mestoi moichalidos) — literalmente, “seus olhos estão cheios de adúltera”, indicando não apenas concupiscência, mas uma disposição permanente e interior voltada à transgressão. A forma genitiva singular feminina de moichalís (“de adúltera”) é interpretada como intensificação da disposição moral e espiritual dos falsos mestres: eles estão dominados por uma luxúria adulterina contínua, o que os torna objetos de julgamento iminente.

O substantivo feminino μοιχεία [moicheía] (Strong 3430), derivado diretamente do verbo μοιχεύω [moicheúō], designa o ato de adultério em si, e ocorre com menor frequência no Novo Testamento, presente apenas em Mateus 15:19, Marcos 7:21 e, de modo textual mais discutido, em João 8:3 (apenas em manuscritos específicos, como base para a acusação da mulher apanhada em adultério).

Em Mateus 15:19, Jesus declara que moicheíai procedem do coração do homem, ao lado de assassinatos, furtos e blasfêmias — inserindo o adultério como transgressão de raiz interior, e não meramente como infração externa. Em Marcos 7:21, essa ideia se repete: o adultério é fruto do coração corrupto. Essa perspectiva ecoa a reinterpretação ética do Decálogo proposta por Jesus em Mateus 5:27–28, onde o próprio olhar lascivo com intenção é já considerado μοιχεία.

A palavra moicheía, portanto, carrega em si o peso da quebra do pacto matrimonial, mas também é ampliada nos Evangelhos para expressar a profanação da integridade espiritual do indivíduo. Essa ampliação de sentido aproxima-se da tradição profética do Antigo Testamento, onde o termo hebraico naʾāf era já empregado tanto literal quanto metaforicamente.

Embora a ocorrência de moicheía no Novo Testamento seja mais escassa do que as formas verbais e nominais, sua presença é teologicamente incisiva. Ela fundamenta, por exemplo, as listas de vícios que excluem do Reino (como em Marcos 7), e aponta para o novo critério do Reino inaugurado por Cristo: a ética do coração.

O verbo μοιχεύω [moicheúō] (Strong 3431), proveniente diretamente do substantivo μοιχός [moichós], ocorre 14 vezes no Novo Testamento e representa a ação de violar o vínculo conjugal por meio da relação sexual com a esposa (ou esposo) de outro. O termo é altamente jurídico e teológico, tanto no judaísmo quanto na tradição grega helenística.

A distribuição do verbo mostra sua importância nos ensinamentos de Jesus e nas Epístolas:

Mateus 5:27–28: Jesus reafirma o mandamento mosaico “Não cometerás adultério” (Ouk moicheúseis) e o eleva ao plano do desejo interior: “todo aquele que olhar para uma mulher com intenção impura, já adulterou com ela no coração”. A ênfase está na intenção e no interior, radicalizando a ética do Reino.

Mateus 19:18; Marcos 10:19; Lucas 18:20: nessas passagens paralelas, o verbo aparece na enumeração dos mandamentos, reiterando sua validade moral.

Lucas 16:18: Jesus afirma que “todo o que repudia sua mulher e casa com outra comete adultério” — ampliando a compreensão legal tradicional e apontando para a indissolubilidade ideal do vínculo conjugal.

Romanos 2:22: Paulo acusa os judeus que pregam contra o adultério, mas o praticam — uma crítica à hipocrisia religiosa que finge zelo pela Lei, mas vive em transgressão.

Romanos 13:9: o mandamento é citado entre os deveres do amor ao próximo, mostrando que o adultério não é apenas uma ofensa ao cônjuge, mas uma violação da justiça e do amor.

Tiago 2:11: novamente o adultério é citado com o homicídio, como transgressões da Lei, para enfatizar que quem quebra um mandamento se torna culpado de toda a Lei.

Apocalipse 2:22: Cristo ameaça lançar sobre um leito de dor aqueles que cometem adultério com “Jezabel” — símbolo da sedução idolátrica e moral dentro da igreja.

