Estudo sobre Colossenses 1:26-27
Estudo sobre Colossenses 1:26-27
Porque existe um “mistério”, “oculto antes das eras e das gerações”. Como deve ser maravilhoso e grandioso o que Deus havia ocultado tanto tempo e tão profundamente! “Agora, todavia, se manifestou aos seus santos.” Isso aconteceu porque “Deus quis anunciá-lo”. O termo “querer” em combinação com o nome de Deus não tem a conotação tão inexpressiva e insignificante de verbo auxiliar que nós em geral lhe atribuímos. Vem carregado com o peso integral da deliberação da vontade divina! Representa a gloriosa e firme vontade de Deus que esse mistério oculto durante tanto tempo viesse à luz. Agora chegou a hora determinada para isso! Agora todos os santos podem compreender esse mistério de Deus, podem ver com admiração e adoração “qual seja a riqueza da glória deste mistério”. Paulo, porém, é instrumento disso.
Quase nos decepcionamos ao descobrir, após esses anúncios, o conteúdo do mistério: “Trata-se de ‘Cristo em vós’, a esperança da glória.” Porventura não é “óbvio” que Cristo também habite em meio ao mundo das nações, construindo sua igreja, e que “gentios” participam da “esperança da glória”? Hoje o cristianismo inteiro não é constituído quase que integralmente de “gentios cristãos”, pessoas de todas as “nações”? Um cristão autêntico vindo de Israel não é um fenômeno muito mais surpreendente? Mas – trata-se precisamente disso! É justamente nisso que reside o mistério! Estaremos obstruindo nossa própria visão quando nosso pensar e sentir modernos imediatamente nos leva a opinar que isso é um processo meramente “humano” e “naturalmente explicável”. Nessas nações todas Jesus finalmente teria encontrado as pessoas que o compreenderam mais facilmente e melhor que os insensatos e obstinados judeus. Nos dias de hoje a causa de Jesus evidentemente se disseminou pelo vasto mundo das nações. Talvez isso de fato devesse ser considerado assim, se o evangelho fosse apenas “uma religião”, pensamentos e sentimentos a que determinadas pessoas seriam mais “afeitas” que outras, os “gregos” mais que os “judeus”. Obviamente também nessa hipótese ainda seria suficientemente admirável que as mesmas ideias e sentimentos obtivessem igual acesso a negros e esquimós, a gregos e às pessoas tanto do séc. XX quanto do séc. I! Contudo não se trata de pensamentos e sentimentos religiosos que seriam mais acessíveis a certas pessoas. Trata-se de “Cristo”, o Senhor vivo, da participação na glória divina. No entanto, concedê-la e abrir o coração de pessoas para ela é da competência exclusiva de Deus. Quando Cristo, o Messias de Israel, se coloca no meio de pessoas de todas as nações, sendo acolhido por elas, verdadeiramente tomando posse de seu coração, transformando-os em santos imaculados, passíveis de participar da herança dos santos na luz – então isso é tudo menos “natural”: isso é sumamente maravilhoso, uma “riqueza de glória”, a ruptura de um inconcebível mistério divino!
Contudo – porventura os profetas já não sabiam e falaram disso há muito tempo? Será que em vista da palavra profética é possível falar de um “mistério oculto” até este momento, que somente “agora se manifestou”? Em uma passagem análoga na epístola aos Romanos (Rm 16.25s), em que também fala do “mistério” que estava “guardado em silêncio por tempos eternos”, Paulo assinalou expressamente que ele foi “manifesto” “através dos escritos dos profetas”. Ou seja, ele mesmo não considera isso contraditório à característica de mistério da questão! Não a anula de maneira alguma. Isso fica imediatamente claro no fato de que na verdade ninguém entendeu realmente essas promessas proféticas e sobretudo ninguém as realizou! Como é elucidativa a cena da detenção de Paulo no templo de Jerusalém: todo o longo discurso proferido por Paulo na escadaria da fortaleza é ouvido tranquilamente por Israel. Contudo, quando comunica a palavra de seu Senhor Jesus: “Vai, eu te enviarei para longe, aos gentios”, desencadeia-se uma intensa tempestade de fúria e indignação. Era isto que o mistério oculto do “Messias entre as nações” representava para aqueles que, afinal, pretendiam viver a partir das sagradas escrituras. Assim até mesmo Pedro precisa ser especialmente preparado por Deus após a Sexta-Feira Santa, a Páscoa e o Pentecostes, antes de tornar-se capaz de ir devidamente ao encontro das nações na casa de Cornélio. É verdade: até mesmo para esse eminente discípulo de Jesus o “Cristo nas nações” representava um profundo mistério.
