Estudo sobre Colossenses 1:24-25

Estudo sobre Colossenses 1:24-25


Paulo é servo da proclamação universal do evangelho. A mensagem deve ser dita “a todas as criaturas”. Ainda existe suficiente número de países e povos que não a ouviu. Paulo tem consciência de ser enviado também para lá (Cf. Rm 15.23s). Mas “agora” – ele está preso! Isso não contradiz sua enorme e premente tarefa? Porventura não deveria ficar impaciente e infeliz? Provavelmente os colossenses estavam bastante consternados com esse fato, assim como também os coríntios tinham dificuldade para entender como um “procurador” do “Rei de todos os reis” podia estar a toda hora metido nesses sofrimentos e aflições, açoitado, apedrejado, aprisionado. Será que nós mesmos não achamos que qualquer empecilho para nosso serviço para o Senhor, em forma de dificuldades e sofrimentos, é um enigma, que pesa sobre nós em relação a outros e muito mais em relação a nós mesmos? O que Paulo fará “agora”? “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos”, responde ele. O “em”, que no grego possui múltiplos significados, pode ser traduzido aqui por “com”, “junto de”. Por que Paulo pode “se alegrar” “com sofrimentos”?! Eles impedem tão pouco o seu serviço que esse trabalho não é interrompido nem perturbado, mas precisamente executado.

Porque esses sofrimentos fazem parte das “tribulações de Cristo”. Deparamo-nos aqui com uma verdade bíblica que se tornou completamente estranha para nós, mas que no NT possui um papel tão relevante que precisamos novamente imergir nela nosso pensamento e – nossa vida, para que nossa vida eclesial e nosso viver cristão possam voltar a ser verdadeiramente bíblicos e autorizados. Grupos de fiéis judaicos já falavam das “dores de parto do Messias”, que precederiam o “novo nascimento” do mundo no tempo da consumação da salvação. Afinal, não existe nascimento sem “dores de parto”. Por isso o próprio Cristo “teve de sofrer e entrar em sua glória” (Lc 24.26). Na Escritura esse “teve de” é muito mais sério e carregado de conteúdo do que nossa formulação desgastada deixa transparecer. Nela está contida toda a obrigatoriedade divina que determina o curso dos fatos. Paulo acaba de nos confrontar poderosamente com esse sofrimento do próprio Cristo, que tem significado único e singular para nossa redenção. De fato, nada mais “falta” neles! E ninguém poderia “completá-los vicariamente”, se ele, o grande Jesus, o Filho amado, o primogênito de toda a criação, tivesse omitido algo. Mas – o tempo messiânico da salvação com a renovação de toda a criação na verdade ainda não chegou. Pelo contrário, ele é ardentemente esperado. Virá somente na “parusia” do Senhor, em sua nova “presença”. Até então, porém, ainda durarão as “dores de parto do Messias”, que agora atingem seu corpo, a igreja. Por isso o “tem de” da obrigatoriedade divina do sofrimento também paira sobre a trajetória da igreja rumo ao reino vindouro (At 14.22). Paulo está tão certo disso, vê de forma tão clara que isso faz parte da causa, da existência cristã, que ele desde já o prenuncia aos tessalonicenses como algo que forçosamente ocorrerá (1Ts 3.3s). Foi o que o próprio Jesus declarou aos discípulos. Reveste-se de importância que em momento algum Paulo considera a paixão e morte do Cristo meramente como algo que aconteceu “por” nós, mas sempre como algo que nos envolve de forma real e de fato molda nossa existência. O “crucificado com”, “morto com” não é uma mera ideia dogmática para Paulo, tampouco apenas uma contemplação edificante, mas, em vista do sólido nexo entre “cabeça” e “corpo”, uma realidade que tem consequências praticamente sangrentas para nossa existência na terra. O NT é, em grande parte, menos “íntimo” e mais “físico” que o nosso cristianismo fortemente platônico. Por essa razão há “tribulações de Cristo”, i. é, sofrimentos que não decorrem do andamento do mundo, mas de pertencermos a Cristo, motivo pelo qual também confirmam e selam essa ligação. Quando o NT usa a palavra thlipsis = “tribulação”, de fato se tem mente apenas esses sofrimentos. O NT é lido sob uma perspectiva falsa e com uma interpretação errônea em muitas, muitas passagens quando nossa própria não-familiaridade com autênticas “tribulações de Cristo” nos leva a simplesmente introduzir na palavra “sofrimento” aquilo que preenche a criação caída e corrompida com dores de múltiplos tipos. Não-cristãos suportam tais “sofrimentos” e “tribulações” da mesma maneira como os cristãos; mas o NT fala deles somente à margem, quando muito. Autênticas “tribulações de Cristo”, porém, fazem parte da vida e caminhada da igreja de Cristo, porque a configuração de cruz do Cristo também determina seu corpo, a igreja. De certo modo constituem determinada soma de sofrimentos que precisam ser suportados até a volta do Senhor. Nessa soma ainda “falta” algo. Essa parte “faltante” ainda tem de ser “preenchida”. Nessa situação o “servo” da igreja pode atuar vicariamente pela igreja. Agora as tribulações exercem função dupla em seu serviço. Ele pode se “regozijar” com essas tribulações porque sobre elas paira o misterioso e transfigurador “por vós”, ao que Paulo imediatamente acrescenta a explicação: “… preencho vicariamente o que ainda falta nas tribulações de Cristo, em minha carne a favor de seu corpo, que é a igreja, cujo servo me tornei.” Naturalmente essas palavras não têm em absoluto o sentido de uma “contabilidade” mecânica.
Porém, se os colossenses e os coríntios olham consternados, constrangidos, para os sofrimentos, a prisão, o processo de Paulo, talvez até mesmo duvidando de sua autoridade apostólica, então o apóstolo lhes declara aqui de forma relevadora e amorosa: ora, não se irritem com isso! Afinal, estou sofrendo isso também “por vós”, “pela igreja”! Pois o corpo de Cristo tem de sofrer; agora posso assumir pessoalmente boa parte dessas tribulações, aliviando assim a vocês. Na prática, a soma total do sofrimento precisa ser paga antes que o Senhor possa retornar, trazendo o tempo da salvação plena. Agora Paulo amortiza uma parcela dessa culpa no lugar da igreja, acelerando com isso a vinda da salvação. Pelo menos é assim que entendemos sua alegria no meio do sofrimento: regozija-se por poder prestar esse serviço do sofrimento, que integra tão necessariamente a época atual com o anúncio da mensagem, e se regozija por poder prestá-lo vicariamente pela igreja, também pelos colossenses, que assim se veem tão real e solidamente ligados a ele.