Em todos esses contextos, o verbo moicheúō expressa uma transgressão que, embora se refira diretamente à sexualidade e ao casamento, representa um tipo de deslealdade mais profundo — seja à comunidade, ao pacto moral ou mesmo ao próprio Deus.

A gramática grega permite que o verbo seja usado tanto na voz ativa (“cometer adultério”) quanto passiva média (“sofrer adultério” no caso da mulher), e a Septuaginta já havia utilizado moicheúō como tradução regular de naʾāf.

De modo interessante, o idiomatismo hebraico também repercute na gramática grega: o verbo pode ser usado metaforicamente, como em Apocalipse 2:20–22, ou mesmo com nuances passivas femininas (como em João 8). Isso mostra que, mesmo em grego, o pensamento semítico subjaz fortemente ao uso do vocabulário, revelando a matriz bíblica da moral conjugal e espiritual.

B. Evangelhos: Ética do Reino e a Intensificação do Mandamento

A doutrina neotestamentária sobre o adultério encontra seus fundamentos mais profundos na pregação de Jesus, especialmente nos Evangelhos Sinópticos. O termo grego mais recorrente para “cometer adultério” é o verbo μοιχεύω (moicheuō), que aparece catorze vezes no Novo Testamento, sendo sete delas nos Evangelhos (Mateus 5:27,28; 19:18; Marcos 10:19; Lucas 16:18; 18:20; João 8:4). Sua forma nominal, μοιχός (moichos), ocorre menos vezes, mas possui importante carga teológica quando aparece em contextos figurados, como veremos. O uso primário de moicheuō remete à sua acepção legal: manter relações sexuais com a esposa de outro homem. Contudo, o ensino de Jesus, principalmente em Mateus 5, radicaliza esse conceito.

Em Mateus 5:27-28, Jesus expande o sexto mandamento (“Não adulterarás”) além do comportamento externo, apontando para o coração como origem do pecado: “ἐγὼ δὲ λέγω ὑμῖν, ὅτι πᾶς ὁ βλέπων γυναῖκα πρὸς τὸ ἐπιθυμῆσαι αὐτὴν ἤδη ἐμοίχευσεν αὐτὴν ἐν τῇ καρδίᾳ αὐτοῦ” [egō de legō hymin, hoti pas ho blepōn gynaika pros to epithymēsai autēn ēdē emoicheusen autēn en tē kardia autou] — “Eu, porém, vos digo que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, já em seu coração cometeu adultério com ela.” O aoristo ativo emoicheusen não descreve apenas um ato passado, mas um julgamento categórico: o simples olhar carregado de desejo configura transgressão da lei divina. Trata-se de uma ética do interior, típica da teologia do Reino, onde a obediência deve transcender a letra da Torá e alcançar a pureza das intenções.

Jesus não apenas retoma a Lei de Moisés, mas a amplia ao coração — e isso porque, conforme o próprio contexto de Mateus 5:17-20, Ele veio para “cumprir” (πληρῶσαι, plērōsai) a Lei, revelando seu propósito pleno. Nesse sentido, o adultério é mais que um ato proibido: é a manifestação de uma orientação interior deformada, que transforma o outro em objeto de posse. O ensino é claro: o adultério é uma violação da aliança matrimonial, mas também um reflexo de uma espiritualidade corrompida que se opõe ao Reino de Deus, onde pureza e fidelidade são exigências internas.

Esse princípio retorna em Mateus 19:18, quando Jesus cita os mandamentos em resposta ao jovem rico: “οὐ μοιχεύσεις” (ou moicheuseis), usando o futuro indicativo do verbo, em alusão direta ao Decálogo (Êxodo 20:14). Similarmente, Marcos 10:19 e Lucas 18:20 listam o adultério entre os mandamentos que definem a justiça humana segundo a Lei. Contudo, o ensino de Jesus sobre o divórcio em Mateus 5:32 e 19:9 complica a aplicação prática da questão do adultério: “ὅς ἐὰν ἀπολύσῃ τὴν γυναῖκα αὐτοῦ... ποιεῖ αὐτὴν μοιχευθῆναι” (hos ean apolusē tēn gynaika autou... poiei autēn moicheuthēnai) — “qualquer que repudiar sua mulher... a expõe ao adultério.” A forma passiva moicheuthēnai (“ser feita adúltera”) indica que o divórcio não isenta de culpa, e sim a potencializa.

