Estudo sobre Filipenses 1:20

Filipenses 1:20



Trata-se na verdade de um modo de pensar radicalmente diferente, que separa o crente de todos os demais e distingue cabalmente os “santos em Cristo Jesus” de todas as outras pessoas, até mesmo das muitas que apresentam apenas uma religiosidade cristã. Também o crente não é um “estóico”, alguém cujo coração não se deixa mais mover por anseios e esperanças. Não, uma “ardente expectativa e esperança” vivem também no peito dele. Mas o conteúdo desta esperança não são mais o eu e sua prosperidade. Como isso será realmente possível? Como pode haver tal liberdade do eu? O coração inteiro perde-se de tal forma em Cristo que seu único e ardente desejo é “que… Cristo seja engrandecido”. Isso é amor verdadeiro a Jesus, gerado do conhecimento mostrado pelo Espírito Santo de que esse Jesus “me amou e a si mesmo entregou por mim” (Gl 2.20). Esse amor a Jesus não pode ser “produzido” por nós, e tampouco podemos nos “forçar” a tê-lo. Ele é presenteado no milagre da real transformação cristã, no milagre do renascimento. Porque tornar-se cristão significa simplesmente perder-se a si mesmo para Cristo. Obviamente Paulo encara isso com toda a sobriedade: mesmo quando um coração renascido se posiciona desse modo em favor de Jesus, ele passa por lutas interiores ao trilhar a dura trajetória de sofrimento. Também como crentes continuamos sendo “carne”, e nossa carne se defende apaixonadamente contra todos os sofrimentos e a morte. Por isso mesmo quem verdadeiramente renasceu pode fracassar em determinados pontos dessa trajetória e “ser envergonhado”. Mesmo e justamente alguém como Paulo (cf. Pedro antes de seu renascimento!) não constitui exceção disso, como se algo assim naturalmente não pudesse acontecer com ele. Ele precisa da intercessão da igreja! Precisa do apoio do Espírito Santo, o qual ele designa justamente aqui de “Espírito de Jesus Cristo”, porque também Jesus glorificou o Pai no sofrimento e prometeu o auxílio do Espírito Santo exatamente nos tempos de perseguição e julgamento (Mt 10.20). “Apoio do Espírito de Jesus Cristo” é, portanto, um genitivo do sujeito. Mas Paulo tampouco se encaminha aflito e incerto para o futuro. A “fé” é aquela certeza bem peculiar que está igualmente distante da “segurança” e da “incerteza”: Porque estou certo de que isso me redundará em libertação, de que não serei envergonhado! Até então acontecera assim na vida de Paulo. Nessa vida e serviço “sempre” foi “engrandecido Cristo”. E precisamente “com toda a franqueza”. Paulo emprega um termo genuinamente neotestamentário, parrhesia, que Lutero traduz com uma expressão certeira de seu tempo, Freidigkeit [ousadia], da qual se originou, após a perda desse termo arcaico, o conceito bastante enganador Freudigkeit [alegria]. Neste repercute uma ênfase muito equivocada no sentimento, totalmente distante da parrhesia do NT. Não são meus sentimentos “alegres” que importam. Para começar, parrhesia é, de forma bem objetiva, o “livre caráter público” de uma causa ou um discurso, e somente a partir daí também subjetivamente a “franqueza” com que acontece esse agir ou falar público. O primeiro significado puramente objetivo deve ser o que vigora, p. ex., na conhecida frase final de Atos dos Apóstolos (At 28.31). Talvez o mensageiro algemado agora também pense apenas: independentemente de como acabar seu processo, Cristo sempre será glorificado por meio dele, com toda a “publicidade”. Contudo, talvez seu raciocínio ainda seja determinado pelo “não ser envergonhado”: independentemente de como continuar sua situação, ele testemunhará de Cristo com clareza e ousadia, engrandecendo-o dessa maneira. Nosso termo “franqueza” ainda permite expressar melhor um pouco dos dois aspectos disso.


A glorificação de Jesus acontece “em meu corpo”. Afinal, é seu corpo que agora traz as algemas, é seu corpo que Nero pode mandar matar. No entanto, igualmente seria seu corpo, em caso de soltura, que novamente teria de suportar todas as agruras das peregrinações, do trabalho manual para o sustento da vida e do serviço de mensageiro. Paulo não era – como a maioria de nós no cristianismo! – um “platônico”, que somente valorizava “a alma” e desprezava o corpo como insignificante ou até mesmo “mau”. Naturalmente também ele sabe que o pecado deturpou justamente o corpo, podendo escravizá-lo: o corpo está “morto por causa do pecado” (Rm 8.10). Ele é um “corpo de humilhação” (Fp 3.21). Por isso é preciso mantê-lo de rédeas curtas (1Co 9.27), as “práticas do corpo” têm de “ser mortificadas por meio do Espírito” (Rm 8.13). No entanto, tudo isso na verdade ainda não significa considerar o corpo como mero “invólucro” da “alma” que seria a única importante. Paulo pensava em termos bíblicos e via com sobriedade e clareza o quanto nossa vida ativa está totalmente condicionada ao corpo e carece dele. Por essa razão ele convocou os romanos a ofertar como sacrifício certo para Deus não os “corações” ou as “almas”, mas seus “corpos” (Rm 12.1). Da mesma forma tem consciência em sua própria vida de que a glorificação de Jesus acontece “em” seu corpo ou, como novamente podemos traduzir aqui o en grego, “por meio de” seu corpo. Esse corpo “insignificante”, muitas vezes tão precário e maltratado, é o meio da glorificação de Jesus – que verdade!

Isso ocorre independentemente do desfecho do processo, tanto no caso de soltura como no caso de execução, “quer pela vida, quer pela morte”! Porque o “engrandecimento do Cristo” concede um alvo de vida que também está radicalmente acima dos contrastes que nossa existência pode enfrentar. Todos os demais alvos de vida, mesmo os mais intelectuais e nobres, qualquer outro sentido de vida, até mesmo um “cristão”, depende de nossa situação. Até mesmo quando considero que o alvo e sentido de minha vida é servir aos enfermos e miseráveis sendo diaconisa, uma enfermidade precoce simplesmente poderá desmantelar esse sentido de vida. Há somente um alvo que jamais me poderá ser tirado, um alvo que posso perseguir sendo sadio ou enfermo, prisioneiro ou livre, vivente ou moribundo: “que Cristo seja engrandecido em meu corpo, quer pela vida, quer pela morte”. Em vista desse poderoso alvo a pergunta sobre o desfecho do processo perde sua constrangedora relevância.