Havia “prosélitos”, havia “veneradores de Deus”. Mas justamente aqui se evidenciou nitidamente aquele “entendimento” dos profetas que passava completamente ao largo do maravilhoso mistério de Deus, de seu glorioso plano. Sem dúvida também pessoas das outras nações deviam encontrar o caminho até o Deus vivo, porém esse caminho passava exclusivamente por Israel! Afinal, isso também se depreendia de muitas vozes proféticas que falavam da salvação para o mundo dos povos: parecia ser uma salvação mediada por Israel e condicionada a Israel. Palavras proféticas como Is 60.3; Mq 4.1-5 (Is 2.2-4) referem-se a eventos que devemos esperar somente para o “reino dos mil anos”. Para o profeta João o cumprimento derradeiro de tais palavras até mesmo é mostrado apenas na nova terra (Ap 21.24). Somente depois da queda do império anticristão e depois da eliminação de Satanás haverá povos inteiros perguntando por Deus, haverá “missão às nações” no verdadeiro sentido. Mas então seu centro de fato será Jerusalém, bem como o Israel renovado e trazido à fé em Jesus. O que a atuação de Paulo traz à luz como mistério revelado de Deus é algo bem diferente: é a ekklesia, a “igreja”, o corpo, que por um lado terá também israelitas, mas que por outro é formado primordialmente por pessoas de todas as nações, “nas quais está Cristo” e que agora têm a esperança daquela “glória” singular que é proporcionada ao corpo, e unicamente a ele. Independentemente, porém, de como era a situação das palavras de prenúncio dos profetas e de seu entendimento, está muito claro que esse mistério de Deus somente agora se tornou visível, porque somente agora ele foi concretizado e realizado. Do mesmo modo, até mesmo Jesus é somente a admirável, inesperada e transformadora revelação do Cristo, embora ele mesmo podia mostrar a seus discípulos que Moisés e todos os profetas há muito tempo haviam falado dele. Consequentemente, também esse mistério de Deus só vem à luz agora como acontecimento. Agora compreendemos por que Paulo utiliza esta curiosa formulação para sua incumbência: “para dar pleno cumprimento à palavra de Deus, o mistério que estivera oculto por séculos…” De fato, esse é o mesmo “cumprir” afirmado tantas vezes acerca da atuação de Jesus. Era isso que importava, cumprir, realizar uma palavra de Deus há muito anunciada pelos profetas. Precisamente por isso Paulo designa o conteúdo do mistério não de forma geralizada, “Cristo em gentios”, mas bem concretamente como “Cristo em vós”.
Está aí o mistério de Deus desvendado como inegável realidade: realmente existe, sem qualquer relação com Israel, por meio de um novo agir de Deus, no meio de Colossos, no meio de toda idolatria, no meio de toda superstição e de toda filosofia arbitrária das pessoas, que “creram em Cristo Jesus”, porque Cristo estava “neles”, e que viviam diretamente à luz da glória vindoura e caminhavam em direção dela com esperança. Ninguém pensava isso anteriormente. Isso representa um agir abundante e glorioso de Deus, que surpreende a todos.
