Apocalipse 9 — Comentário Literário da Bíblia

Apocalipse 9

9:1 O “abismo” na LXX está sempre relacionado com as águas, sejam águas caóticas — o “oceano primevo” do relato da criação (Gn 1.2; SI 103.6 [104.6 TP]) — , as águas do mar (Is 63.13) ou as “águas subterrâneas” (Ez 31.15). Mas, pelo fato de poderem ser simbolicamente associadas com as forças do mal, na época do NT falava-se do abismo de maneira mais ampla, como lugar de punição e/ou confinamento dos espíritos malignos (em adição ao Apocalipse, v. Lc 8.31; lE n 10.4-14; 18.11-16; 19.1; 21.7; 54.1-6; 88.1-3; 90.23-26; Jh 5.6-14; 2Pe 2.4; cf. 4Ed 7.36; Or Mn 3). Sem dúvida, é o que está em vista aqui.

9.2 Densa fumaça surge do abismo quando o anjo o abre. A fumaça escurece tanto o Sol quanto o ar. A passagem de Êxodo 10.15 está incluída em parte, pois ali se menciona um enxame de gafanhotos tão grande “a ponto de escurecer a terra”. Observe também o tema da escuridão no relato da praga de gafanhotos, em Joel 2.2,10.

9.4 Os gafanhotos de Êxodo 10.15 destruíram “a terra. E comeram todas as plantas da terra e todo fruto das árvores [...]; não restou nada verde, nem árvore nem planta do campo” (assim Sl 105.33-35). Em contraste com os gafanhotos de Êxodo, esses receberam ordem “para que não causassem dano à vegetação da terra, nem à plantação ou a árvore alguma”. Eles deveriam causar danos apenas aos incrédulos “que não tivessem o selo de Deus na testa”. Assim como as pragas não prejudicaram os israelitas, mas apenas os egípcios (Êx 8.22-24; 9.4-7,26; 10.21-23), assim os cristãos verdadeiros serão protegidos (espiritualmente [cf. Ap 7]) da quinta praga. Deuteronômio 28 prevê que “nos dias futuros” (Dt 4.30) Israel sofrerá as pragas do Egito (28.27,60), inclusive a dos gafanhotos (28.38- 39,42), por causa da idolatria (e.g., 28.14; 29.22-27; 30.17; 31.16-20). Essa futura aflição inclui “praga” (28.61) de “loucura” e “confusão da mente. Apalparás ao meio-dia como o cego apalpa na escuridão” (28.28,29); “enlouquecerás” (28.34); haverá “coração angustiado [...] e alma cheia de ansiedade” (28.65); a vida deles “estará como que suspensa”, e terão "pavor [...] no coração” (28.66,67). Apocalipse 9.6 também explica de maneira psicológica o tormento de 9.5. Aqui, como em toda a Escritura, a dor extrema muitas vezes provoca o desejo de morrer, para fugir do tormento (v., e.g., lR s 19.1- 4; Jó 3; 6.8,9; 7.15,16; Jr 8.3; 20.14-18; Jn 4.3,8; Lc 23.27-30). A cena de 9.7-9 apoia-se em Joel 1 e 2, em que uma praga de gafanhotos devasta a terra de Israel (cf. Jr 51.27). Em Joel 2, o juízo dos gafanhotos é introduzido e encerrado com a frase “tocai a trombeta” (2.1,15) e segue o padrão da praga de gafanhotos de Êxodo 10 (observe as claras alusões em J1 1.2; 2.2 [ = Êx 10.6,14]; 1.3 [= Êx 10.2]; 2.9 [ = Êx 10.6]; 2.27 [ = Êx 10.2; cf. 8.22]). Portanto, é natural que Joel tenha sido usado para complementar a descrição do episódio dos gafanhotos de Êxodo ao qual já se fez alusão em 9.3-5. A afirmação de que os gafanhotos tinham “dentes como os de leão” baseia-se em Joel 1.6: os gafanhotos eram como “uma nação”, cujos “dentes são dentes de leão”. O judaísmo antigo comparava os dentes dos gafanhotos que atormentaram o Egito aos dentes dos leões (v. Ginzberg 1967, 2:345).