O caso da mulher adúltera em João 8:3-11, embora textual e canonicamente discutido, ilumina outro aspecto central do ensino de Jesus: a misericórdia. Os escribas acusam-na com base na lei mosaica, dizendo: “αὕτη ἡ γυνὴ κατείληπται ἐπ’ αὐτοφώρῳ μοιχευομένη” (hautē hē gynē kateilēptai ep’autophōrō moicheuomenē) — “esta mulher foi apanhada em flagrante adultério”. O particípio presente moicheuomenē reforça a ação contínua ou repetida, e não um ato isolado. Mas Jesus, sem negar a gravidade da infração, recusa aplicar a condenação imediata, expondo a hipocrisia dos acusadores. Ao final, Ele diz: “οὐδὲ ἐγώ σε κατακρίνω· πορεύου, καὶ ἀπὸ τοῦ νῦν μηκέτι ἁμάρτανε” (“oude egō se katakrinō; poreuou, kai apo tou nyn mēketi hamartane”) — “nem eu te condeno. Vai, e não peques mais.” A doutrina neotestamentária não relativiza o adultério, mas introduz uma nova dimensão pastoral: a graça que restaura o pecador, sem omitir a exigência da santidade.

Nos Evangelhos, portanto, o adultério é apresentado como uma violação da Lei que nasce no coração, manifesta-se nos olhos, corrompe o pacto matrimonial e exige tanto condenação quanto misericórdia. Jesus não rebaixa o padrão ético, mas o eleva ao plano da interioridade. E por isso, é impossível desvincular a teologia do adultério no Novo Testamento de sua escatologia: é no Reino vindouro que se revelará quem foram os verdadeiramente fiéis.

C. O Adultério nas Epístolas: Santidade Corporal e Fidelidade à Nova Aliança

Ao transitar dos Evangelhos para as Epístolas Paulinas e Gerais, o vocabulário grego referente ao adultério se intensifica em densidade teológica. O verbo μοιχεύω (moicheuō) e o substantivo μοιχός (moichos) deixam de funcionar apenas como referência a um ato sexual ilícito e passam a carregar significados espirituais e eclesiais, vinculando a transgressão do pacto conjugal à infidelidade para com Deus e à profanação da comunidade cristã. A abordagem é cristocêntrica e pneumatológica: o corpo, agora redimido e habitado pelo Espírito, não pode ser usado como instrumento de injustiça ou de prostituição espiritual.

Em Romanos 2:22, Paulo confronta a hipocrisia judaica ao usar a pergunta retórica: “ὁ λέγων μὴ μοιχεύειν, μοιχεύεις?” (ho legōn mē moicheuein, moicheueis?) — “Tu que dizes que não se deve adulterar, cometes adultério?” A força do texto está na estrutura paralela que denuncia a incoerência moral entre preceito e prática. O verbo está no presente ativo, enfatizando a continuidade ou habitualidade do pecado — e a crítica é mais do que moral: é teológica. Paulo acusa uma transgressão do pacto com Deus que se oculta sob a capa da Lei.

A condenação moral é reiterada em Romanos 13:9, onde o mandamento “οὐ μοιχεύσεις” (ou moicheuseis, “não adulterarás”) é incluído numa lista de proibições que se resumem no amor: “ἀγαπήσεις τὸν πλησίον σου ὡς σεαυτόν” — “amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Aqui o adultério é incompatível com a ética do amor, pois destrói a dignidade do outro e viola sua integridade relacional.