Assim como o nosso “por”, o termo grego hyper = “por”, usado aqui diversas vezes: “por vós”, “por seu corpo”, tem vários sentidos. Pode expressar “em benefício de alguém” e “vicariamente em lugar de alguém”. Em outra passagem (2Co 1.5s) Paulo declara que seus sofrimentos, que também ali são designados de “sofrimentos de Cristo”, acontecem em prol “da consolação e redenção” dos coríntios, ajudando-os a por sua vez perseverar em sofrimentos semelhantes. Dessa forma Paulo também pode ter expressado aqui a convicção de que seu sofrimento vem em benefício de todo o corpo de Cristo. Realmente existe o mistério do poder abençoador do sofrimento voluntário, um mistério que não pode ser solucionado racionalmente. A perseverança no sofrimento abre caminho para a mensagem salvadora (cf. Fp 1.12ss; 2Tm 2.10) e assim constitui também um serviço para a edificação do corpo de Cristo. Na presente passagem, porém, o sentido da “vicariedade” é sublinhado por meio do prefixo anti = “em lugar de”, que Paulo antepõe ao “preencher”. Também é proposto integralmente pela frase acerca da “falta” de tribulações de Cristo que precisa ser preenchida. Nessa questão o apóstolo praticamente tem o privilégio de “amortizar dívidas” vicariamente pela igreja.

Se os colossenses compreenderem esse sentido dos sofrimentos do apóstolo e não se incomodarem mais com a prisão dele, então verão com clareza o serviço singular de que justamente Paulo estava incumbido. Como e porque se tornou “um servo do evangelho” (v. 23), tornou-se também “um servo da igreja” (v. 24). Ele entende esse serviço à “igreja” em um sentido bem específico. Aqui ele exerce na oikonomia, no “plano de negócios” de Deus, uma oikonomia específica, uma “função administrativa”, um “cargo” especial, desempenhado também diante dos colossenses, até mesmo sem fundar pessoalmente a igreja de lá. Apesar de tudo ela está construída sobre o serviço de que Deus havia encarregado Paulo.