No entanto, precisamos fazer maior justiça em nosso entendimento de todo o impacto e magnitude da passagem. Afinal, Paulo não escreveu que até agora o mistério teria permanecido oculto “perante os seres humanos” ou “perante os judeus”, mas “perante as eras do mundo e perante as gerações”. O “perante as gerações” também pode significar “perante os tempos originários”. Como é estreito, antropocêntrico e ensimesmado o nosso pensamento, embora o conhecimento a respeito da natureza nos tenha dado uma noção do mundo com os imensos espaços e tempos! Com que amplitude e magnitude pensa Paulo, apesar de sua noção de mundo da Antiguidade! Contemplando em adoração os planos de Deus, seu olhar se estende muito além da fração de história humana. Vê passar tempos originários e eras mundiais com seu rico conteúdo de eventos determinados por Deus. Desenrolam-se acontecimentos nas regiões dos mundos espirituais. Mas nenhum dos personagens celestiais, por mais sublime que fosse, imaginava que maravilhosos pensamentos de amor Deus traz em seu coração em relação a pessoas que viverão apenas séculos e gerações mais tarde, por nós! Como é útil esse pensamento de Paulo para nós pessoas modernas, que nos deparamos assustados com medidas de tempo e de espaço que ameaçam transformar nossa história humana em um insignificante segundo do tempo estelar! Tenhamos ânimo! Também o olhar de Paulo iluminado pelo Espírito Santo já contemplava espaços de tempo em que ainda não havia nenhum ser humano, mas em que você e eu já éramos notados, amados e escolhidos por Deus para a glória eterna! Como se torna inconcebivelmente grande nossa eleição, nosso estado de fé, quando nos damos conta de que podemos participar de uma vida que Deus já trazia no coração durante eras universais como alvo oculto de seu governo de amor e que ele agora concedeu como posse justamente a nós! Porventura isso não nos leva a nos prostrar e adorar, ao invés de aceitar nossa existência cristã de forma tão apática, tão inexpressiva?
E “Cristo em nós” – como nos habituamos a lidar superficialmente até mesmo com as mais grandiosas palavras! Assim como crianças brincam com diamantes e pérolas, como se fossem cacos de vidro e pedrinhas, assim nós jogamos com os conceitos bíblicos e já não percebemos que coisas imensas são ditas através deles! Esse “Cristo” em nós é o “grande Jesus” do qual ouvimos, que excede a todo o mundo. Ele não nos permite, por exemplo, tocar a orla de seu manto em adoração. Não nos promete, por exemplo, que benevolentemente se lembrará de nós uma vez ou outra. Ele escolhe nosso coração, que por natureza é idólatra, rebelde, para ser sua moradia: “Cristo em nós.” É o que Paulo também afirma em Gl 2.20; 4.19; Rm 8.10; 2Co 13.5; Ef 3.17.
Entretanto, se neste velho mundo de morte já somos presenteados com algo tão grandioso, o que será, então, de nós, se vier a perfeição? Paulo tem somente uma palavra para isso: Cristo em nos, “a esperança da glória”. Cabe recordar que doxa = “glória” é a palavra bíblica para designar a plenitude de vida divina, o poder milagroso e a glória de luz. Agora “carecemos da glória de Deus” (Rm 3.23); particularmente nosso corpo físico, no qual vivemos a vida, é um “corpo de humilhação”. Contudo não foi reservada para nós apenas “felicidade eterna”, mas “glória”, participação na própria plenitude de vida e na glória de luz de Deus, [De forma alguma chegamos ao fundo da mensagem bíblica quando classificamos o conteúdo de nossa esperança pessoal de futuro de “felicidade eterna”. Por razões que não nos cabe julgar, Lutero traduziu o termo tão decisivo do NT “salvação” e “ser salvo” com “ser bem-aventurado” e “bem-aventurança”. Mas a “salvação” na verdade não é aquilo que esperamos para o futuro, mas algo que precisa e há de nos ser concedido agora. Nossa porção vindoura, porém, é glória. Deixemos de lado toda falsa “modéstia”, que fica muito aquém daquilo que Deus decidiu nos conceder. Tal “modéstia” é incrédula e petulante. Não nos cabe querer nem mais nem meos do que aquilo que Deus previu para nós. Cumpre-nos aceitar toda a grandiosidade do objetivo divino e desde já orientar nossa vida de acordo com ela] e até mesmo nosso corpo há de ser um “corpo de sua glória” (Fp 3.21), cheio de radiante incorruptibilidade e força.
Isso é “a glória que deve ser revelada em nós”, diante da qual todos os sofrimentos desta era se tornam insignificantes (Rm 8.18), e desde já nos gloriamos da esperança dessa glória (Rm 5.2). Foi nisso que se transformou a vida humana desde que o mistério do plano divino oculto há eras mundiais veio à luz: “Cristo em nós, a esperança da glória.”