O uso mais denso do vocabulário surge, porém, em 1 Coríntios 5 e 6, onde o termo πορνεία (prostituição, fornicação) aparece como termo-guarda-chuva para todo tipo de pecado sexual — inclusive o adultério. Em 1 Coríntios 6:9-10, o substantivo μοιχοί (moichoi, plural de moichos) aparece em uma lista de pecadores que “não herdarão o Reino de Deus”: “οὔτε μοιχοὶ οὔτε μαλακοὶ οὔτε ἀρσενοκοῖται...” (“oute moichoi oute malakoi oute arsenokoitai...”) — “nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas...” A gravidade da lista está no fato de ser escatológica: esses pecados não são apenas infrações éticas, mas exclusões da herança final. Para Paulo, o adultério atesta uma incompatibilidade com a nova natureza recebida em Cristo.

Essa incompatibilidade é teologicamente fundamentada em 1 Coríntios 6:15-20, um dos textos mais profundos do NT sobre antropologia cristã: “οὐκ οἴδατε ὅτι τὰ σώματα ὑμῶν μέλη Χριστοῦ ἐστιν;” [ouk oidate hoti ta sōmata hymōn melē Christou estin?] — “Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?” O argumento é chocante: unir-se sexualmente a uma prostituta é tornar-se um com ela (v. 16), o que equivale a profanar os membros de Cristo. O adultério, nesse contexto ampliado, é visto como uma forma de romper a união mística com Cristo, e portanto, uma blasfêmia contra o corpo como templo do Espírito Santo. A exortação final é inequívoca: “δοξάσατε δὴ τὸν Θεὸν ἐν τῷ σώματι ὑμῶν” [doxasate dē ton Theon en tō sōmati hymōn] — “glorificai, pois, a Deus no vosso corpo.” O corpo do cristão é propriedade redimida: “ἠγοράσθητε γὰρ τιμῆς” [ēgorasthete gar timēs] — “fostes comprados por preço.” Adultério, então, é não apenas infidelidade conjugal, mas infidelidade ao sangue que comprou o corpo.

Na Epístola aos Hebreus, o autor retoma a linguagem do Decálogo para reforçar a sacralidade do casamento: “Τίμιος ὁ γάμος ἐν πᾶσιν... πόρνους δὲ καὶ μοιχοὺς κρινεῖ ὁ Θεός” [timios ho gamos en pasin... pornous de kai moichous krinei ho Theos] (Hebreus 13:4) — “Digno de honra entre todos seja o matrimônio... mas os fornicadores e adúlteros, Deus os julgará.” A dupla referência πόρνους... καὶ μοιχοὺς [pornous... kai moichous] vincula a sexualidade desordenada tanto aos solteiros (porneia) quanto aos casados (moicheia). Aqui o julgamento é escatológico e divino, não apenas comunitário ou disciplinar.

Na Epístola de Tiago, o termo μοιχοί (moichoi) é aplicado de forma metafórica e eclesiológica. Em Tiago 4:4, lemos: “μοιχοὶ καὶ μοιχαλίδες, οὐκ οἴδατε ὅτι ἡ φιλία τοῦ κόσμου ἔχθρα τοῦ Θεοῦ ἐστιν;” [moichoi kai moichalides, ouk oidate hoti hē philia tou kosmou echthra tou Theou estin?] — “adúlteros e adúlteras, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?” Aqui o adultério é imagem da idolatria e da infidelidade espiritual, retomando o uso veterotestamentário do termo em Oseias e Jeremias. A comunidade é acusada de trair o Senhor ao buscar os valores do mundo — como uma esposa infiel que quebra a aliança.

Assim, nas Epístolas, o adultério é expandido em três direções: (1) como pecado moral objetivo que desqualifica para o Reino; (2) como profanação do corpo unido a Cristo; e (3) como símbolo de infidelidade espiritual à nova aliança. Não há concessão teológica à prática — mas há sempre a possibilidade de restauração pela graça, conforme o princípio de 1 Coríntios 6:11: “E tais fostes alguns de vós; mas fostes lavados...”

D. O Adultério na Literatura Apocalíptica: Idolatria, Prostituição e Julgamento Escatológico

Na Literatura Apocalíptica do Novo Testamento, especialmente no livro de Apocalipse, o vocabulário do adultério assume uma função alegórica e escatológica. O substantivo μοιχός (moichos) e os verbos relacionados não aparecem em referência direta a transgressões conjugais privadas, mas como imagens potentes de infidelidade espiritual, idolatria e corrupção moral sistêmica, tendo como figura central a “grande meretriz” (ἡ πόρνη ἡ μεγάλη - hē pornē hē megalē) e os “reis da terra” que se prostituíram com ela.