9.9 Uma alusão parcial pode ser feita aqui a Jó 39.19-25 (LXX + TM), em que o cavalo de guerra sai a cavalgar assim que “soa a trombeta”, vestido “de terror” e de uma “armadura perfeita”, “pulando como o gafanhoto” (v. Kraft 1974, p. 141-2). Mais uma vez, a expressão “o som de suas [dos gafanhotos] asas era como o de muitas carruagens de cavalos correndo para o combate” é uma alusão a Joel 2.4,5: “Ele tem a aparência de cavalos e corre como cavaleiros. Vão saltando sobre o topo dos montes como o estrondo de carros [...] em posição de combate”.

9.10 A tradição judaica sustentava que no sheol e no Abadom havia “anjos de destruição”, com autoridade sobre milhares de escorpiões. A picada desses escorpiões era letal (Ginzberg 1967, 1:11-6). No entanto, algumas picadas não matam, apenas atormentam os habitantes do inferno (Ginzberg 1967, 2:312).

9.11 O nome do anjo que controla o reino dos demônios é Abadom (palavra hebraica que significa “destruição”) e Apoliom (palavra grega que significa “destruidor”). No AT, a “destruição” é às vezes sinônimo de “inferno” (sheol) ou de “morte”, o reino dos mortos (Jó 26.6; 28.22; SI 88.11; Pv 15.11; 27.20).

9.14 Os quatro anjos (presumivelmente maus) retidos “junto do grande rio Eufrates” evocam a profecia do AT de um inimigo do norte para além do Eufrates que Deus traria para julgar o Israel pecaminoso (cf. Is 7.20; 8.7,8; 14.29- 31; Jr 1.14,15; 4.6-13; 6.1,22; 10.22; 13.20; Ez 38.6,15; 39.2; J1 2.1-11,20-25), bem como as outras nações ímpias ao redor de Israel (Is 14.31; Jr 25.9,26; 46 e 47; 50.41,42; Ez 26.7-11 [do ponto de vista de Israel, o Eufrates corria para o norte e para o leste]). Em ambos os casos, os invasores são caracterizados como um exército aterrorizante sobre cavalos/carros surgindo do norte (Is 5.26-29; Jr 4.6-13; 6.1,22; 46 e 47; 50.41,42; Ez 26.7-11; 38.6,15; 39.2; Hc 1.8,9; cf. Asc. Moís. 3.1; em Am 7.1 LXX, um exército numeroso como um enxame de gafanhotos é retratado como “vindo do leste”) . Os ecos de Jeremias 46 são bastante fortes.

9.7 No AT, a metáfora “fogo e enxofre, às vezes acompanhada de fumaça”, indica um juízo fatal (Gn 19.24,28; Dt 29.23: 2Sm 22.9; Is 34.9,10; Ez 38.22).

9.19 A aparência das criaturas da sexta trombeta ecoa a imagem do dragão do mar, o símbolo do mal cósmico (Jó 40 e 41). Isso reforça a identificação dessas criaturas com Satanás e sua obra de engano. A implicação do engano, com a morte espiritual e física, é sugerida pelo fato de que os santos não podem ser afetados por esses flagelos. A essência do selamento dos santos não é a imunidade contra a morte física, e sim a proteção contra o engano, para evitar que a aliança com Deus seja rompida.

9.20 Apesar das pragas, os ímpios não se arrependem da idolatria, “das obras de suas mãos”. Uma lista de ídolos por tipo de material, comum no AT, é afirmada (cf. Dt 4.28; SI 115.4-7; 135.15-17; Dn 5.4,23). O catálogo de pecados é prefaciado por um resumo da essência espiritual dos ídolos: eles são demoníacos (como se vê em Dt 32.17; SI 95.5 LXX [96.5 TP]; 106.36,37;Jb 11.4; lE n 19.1; 99.6-7; ICo 10.20)

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