Estudo sobre Filipenses 1:15-19

Filipenses 1:15-19



Obviamente o testemunho público de Jesus – para o qual Paulo também gosta de empregar, além da expressão “proclamar”, a palavra “ser arauto”, a fim de dizer com toda a clareza que não se trata de uma “devoção” intimista da alma, mas de uma “mensagem de vitória” (“evangelho”) que abrange o mundo todo – não acontece em todos de “modo puro” e “em verdade”. Uma série de irmãos, no entanto, empreende a obra com nova seriedade “por amor, porque sabem que fui destinado à defesa do evangelho”. São arautos do Cristo “de boa vontade” ou, como talvez devamos traduzir mais precisamente, “ao agrado de Deus”. Ao lado deles, porém, há outros servindo à proclamação, mas que levam “segundas intenções” e motivos obscuros. Aqui Paulo traz à tona com muita franqueza uma dificuldade que constantemente transparece ao longo da história da igreja. Para nós é tanto assustador quanto consolador que ela já existisse em tal medida naquele tempo. A “inveja” se intromete – entre pregadores do evangelho. Com quanta profundidade ela está arraigada em nosso coração, mais profundamente que muitos pecados rudes. Nem mesmo uma conversão autêntica simplesmente arranca a inveja. Ela também se manifesta em pessoas que prestam um serviço tão sério a Jesus que nem mesmo se calam em situação de perigo. Em Roma talvez fossem pessoas que antes detinham posição de destaque na vida da igreja e cuja palavra era alvo de atenção especial. Agora era possível perceber a poderosa influência de alguém como Paulo em Roma. Sentiram-se relegados a segundo plano e privados de sua importância anterior. Então surgiu a inveja. Onde, porém, opera a inveja aparecem necessariamente ciumeiras e “discórdia”. Da inveja brota o prazer malicioso. No fundo tais pessoas se alegram pelo fato de Paulo ser neutralizado pela transferência para o quartel. Agora já não os estorva, já podem recuperar sua posição. Consequentemente também eles se tornam zelosos, mas “por interesse próprio”. Apesar do ativo e corajoso trabalho em última análise pensam em si mesmos, em ter influência sobre a igreja. Sim, chegam ao nefasto pensamento: que Paulo fique bastante irritado agora, já que suas algemas o tornam impotente e ele é obrigado a ver como nós ganhamos terreno e readquirimos o controle sobre tudo! Afinal, cada indivíduo tira conclusões a respeito do próximo a partir de si mesmo. O ambicioso projeta a ambição também no coração daquele a quem inveja. Provavelmente afirmações deste tipo devem ter sido expressas e difundidas, de modo que chegassem até Paulo. Com toda a certeza alguém como Paulo não dava atenção a meras suspeitas.

Como Paulo lida com aquilo que é levado a experimentar? Muitas vezes repetiu-se sua palavra: “Desde que Cristo seja anunciado”, e isso com frequência se deu de forma muito errônea e equivocada, de acordo com nossa superficialidade. Paulo não se defronta com uma deturpação ou com um esvaziamento da mensagem em si. Não escreveu: “Desde que algo seja dito sobre Jesus, é isso o que importa. O que se afirma sobre Jesus não será tão relevante.” Em Gl 1.8s ele formula de forma bastante nítida e incisiva o que pensa sobre a violação do conteúdo da mensagem! Jamais teria se alegrado com heresias nem tampouco teria tentado superá-las com o consolo barato de que “de qualquer modo” Cristo ainda seria mencionado nelas. Aqui não está em jogo o conteúdo da mensagem, mas meramente a motivação de sua proclamação. Mesmo pessoas que realizam o trabalho sob a influência da inveja e do interesse próprio são de fato “arautos do Cristo”. E somente por ser verdadeiro o evangelho que estas pessoas anunciam Paulo consegue desconsiderar a motivação insincera: “Afinal, de todas as maneiras, seja com segundas intenções, seja em verdade, é proclamado Cristo, e disso me regozijo.” Ainda que aquelas pessoas quisessem feri-lo pessoalmente, “que importa”? Também eles certamente colaboram para que a obra do Cristo se torne conhecida de outros.