O termo μοιχός surge explicitamente em Apocalipse 2:22, dentro da carta à igreja de Tiatira, em um contexto de julgamento profético. Jesus declara: “ἰδοὺ βάλλω αὐτὴν εἰς κλίνην, καὶ τοὺς μοιχεύοντας μετ’ αὐτῆς εἰς θλῖψιν μεγάλην, ἐὰν μὴ μετανοήσωσιν ἐκ τῶν ἔργων αὐτῶν” [idou ballō autēn eis klinēn, kai tous moicheuontas met’ autēs eis thlipsin megalēn, ean mē metanoēsōsin ek tōn ergōn autōn] — “Eis-la que a lanço em leito, e os que cometem adultério com ela, em grande tribulação, se não se arrependerem das obras dela.” A forma verbal μοιχεύοντας (moicheuontas, particípio presente ativo) é aqui empregada em sentido simbólico, referindo-se àqueles que, como Jezabel, seduzem e se deixam seduzir por doutrinas idólatras e práticas de impureza espiritual.

Nesse trecho, o adultério não é meramente um comportamento sexual ilícito, mas representa a assimilação de valores anticristãos dentro da igreja. O uso da imagem da cama (εἰς κλίνην - eis klinēn) funciona como ironia: aquilo que era um leito de prazer ilícito se torna o palco do juízo divino. A teologia de João aqui é profundamente profética, espelhando as denúncias dos profetas hebreus, como Ezequiel e Oseias, que acusavam Israel de adultério espiritual ao seguir outros deuses.

Na seção escatológica do Apocalipse (capítulos 17–18), essa simbologia atinge o auge. A “grande prostituta” (ἡ πόρνη ἡ μεγάλη - hē pornē hē megalē), assentada sobre muitas águas, representa Babilônia, a cidade dos poderes anticristãos, símbolo de Roma e de todo império que se opõe a Deus. É dito que ela “com os reis da terra se prostituiu” — “μεθ’ ἧς ἐπόρνευσαν οἱ βασιλεῖς τῆς γῆς” [meth’ hēs eporneusan hoi basileis tēs gēs]. Embora o verbo usado aqui seja πορνεύω (porneuō), e não moicheuō, a relação semântica entre πορνεία e μοιχεία é aqui estrutural: ambas remetem à violação de alianças por causa de sedução idolátrica. A diferença é que porneia enfatiza a prostituição aberta e múltipla; moicheia, o pacto traído — e ambas coexistem nessa visão apocalíptica do adultério coletivo como apostasia global.

A linguagem do juízo é intensificada: “διότι ἐκ τοῦ οἴνου τοῦ θυμοῦ τῆς πορνείας αὐτῆς πέπωκαν πάντες οἱ ἔθνη” [dioti ek tou oinou tou thymou tēs porneias autēs pepōkan pantes hoi ethnē] — “pois do vinho da ira da sua prostituição beberam todas as nações” (Apocalipse 14:8; 18:3). A prostituição espiritual aqui é internacionalizada, e o adultério se torna uma imagem de infidelidade global contra Deus, especialmente por parte de sistemas políticos, econômicos e religiosos que abandonam a justiça e a verdade.

A resposta divina é definitiva: “πέσεν, πέσεν Βαβυλὼν ἡ μεγάλη” [pesen, pesen Babylōn hē megalē] — “Caiu, caiu Babilônia, a grande” (Apocalipse 18:2). O adultério espiritual é aqui punido com destruição, pois se opôs frontalmente ao Cordeiro. A tensão entre fidelidade e infidelidade, pureza e corrupção, corpo e prostituição, domina toda a teologia joanina do juízo.

