Estudo sobre Filipenses 1:10-11

Filipenses 1:10-11


A finalidade é: “para serdes puros e decorosos para o dia do Cristo”. Mais uma vez o olhar se dirige ao alvo! Deparamo-nos aqui com uma diferença muito profunda que separa toda a vida e o pensamento das pessoas do NT de nosso cristianismo atual. Todo o nosso coração está devotado ao presente, às demandas e à realização da vida, como as enfrentamos hoje. O futuro permanece bastante indefinido para nós, dificilmente nos preocupa com seriedade. No NT, porém, justamente esse futuro é o elemento decisivo ao qual se volta todo o pensar e agir. A atualidade sempre é apenas “caminho”, inteiramente determinado pelo alvo. O esperado “dia do Cristo” virá, e a relevância total então será que a igreja seja “pura e decorosa”. No entanto, para sê-lo então, já precisa sê-lo agora.

Podemos ter ideia de quanta força e quanta seriedade perdemos porque o futuro, o “dia do Cristo”, desvaneceu-se para nós em distâncias indefinidas. Quando vemos tão somente as tarefas de hoje e somos completamente absorvidos por elas, não “examinaremos” bem “o que diferencia”, cometeremos avaliações e cálculos absolutamente equivocados e perderemos o “essencial” diante de coisas muito irrelevantes. Então nosso cristianismo sentirá falta daquele acúmulo de todas as forças e daquela alegria viva que somente podem ser proporcionados por um alvo grande e claro.

Certamente também se deve a isso que para nós pareça tão estranho e assustador aquilo que Paulo afirma sobre a condição da igreja em vista do dia de Jesus. Contrapõe-se a todo nosso pensamento habitual na igreja. A partir das descobertas da doutrina da justificação e do profundo medo diante do “orgulho” formou-se entre nós a ideia de que nem a igreja nem cristão individual poderiam, e nem mesmo deveriam, apresentar algo que tenha qualquer valor diante de Cristo no dia dele. Segundo nossa opinião naquele dia igreja e cristãos não comparecerão “puros e decorosos e cheios de temor”, mas “maculados, mendigos, de mãos vazias”. Também o ser humano redimido continua sendo pecador miserável, cuja natureza e vida é na melhor das hipóteses uma mescla inextrincável de coisas boas e más, sempre simul iustus et peccator (ao mesmo tempo justo e pecador [Lutero]). Somente assim alguém poderá ser bem-aventurado no dia do Cristo (que no imaginário de nossas igrejas é identificado com o “juízo final”): por pura graça também ali o ser humano totalmente perdido será admitido à vida eterna.


Cumpre constatar que Paulo tem uma concepção completamente diferente. Ele roga e espera que os filipenses sejam “puros e decorosos para o dia do Cristo, cheios do fruto da justiça”. A palavra “puro” = eilikrines é composta de “sol” e “julgar”, designando assim clareza e transparência límpidas. Os “santos” realmente são, pois, pessoas que não apenas “pertencem a Deus”, mas que, pertencendo a Deus, também se tornaram claras e translúcidas e que a ninguém mais dão motivo para pecar. Paulo espera que o olhar examinador do Cristo sobre sua igreja, que ilumina e sonda tudo como o sol, encontre uma multidão pura e não-escandalosa. Segundo a afirmação de Paulo a igreja não chega a esse alvo p. ex. por meio de uma transformação milagrosa que ocorreria na morte ou depois dela, mas pelo crescimento cada vez mais abundante do amor aqui e agora. Nossa dogmática pode considerar isso completamente errado, podemos temer o “orgulho” ou o “perfeccionismo” – contudo temos de ler aquilo que Paulo escreveu aqui. E precisamos admitir a pergunta se, na perspectiva de Paulo, nossa dogmática e nossa “humildade” não nos levam ao refúgio em um cristianismo perigosamente confortável e falacioso.

De forma alguma Paulo vê, naquele dia, a igreja pobre e de mãos vazias diante do Cristo, mas “cheia do fruto da justiça, que surge mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus”. São ditas aqui ambas as coisas: o fruto não é produção própria da igreja, mas “é mediante Jesus Cristo”, como seria a breve tradução literal. Mas esse fruto tampouco simplesmente paira sobre a igreja como dádiva da graça meramente “atribuída”, porém a igreja está “cheia” dele. Não se trata de “justiça a partir das obras”, Paulo não contradiz a si mesmo. Não se trata de realizações que os filipenses produziram por si mesmos com engajamento moral. Trata-se de Jesus e sua obra. Mas essa obra é para Paulo não apenas a obra objetiva, “alheia”, que Jesus realizou “por nós” na cruz, mas também o fruto que cresce da ligação de vida com Jesus entre os “santos em Cristo Jesus” e que de fato precisa crescer nela. Quando Deus em Cristo redime pessoas com o sangue de seu Filho para que se tornem propriedade dele e quando as engaja em seu trabalho divino, então realmente não seria “para honra e louvor de Deus”, mas um vexame, se o resultado desse trabalho não fosse nada além de pobres e míseros pecadores que se apresentam a Deus nas mesmas condições que os outros que não se confiaram a Jesus. Indubitavelmente é conveniente e necessário que a meta da grande e objetiva obra de redenção seja alcançada: santos em Cristo Jesus, puros e decorosos, cheios do fruto da justiça mediante Jesus Cristo. Então Deus terá “glória e louvor”. Nesse caso realmente não é preciso temer “orgulho”, nem “farisaísmo”. Justamente aqueles santos que no dia do Cristo comparecerem como cristal translúcido sob a luz do sol e repletos de frutos não enaltecerão a si mesmos. Nesse caso, esse cristal ficaria imediatamente fosco e manchado! Glorificam e exaltam unicamente a Deus, que os salvou mediante sua incompreensível misericórdia e completou a boa obra iniciada neles.