Aqui e acolá também nós somos confrontados com o fato de constatarmos inveja e ambição por trás do zelo de colaboradores de nossa denominação ou igreja. Talvez também vejamos outros se alegrando quando nossa atividade é tolhida por circunstâncias exteriores, enquanto eles ganham terreno. Então também nós temos o privilégio de tão ficar cheios e movidos pela causa do evangelho que saibamos suportá-lo sem melindres, desde que a límpida mensagem de Cristo alcance as pessoas.

Não há certeza de que a pequena frase “Mas também me regozijarei” ainda pertence a esse contexto. Nesse caso Paulo estaria dando expressão à disposição de continuar assim também no futuro, resolvendo no íntimo tudo o que poderia deixá-lo amargurado. Que as pessoas que me invejam continuem trabalhando com êxito, enquanto estou aqui – eu hei de continuar me regozijando.


Os filipenses podem lembrar-se com gratidão e alegria da situação atual em Roma. Não como se tudo fosse “simples” ou “belo”. Muitas coisas são difíceis e penosas, mas disso resultou ainda mais um progresso do evangelho, e é somente isso que importa. Como Paulo ajuda os filipenses (e também a nós!) a captar corretamente a realidade dada! Circunstâncias difíceis e dolorosas devem ser vistas com sobriedade e não tratadas superficialmente. Contudo podemos dar conta delas desde que sejamos integralmente dominados por um único desejo: o progresso do evangelho. Será que os filipenses (e também nós) têm essa entrega desinteressada à causa de Jesus?

Essa pergunta reveste-se de importância ainda maior quando o olhar em seguida se volta para o futuro. Qual será, afinal, a continuação disso? Como está o processo? Como tudo acabará? Se Paulo for liberto, ficará evidente sua inocência total – ou será que acontecerá o mais terrível: o capricho de Nero decide pela pena de morte? Com que angústia os filipenses esperam por uma notícia, por uma luz qualquer que incida na escuridão! Quanto o próprio Paulo tem de esperar! Afinal, todos nós aprendemos nos dias de uma enfermidade grave ou talvez também de um processo judicial que uma pergunta pode nos acossar incessantemente no coração e na mente: como tudo acabará? Ó, se finalmente houvesse um bom desfecho, se mais uma vez recebêssemos vida, saúde e liberdade! Paulo, como estás olhando para o futuro em tua perigosa situação após anos de prisão? Agora estás alegre, porém – como será amanhã?

“Mas também me regozijarei!” Os filipenses ficam atentos: será que o processo dele de fato está melhor do que temiam? Porventura ele tem uma boa notícia a comunicar? Prestam mais atenção ainda: “Pois na verdade sei que ‘isso me redundará em salvação’ através da vossa oração e pelo apoio do Espírito de Jesus Cristo segundo minha ardente expectativa e esperança.” Ou seja, Paulo, estás contando com uma sentença de libertação porque nós aqui em Filipos e tantos outros em todos os lugares oram por ti e porque o Espírito de Deus na verdade também é capaz de guiar como rios de água o coração de alguém como Nero? Não é, Paulo, que tua “ardente expectativa e esperança” naturalmente também espera que não tenhas de morrer, que mais uma vez fiques livre de todo esse longo período de sofrimento, retornando à liberdade?!

Não foi em vão que Paulo não revestiu sua certeza com palavras próprias, mas recorreu a Jó 13.16, na forma que conhecia da tradução grega do AT. É como se esta citação visasse dizer aos filipenses: em relação ao futuro só sei aquilo que todas as pessoas sabem de Deus, até mesmo Jó. No final tudo desemboca em salvação. Também o filho amado de Deus não sabia, no tocante ao curso terreno das coisas, como continuaria. Também o filho amado de Deus eventualmente precisou entrar em toda espécie de aflições e dores. Exteriormente o futuro é tão incerto e inseguro para o crente como para qualquer outra pessoa. Sobre o processo de Paulo não paira a garantia de que para um mensageiro de Jesus rodeado de orações sempre haverá um bom desfecho. Da mesma forma não está escrito sobre o leito de enfermidade do devoto que ele recuperará a saúde. O crente só sabe o que todos os demais não têm como saber: o desfecho será para a salvação!