O Apocalipse, portanto, eleva o conceito de adultério a uma categoria cósmica e escatológica, em que a humanidade, representada pelos reis e nações, viola sua vocação criacional ao se entregar a deuses estranhos, sistemas corruptos e valores profanos. O adultério deixa de ser um pecado moral restrito ao indivíduo e se torna uma metáfora do colapso da aliança entre Criador e criatura, exigindo juízo final e purificação definitiva.

X. Adultério na História Eclesiástica

Entre os judeus, assim como no mundo greco-romano, a concepção de adultério não era recíproca: um homem casado que mantivesse relações com uma mulher solteira não era considerado “adúltero” (moichós), pois sua esposa não detinha qualquer direito legal sobre ele. Sob o ponto de vista do direito romano, tais atos eram classificados, no máximo, como stuprum (φθορά) quando praticados com uma mulher honesta, ou como fornicatio (πορνεία), não punível judicialmente, caso ocorressem com uma prostituta. Em contrapartida, qualquer relação extraconjugal de uma mulher casada era considerada adultério, porque, segundo a mentalidade vigente, a mulher era propriedade do marido.

A passagem de 1 Coríntios 7:3–4, no entanto, ao atribuir a cada cônjuge o mesmo direito sobre o corpo do outro, deu início a uma verdadeira revolução, com a consequência de estabelecer, pela primeira vez, a igualdade em relação ao adultério. Os Padres da Igreja insistem frequentemente nesse pensamento paulino, enfatizando com vigor que aquilo que não é permitido à mulher tampouco o é ao homem. Eles evitam falar de proibição dirigida exclusivamente à mulher justamente porque esta já era aceita universalmente fora do cristianismo (isto é, na cultura geral da época). Dois testemunhos relevantes, considerados “exceções” (Basílio Magno, Cartas Canônicas; Ambrosíastro, Comentário a 1 Coríntios), mostram, contudo, o quão inútil foi a resistência dos Padres aos preconceitos arraigados de sua época e o quão limitado foi o alcance das ideias revolucionárias do cristianismo primitivo: a mentalidade discriminatória acerca do adultério sofreu mudanças muito lentas. Tal transformação parece estar refletida na variante “moderna” de Mateus 19:9, em contraste com a concepção mais arcaica de Mateus 5:32.

Os Padres parecem ter recorrido a outra terminologia quando o ato julgado não se enquadrava na categoria jurídica tradicional de adulterium, preferindo a forma latinizada do grego moicheia. Assim, surgem os termos moechia e moechus, que, por serem menos carregados de tradição jurídica, podiam funcionar como termos abrangentes e descritivos do comportamento de ambos os cônjuges.

Quanto às punições eclesiásticas, alguns textos devem ser interpretados no sentido de que as autoridades da Igreja puniam igualmente maridos e esposas que mantivessem relações sexuais fora do casamento (Concilio de Elvira 7; Ambrósio, De Abraham 1,4,25; 1,7,59; Agostinho, Quaest. Hept. 2, Quaest. Ex. 71). Ainda assim, outras passagens revelam que persistia uma concepção desigual do adultério (Ambrosiaster; Basílio, Carta 199,21; 199,46; 199,48; 217,77). A penalidade imposta geralmente era a exclusão da comunhão por um período prolongado — em Basílio, Carta 217,58, por 15 anos; no Concílio de Elvira 69, por 5 anos; no Concílio de Ancira 20, por 7 anos — durante o qual o penitente era gradualmente reintegrado à comunidade até o fim do tempo estipulado.

O motivo da penitência era mantido em segredo para evitar o risco de retaliação (Basílio, Carta 199,34), uma vez que, desde o início do século IV, a punição antiga do adultério — o exílio — havia sido substituída pela pena capital (ver Codex Theodosianus 9,40,1). Quando os Padres passaram a equiparar outros pecados sexuais ao adultério — como incesto (Basílio, Carta 217,68), bestialidade (ibid., 217,63), homossexualidade (ibid., 217,62) e a violação do voto de virgindade (ibid., 217,60; ver Concílio de Veneto 4) — eles, na prática, estabeleceram uma equivalência moral e disciplinar entre esses atos e o adultério.

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