Estudo sobre Filipenses 1:28-30

Filipenses 1:28-30


É por isso que Paulo prossegue de imediato: “e que não estais intimidados em nada pelos adversários”. Ele sublinha fortemente: “não… em nada”. Não pode haver ameaça ou providência dos adversários diante da qual a igreja se torne medrosa e retroceda. A luta, no entanto, agora ainda não chega ao final; aliás por princípio não pode acabar para toda a igreja de Jesus nesta era do mundo. Afinal ela brota do “ódio do mundo” (Jo 15.18s), que não cessa, mas que somente aumenta ao se aproximar o fim deste éon. Por não ser aquela que ataca, a igreja tampouco pode dispor sobre a condução dessa luta. Pode usufruir e aproveitar tréguas com gratidão (At 9.31), mas precisa levar em conta que o mundo sempre recomeça a luta por iniciativa própria, e não pode fazer nada contra isso. Exteriormente a igreja raramente ou nunca triunfará nessa luta. Não deve se entregar a falsas esperanças nessa questão. Cumpre-lhe seguir seu Senhor no caminho da cruz, do sofrimento e da derrota exterior. Mas em sua resistência irredutível e disposta a sofrer sem dúvida o próprio Deus levanta um sinal. A igreja precisa padecer porque seus adversários têm o poder nas mãos. Contudo, justamente quando a igreja de Jesus não combate poder com poder e não se defende habilmente, à maneira do mundo, mas também não se deixa intimidar nem silenciar apesar de todos os sofrimentos, isso já serve para delinear a injustiça dos adversários e a justiça da igreja, a destruição vindoura dos inimigos e a salvação derradeira da igreja. O sinal foi dado objetivamente por Deus, independentemente de ser ou não visto e compreendido pelas pessoas. O próprio Deus está preestabelecendo nele o futuro. Assim como a cruz de Jesus Cristo, com sua paixão, sua “fraqueza” e sua “derrota” de fato já constitui o “sinal” da vitória e da consumação vindoura do mundo, assim também acontecerá a trajetória de cruz da igreja. Esta tem o privilégio de ver esse “sinal” pela fé, deixando-se fortalecer por meio dele (cf. 2Ts 1.3-10). Os adversários, porém, são cegos para ele e constantemente pensam poder contar com a rápida destruição da igreja, ainda que aqui e acolá o confronto com o povo de Deus os encha de calafrios, como no passado os egípcios, quando tiveram de admitir: “Quanto mais oprimiam o povo, tanto mais ele se multiplicava e espalhava” (Êx 1.12).

A igreja está preparada para essa resistência inabalável e sofredora, porque lhe “foi concedido o ‘para Cristo’”. Foi isto que Paulo afirmou inicialmente em sua linguagem preferencialmente tão sucinta. Porém que relevância decisiva possui essa breve afirmação! Nosso cristianismo praticamente só conhece o “Cristo por nós”. Com toda a certeza esse é e continua sendo o fundamento até o último respiro, e até na eternidade. Mesmo um servo de Deus tão eminente quanto Spurgeon não teve no fim da vida outra teologia que não estas simples quatro palavras: “Jesus morreu por mim”. Não obstante, o objetivo de uma redenção genuína e real é presentear-nos com mais, com uma libertação verdadeira do mero “por mim” preso no eu, com uma libertação real para o “por Cristo”. Paulo não teve medo de que a igreja pudesse vir a dizer: muito bem, primeiro ele promete que seria nosso Redentor e realizaria tudo por nós, e agora ele vem com exigências para que façamos algo por ele ou até soframos por ele! Que não-salvação, que duro e sombrio acorrentamento na prisão do eu seria expressa com tal reação! Paulo espera que os filipenses compreendam isso quando lhes diz: fostes ricamente presenteados e abençoados, porque vos foi concedido o “por Cristo”. Inicialmente esse “por Cristo” é bastante geral e abrangente. Por isso Paulo o antecipou com essa breve formulação. Ela inclui todo serviço para Cristo, toda vida para ele. A verdadeira existência cristã sempre percorre essas diversas relações entre Jesus e nós: “Por meio de Cristo” – “em Cristo” – “por Cristo”. Mas o “por Cristo” evidencia sua verdade de forma particularmente pura quando se torna sofrimento por Cristo. Ele sofreu por nós, o justo pelos injustos. Agora nós como redimidos e reconciliados podemos sofrer por ele. Nós “podemos”. Por isso Paulo prossegue: a vós foi concedido “não somente o crer nele, mas também o sofrer por ele”. 


Por consequência, padecer por amor de Jesus não é uma sina amarga, da qual se anseia sair o quanto antes, mas uma dádiva que faz parte da vida cristã e é fruto da verdadeira redenção. Foi assim que Paulo considerou seu próprio viver, lutar e sofrer. Desse modo sua vida se torna um agon, uma “disputa”, na qual é preciso empenhar toda a energia em vista do grande prêmio de vitória. É a luta “como vistes em mim”. De forma a servir de exemplo para a igreja, Paulo viveu o presente do “por Cristo” logo no começo de sua atuação em Filipos. À noite no presídio, com as costas flageladas, os pés prensados no bloco, Paulo e Silas não resmungaram nem se lamentaram, mas louvaram a Deus, porque para eles também esse “por Cristo” era tão-somente graça. E agora “eles o ouvem dele”, precisamente nessa carta, que Paulo não exige ser inocentado e ter dias melhores, mas somente anseia ardentemente por uma coisa, que “Cristo seja engrandecido em seu corpo” – um poderoso “por Cristo”. É essa “luta”, portanto, que eles compartilham com Paulo. Que alegria e fortalecimento para eles, que se veem tão ligados com seu apóstolo! Somente agora se desvenda integralmente para nós o que Paulo queria dizer em Fp 1.7: “meus participantes da graça, todos vós”. Sendo essa a situação deles, torna-se indiferente se o próprio Paulo virá pessoalmente até eles e presenciará tudo, ou se permanecerá separado deles, ouvindo à distância a respeito de sua situação. Importante é apenas que a igreja cumpra sua vocação e chegue ao alvo. Para isso, porém, a unidade na igreja constitui a premissa decisiva, da qual Paulo também se ocupa no trecho seguinte.

Com razão houve quem chamasse atenção para o fato de que no NT a palavra ocorre somente no plural. Um “santo” solitário e isolado é realmente inimaginável para o NT. O Cristo é o Criador da igreja e se faz presente na irmandade, ainda que seja formada apenas por dois ou três, reunidos em nome dele.